A pandemia da covid-19 causou impactos não somente na ordem biomédica e epidemiológica em escala global, como também impactos econômicos. O Governo Federal afirmou que o Produto Interno Bruto (PIB) poderia reduzir drasticamente, gerando uma série de mudanças após restrições e fechamentos de empresas e comércios de todos os setores.
No Distrito Federal, todos os setores econômicos foram afetados, com exceção dos servidores públicos que tiveram, ao menos, empregos e salários mantidos durante a pandemia. A Junta Comercial Industrial e de Serviços do DF (Jucis-DF) não tem um levantamento detalhado sobre os empreendimentos que não resistiram ao período da pandemia. Apesar disso, dados enviados ao Correio informam que 31,7 mil empresas deram baixa no CNPJ durante o período de pandemia da covid-19.
Esse número se refere a empresas de todos os tamanhos (micro, pequena, grande) e de todos os setores. E pode ser ainda maior, já que segundo especialistas ouvidos pela reportagem, pode haver uma demora entre o momento no qual se encerram as atividades do negócio e aquele em que se formaliza a baixa. Comércio, em especial bares, restaurantes, vestuário e papelarias, além de serviços foram os segmentos mais atingidos.
Crise dos pequenos aos grandes
Mesmo com planejamento e experiência, os impactos econômicos levaram ao fechamento de uma grande quantidade de restaurantes tradicionais do Distrito Federal, causando ainda uma série de demissões. Alguns dos estabelecimentos fechados na capital foram o restaurante Oliver, que fechou em junho do ano passado após 15 anos no Clube do Golfe; o Delta Bar, focado no consumo de narguilé, também encerrou as atividades em maio de 2020.
Também fecharam as portas o tradicional Piantella, em abril de 2020; e o alemão Fritz, fechando em maio de 2020 com 40 anos de história na capital. Logo após ser declarado o fechamento dos comércios, o Naturetto Família e o famoso self-service Arabetto não conseguiram se manter e encerram as atividades.
Embora a Jucis-DF comemore uma alta no número de CNPJs abertos (em média três vezes maior que a quantidade de empresas fechadas), para Jael Antonio da Silva, presidente do Sindicato Patronal de Hotéis, Bares e Restaurantes de Brasília (Sindhobar), esse número não representa uma melhora na atividade econômica, mas uma deterioração do ambiente de negócios.
Isso porque a maior parte das empresas abertas é formada por Microempreendedores Individuais (MEI). Em geral, pessoas que ficaram desempregadas e viram neste tipo de empreendimento uma oportunidade de manter a renda. Entretanto, segundo Jael, esses negócios acabam pressionando o mercado de bares e restaurantes, sobretudo no caso dos que trabalham com entrega, porque têm custo fixo muito menor e podem oferecer produtos similares a um preço bem mais baixo que o de mercado.
“Os bares e restaurantes precisam manter funcionários, aluguel, arcar com uma carga tributária alta. Quando vamos para o serviço de delivery, entramos em uma concorrência com pessoas que são MEIs e fazem os produtos em casa a custo bem mais baixo, o que diminui a nossa competitividade”, explica.
Desafios digitais
Além das mudanças no modelo de concorrência, a entrada no mundo virtual também foi um problema para os empreendedores. “O Distrito Federal é privilegiado em relação a outras unidades da federação em relação à extensão do território e à infraestrutura. Salvo uma ou outra localidade, e as zonas rurais, a cobertura de sinal aqui é boa e, em geral, as pessoas têm um grau mais alto de escolaridade que em outras regiões, o que impacta também na alfabetização digital”, contextualiza Valdir Oliveira, superintende do Sebrae-DF.
Contudo, essa ligeira vantagem em relação aos estados é perdida em desafios próprios do ambiente cibernético. E o primeiro deles é o que foi visto como um bote salva vidas em março de 2020: os marketing places. Esses locais de venda virtual são aplicativos como iFood, Uber Eats, James, e sites como Magalu, Mercado Livre e Amazon. Mas, o que parecia ser uma saída para o encontrar clientes, mesmo a portas fechadas, acabou se transformando em dor de cabeça e mais custos para os empresários.
“Esses ambientes virtuais têm suas próprias regras. Quem é exclusivo do marketing place, por exemplo, aparece primeiro nas buscas e tem mais chances de ser encontrado pelos clientes. De repente, se isso diminui seu desempenho, você some da tela e não consegue mais vender. Sem contar o custo fixo de 30% do valor das vendas, que é muito alto”, comenta o presidente do Sindhobar.
O economista Roberto Kanter, professor dos MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda que esses ambientes virtuais não podem ser usados como única plataforma de vendas para os negócios. “É uma ótima estratégia de captação de clientes, mas é uma péssima maneira de continuar com o cliente. Ao invés da próxima compra ser feita novamente pelo marketing place, o cliente pode comprar diretamente com você. Aí vale a pena. Mas só botar esses produtos no marketing place, a não ser que você tenha muita margem, como uma grande indústria, não é uma boa estratégia”, aconselha.
