Conjuntura

Arrecadação federal aumenta e governo pode desbloquear orçamento

Governo anuncia o desbloqueio de R$ 4,5 bilhões graças ao maior volume de imposto arrecadado. Criação do Ministério do Trabalho tem repercussão discreta no mercado, que considera cada vez mais enfraquecida a agenda liberal de Paulo Guedes

Graças ao aumento da arrecadação federal, o governo pretende desbloquear os recursos do Orçamento que estavam contingenciados desde o início do ano. O montante chega a R$ 4,5 bilhões, e o Ministério da Educação responde pela maior parcela: R$ 1,6 bilhão. A liberação dos recursos foi anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro, em entrevista à Jovem Pan. “Estou até preocupado positivamente — óbvio né, a arrecadação subiu assustadoramente —, nós resolvemos descontingenciar todos os recursos previstos no orçamento dos ministérios, todos”, disse.

Logo após a aprovação do Orçamento de 2021, a equipe econômica precisou anunciar, em abril, um contingenciamento de R$ 9,3 bilhões de despesas discricionárias (não obrigatórias) para evitar o descumprimento das regras fiscais. Havia uma expectativa de crescimento menor da economia e receitas mais modestas, diante do avanço da segunda onda da pandemia da covid-19 no país. Entretanto, nos últimos meses, com a melhora na arrecadação, o governo reduziu gradualmente o volume bloqueado. Atualmente, esse montante está em R$ 4,5 bilhões, conforme dados do Ministério da Economia.

A relação das despesas discricionárias bloqueadas envolve 20 órgãos, mas cinco deles, Advocacia-Geral da União (AGU), Controladoria-Geral da União, não possuem mais recursos contingenciados. O Ministério da Educação responde por 34,4% desse montante que poderá ser desbloqueado integralmente, seguido por Economia e Defesa (18,4%) e (14,8%). Segundo a pasta chefiada pelo ministro Paulo Guedes, mais detalhes sobre o assunto serão fornecidos hoje, durante a apresentação do Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias referente a maio e junho.

“A cada relatório de avaliação bimestral das receitas e despesas, o governo tem realizado desbloqueios. Como a receita tem superado as expectativas, o governo pretende realizar novo desbloqueio”, sintetiza Gil Castello Branco, secretário-geral da Organização Contas Abertas.

No último relatório, o governo reduziu a previsão deste ano para o deficit primário das contas do governo central — que reúne Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social, de R$ 286 bilhões para R$ 187 bilhões. A meta fiscal deste ano prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) permite um rombo de até R$ 247,1 bilhões.

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Bolsa Família

O presidente Bolsonaro reiterou, ontem, a intenção de reajustar o valor do Bolsa Família para R$ 300, “no mínimo”. Esse valor representaria um aumento de 55,4% sobre o valor médio atual, de R$ 193, destacou Gil Castello Branco. “Isso representaria um aumento de, pelo menos R$ 19,2 bilhões na previsão atual do Bolsa Família, sem contar o aumento na base de beneficiários”, afirmou o especialista em contas públicas.

Analistas reconhecem que existe uma expectativa de folga no teto de gastos em 2022, que será ampliado em R$ 124,1 bilhões, para R$ 1,610 trilhão, conforme a inflação oficial acumulada em 12 meses até junho. Contudo, essa margem, que já foi perto de R$ 50 bilhões, está encolhendo por conta da persistência da inflação neste segundo semestre. Segundo as novas estimativas do Ministério da Economia, essa folga está em R$ 25 bilhões. “Se o governo aumentar a base do Bolsa Família, já encosta no espaço estimado e praticamente não terá espaço extra para novos gastos”, alerta Castello Branco.

Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, reconhece que, apesar da folga do teto de gastos, essa nova despesa com o Bolsa Família precisará ser mais detalhada, pois há chances de o valor ficar acima de R$ 300. “O mercado está vendo isso com atenção. Os juros futuros estão subindo porque, apesar de o quadro fiscal ter melhorado no curto prazo, há uma precificação de riscos mais adiante”, alertou.

 

Leão recolhe R$ 137 bi

A arrecadação total das receitas federais, em junho de 2021, foi de R$ 137,169 bilhões, descontada a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O resultado registra uma alta real de 46,77% em relação a junho de 2020, de acordo com dados divulgados pela Receita Federal. No acumulado de janeiro a junho de 2021, a arrecadação alcançou o valor de R$ 881,996 bilhões, com avanço real de 24,49%. Esse é o melhor desempenho para o período da série histórica iniciada em 2007.

Os resultados vêm registrando recordes consecutivos, desde fevereiro de 2021. Nas receitas administradas pelo Fisco, o valor arrecadado, em junho de 2021, foi de R$ 133,008 bilhões, representando um acréscimo real de 45,68%. No período acumulado de janeiro a junho de 2021, a arrecadação alcançou R$ 844,935 bilhões, com acréscimo real de 24,63%.

Os números positivos podem ser explicados, principalmente, pelos chamados fatores não recorrentes, como recolhimentos extraordinários de, aproximadamente, R$ 20 bilhões do IRPJ/CSLL de janeiro a junho de 2021, e pelos recolhimentos extraordinários de R$ 2,8 bilhões no mesmo período do ano anterior. “Além disso, as compensações aumentaram 89% em junho de 2021 em relação a junho de 2020 e cresceram 51% no período acumulado”, informou a Receita Federal.

Inflação alta

O avanço na arrecadação, no entanto, não dá ao governo licença para gastar, na análise do Flavio Serrano, economista-chefe da Greenbay Investimentos. “O aumento na arrecadação, realmente, aponta que houve crescimento na atividade. Mas a inflação permanece alta, o que bate forte principalmente nos mais pobres. E com isso, a dívida pública também aumenta — passou de 70% para 90% do PIB, nos últimos meses. Qualquer exagero pode dar problemas no futuro”, lembrou.

Embora esteja claro que haverá uma folga, devido ao aumento da inflação, no teto dos gastos, o que permite a entrada de mais dinheiro nos cofres do Tesouro, qualquer projeto que exija ampliação de despesas precisa ser bem calculado, reforça Zeina Latif, economista e consultora. “Não podemos ignorar que ainda estamos em uma pandemia e que muito do dinheiro veio de recolhimentos extraordinários. É preciso que as despesas sejam calibradas, ou se tornará contraproducente, com reflexos negativos lá na frente”, alertou Zeina.