Apontada por um grande número de especialistas como necessária para destravar o crescimento do país, a reforma tributária está, cada vez mais, enroscada num cipoal de contradições. A prometida simplificação do sistema de impostos — um dos mais onerosos e complexos do mundo — parece estar cada vez mais distante, enquanto governo e Congresso não se entendem sobre o assunto.
Ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que prefere não fazer a reforma tributária a optar por uma que piore o sistema atual. A declaração foi dada em um debate no Senado Federal, mediado pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), relator da PEC 110/19 — projeto que tramita na Casa e propõe uma reforma tributária ampla, a partir da unificação dos tributos incidentes sobre o consumo.
Há outra proposta em tramitação na Câmara — o PL 2.337/21, que altera o Imposto de Renda, e que tem como um dos destaques a tributação dos dividendos em 20%. O ministro disse que aqueles que reclamam desse projeto são os que atualmente são isentos de impostos e vão ter de começar a pagar.
Os problemas em torno dessa proposta, no entanto, se acumulam e o relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA) faz novas modificações ao relatório toda semana, o que vem aumentando as dúvidas sobre a viabilidade do projeto. “Eu prefiro não ter uma reforma tributária a piorar. Só que tem muita gente gritando que está piorando, mas é quem vai começar a pagar. Se chegarmos à conclusão de que vai piorar, eu prefiro não ter. E piorar pra mim é aumentar imposto, tributar quem não pode ser tributado, fazer algo que prejudique estado e município”, disse Guedes.
O PL chegou a ser pautado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais interessados na reforma, mas foi retirado da ordem do dia duas vezes por falta de acordo para votá-lo.
Descontentamento
Esse modelo de tributação em fases não agrada a indústria, que deseja uma reforma tributária ampla, com foco nos tributos de consumo, nos moldes da PEC 110, do Senado. Mas esse projeto está perto de ser enterrado de vez. Durante o debate de ontem, que foi marcado especificamente para falar sobre a reforma ampla, o senador Roberto Rocha demonstrou descontentamento com o secretário especial da Receita, José Tostes, que baseou sua participação em questões ligadas aos projetos de lei que estão na Câmara.
Rocha afirmou que “o governo não está interessado numa reforma ampla e disse que os esforços nesse sentido foram em vão”. O senador, que trabalha em uma nova versão do seu parecer há mais de dois meses, disse que tem se dedicado fielmente ao tema, mas reclamou da falta de reconhecimento do governo. Por isso, decidiu que não mediará mais debates sobre a PEC no Senado e se limitará a entregar, na próxima semana, a nova versão do seu relatório.
As conversas para tentar tornar a PEC 110 o ponto central da reforma ocorriam, pelo menos, desde o mês passado, na época do recesso parlamentar. Rocha estava em conversas com o Ministério da Economia e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), além de representantes da indústria. Após o senador sinalizar que jogaria a toalha, Guedes, pediu calma a ele elogiou o trabalho que tem sido realizado pelo parlamentar.
Estados
O ministro propôs, para a próxima semana, uma reunião incluindo o senador e os presentes no debate, entre eles José Tostes, representantes dos municípios e do Comitê Nacional de Secretários da Fazenda, Finanças, Receitas ou Tributação dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz). “Eu agradeço ao senador Roberto Rocha por todo o trabalho que temos feito juntos. E nós poderíamos ter uma reunião física, somos poucos, quatro ou cinco pessoas. Acho que seria riquíssimo se tivéssemos essa reunião na semana que vem”, disse.
“Vamos seguir juntos, vamos continuar conversando”, pediu Guedes. A proposta foi aceita, e o encontro deve ocorrer na próxima terça-feira. O ministro também justificou que não deseja propor uma reforma ampla para não mexer no ISS — imposto municipal sobre consumo —, que tem gerado muita polêmica, especialmente entre os grandes municípios. Ele ressaltou que os estados já estão em alinhamento quando o tema é reforma tributária e sugeriu que eles devem homogeneizar a alíquota do ICMS.
“Ora, se os estados já avançaram tanto, já acertaram tudo, porque não experimentam homogeneizar o ICMS entre eles? Seria uma colaboração extraordinária. Se já chegassem com o pacote pronto dizendo: ‘Entre nós já acertamos tudo, nosso IVA dual tinha que ser de 12, 13 ou de 14%’, seria ótimo”, sugeriu Guedes, que afirmou que o ICMS é o segundo pior imposto do Brasil, perdendo apenas para os encargos trabalhistas. “O segundo pior é o ICMS, o pior de todos é o encargo sobre a folha”, afirmou.
“O governo não está interessado numa reforma ampla, e os esforços nesse sentido foram em vão”
Senador Roberto Rocha, relator da Pec 110
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