A tentativa de Jair Bolsonaro de criar um fato positivo em meio à crise institucional aberta com o Poder Judiciário por conta do voto impresso — cuja Proposta de Emenda Constitucional (PEC) vai à votação hoje, no plenário da Câmara —, entregando pessoalmente a medida provisória do programa substituto do Bolsa Família aos parlamentares no Congresso, ontem, não foi bem recebida por analistas. As principais críticas foram a falta de transparência e o anúncio atabalhoado da MP, que não constava da agenda do presidente da República.
O novo benefício, o Auxílio Brasil, ainda não tem valor previsto e, por isso, não dá para prever qual será o impacto dessa despesa no teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior. De acordo com o ministro da Cidadania, João Roma, só será definido no fim de setembro quanto será pago. Ele garantiu respeito ao teto e disse que o governo prevê um gasto adicional de R$ 18 bilhões, que se soma aos R$ 35 bilhões estimados para o Bolsa Família em 2022. Contudo, reconheceu que esses recursos estão condicionados à aprovação da PEC que prevê o adiamento do pagamento dos precatórios — dívidas judiciais da União —, entregue ao Congresso depois, conforme nota do Palácio do Planalto divulgada no início da noite de ontem. O Ministério da Economia fará um detalhamento da proposta hoje.
“O desenho (do novo programa) ficou muito ruim, porque inclui até atletas, o que deve dificultar a calibragem e tirar a efetividade do Bolsa Família, que é um programa com foco específico e que, por isso, é bem avaliado. Confundiram tudo e misturaram muitos departamentos. Tudo descuidado e improvisado”, lamentou a economista e consultora Zeina Latif.
Folga em 2022
Pelas estimativas do Tesouro Nacional, existe uma folga entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões na regra do teto de 2022 devido à inflação mais alta neste ano — assim, é possível incluir um novo Bolsa Família perto de R$ 300. Mas o governo avisou que as despesas com precatórios devem passar de R$ 54 bilhões, neste ano, para R$ 90 bilhões, em 2022 — por isso, precisará aprovar a PEC dessas dívidas para incluir novas despesas como o Auxílio Brasil.
A explosão no volume de precatórios poderia ter sido evitada, no entender dos especialistas, se houvesse melhor acompanhamento das sentenças judiciais. “Não dá para cumprir o teto, pagar precatório e ampliar o Bolsa Família. Essa é a realidade das contas públicas. E esse problema é resultado de uma gestão problemática”, explicou o especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro, economista do Senado.
O economista Tony Volpon, estrategista-chefe da WHG Capital, reconheceu que o governo poderia ter tratado melhor o problema dos precatórios em vez de querer mexer na Constituição para adiar o pagamento. “Se o governo estivesse fazendo uma proposta para tratar os precatórios como a dívida mobiliária federal, poderia ser uma forma mais coerente para não deixar de pagar essas dívidas e ainda evitar o descumprimento do teto”, avaliou. Conforme disse, para o investidor estrangeiro a manutenção do teto de gastos é fundamental para que o país não perca a credibilidade.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, torceu o nariz para o novo pacote. “A pressão eleitoral em cima de Bolsonaro é grande e o risco de entregar uma piora fiscal é muito grande, especialmente com o Centrão dentro do governo. Os valores que estão sendo colocados para o novo auxílio serão difíceis de caber no teto do ano que vem”, avaliou.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, reforçou que o investidor está cada vez mais ressabiado com o Brasil, pois as incertezas estão aumentando. “Ele está vendo juro e dólar para cima e economia para baixo. O clima está horroroso. Nenhum fundo europeu vai achar graça dessa exibição de tanques na Esplanada. Isso só piora o ambiente de negócios”, alertou.
R$ 90
bilhões
é quanto o governo calcula que será a despesa com precatórios em 2022. Para este ano, está em
R$ 54 bilhões
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.