Dilema dos pequenos
Ainda que tenham custos menores, os pequenos e médios empreendimentos foram mais afetados, de acordo com Kanter. Eles já sofriam com a crise econômica, mesmo antes da pandemia, e possuem menos ferramentas de controle e planejamento do negócio.
“Infelizmente eles acabaram não sobrevivendo, fora aqueles que foram impactados diretamente como agências de viagens, eventos. Eles não têm estrutura, recursos, é uma gestão muito familiar, o dinheiro da empresa é o dinheiro da família, não tem uma visão profissional do negócio”, coloca.
É o caso de Letícia de Araújo Benigno, de 23 anos. A estudante tentou abrir um negócio de caldos e petiscos na Vila Planalto. Apesar de abrir o estabelecimento em meio a pandemia, em outubro do ano passado, o estabelecimento começou com um bom rendimento, estando sempre com bom movimento, já que seguia todos os protocolos de segurança.
Porém, devido às mudanças das regras de abertura dos comércios, acabou sendo prejudicada quando houve o decreto de fechamento. Segundo ela, mesmo tentando a opção de delivery para manter o estabelecimento, não conseguiu se manter, e acabou fechando: "A pandemia dificultou nosso equilíbrio nas finanças. Tentamos o delivery, porém não deu certo pois a demanda era muito pouca e o gasto na mão de obra era mais cara então não compensou muito para nós".
Estratégias
O professor aconselha que algumas das alternativas para essas empresas são a venda por redes sociais e inovar no marketing: “O primeiro passo é investir em conhecer o cliente, no momento em que você conhece seu cliente, custa mais barato manter o cliente que você já tem que conquistar o cliente novo. Para isso tem muitas ferramentas”.
E também é preciso se planejar para investir em serviços mais caros, mas que podem oferecer um retorno melhor: “Obviamente para o pequeno e médio mais organizado, há ferramentas mais interessantes de venda e gerenciamento de negócios”. Algumas dessas inovações são programas de resposta automática padrão e serviços de pesquisa de público, que entregam um perfil detalhado de prováveis clientes.
Outro ponto importante, especialmente para os negócios familiares, é aprender a separar o uso pessoal do profissional nas redes sociais. “Não pode misturar as coisas. No seu perfil pessoal, você coloca sua família, coloca detalhes da sua vida, mas no perfil profissional isso atrapalha a credibilidade dos negócios”, comenta o superintendente do Sebrae-DF.
Ele faz um paralelo com as pessoas que estão em home office. “A gente recomenda muito para pessoas que trabalham em casa para reservar um espaço que é profissional, um horário de trabalho. É a mesma coisa para os canais digitais, você precisa separar bem os perfis para não gerar uma má impressão nos clientes”, coloca Valdir Oliveira.
Um conselho dado pelo especialista, é que os empreendedores de qualquer porte se habituem a um modelo híbrido de negócios. “As coisas não vão voltar a ser como antes. Uma parte do público que dava mais valor à experiência do cliente, que é ir até o local, ver, comprar, acabou precisando se habituar aos meios digitais. Mesmo quando o funcionamento presencial for normalizado, essa vai ser a principal forma de chegar a novos consumidores”, coloca.
Para encontrar formas mais compatíveis com a possibilidade de cada empresa, Oliveira recomenda que os donos de negócios busquem ajuda profissional. “O próprio Sebrae oferece consultorias e cursos gratuitos para a transformação digital. Isso é fundamental para que você possa compreender como usar esse canal”, orienta.
Finanças
Para os problemas financeiros, entretanto, as soluções parecem mais distantes e dependem menos de iniciativas individuais. “Quando o governo anunciou que facilitaria o acesso ao crédito, já era tarde. Muitos empresários já estavam endividados e, quando ouvia que era dono de restaurante, o banco não queria nem nos receber”, lembra Jael Antonio da Silva do Sindhobar.
Segundo ele, mais que medidas que postergam dívidas, o setor precisa de um incentivo fiscal real para voltar a se aquecer. “Nós não tivemos nenhum subsídio, mas tudo está mais caro, o gás, os insumos, a gasolina. O aluguel reajustado pelo IGPM fez com que muitas pessoas tivessem que entregar o local porque, se o proprietário não tem consciência do momento, e muitos não têm, você acaba com um aluguel que não consegue pagar”, lembra.
Adiar dívidas também foi uma saída ineficaz na avaliação do sindicalista. “O parcelamento do IPTU e do ICMS foi até pior do que se tivéssemos tentado pagar antes, porque vamos precisar pagar dois de uma vez. O que a gente precisa é de subsídio e que a situação melhore para que as regras de funcionamento sejam restabelecidas”, reivindica.
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