Depois do tombo generalizado da véspera, em grande parte devido aos temores do impacto da variante Delta da covid-19 no processo de retomada da economia global, as bolsas internacionais recuperam parte das perdas, ontem. Mas o clima de incerteza persiste, especialmente na Ásia, onde há maior incidência de casos da cepa indiana do novo coronavírus, que encerrou o dia no vermelho.
No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) acompanhou a melhora do humor nos mercados da Europa e dos Estados Unidos e encerrou, ontem, com alta de 0,81%, a 125.401 pontos. O dólar, por sua vez, teve uma leve desvalorização, de 0,31%, encerrando a R$ 5,23. Após o movimento de realização de lucros, segundo os analistas, a tendência, daqui para frente, será de volatilidade, tanto no mercado externo quanto no interno.
De acordo com Jennie Li, estrategista da XP Investimentos, a oscilação das bolsas refletiu a cautela dos mercados em relação à retomada global e um ajuste nos preços dos ativos. “A preocupação com a variante Delta já estava no radar e, como as bolsas vinham registrando máximas históricas, acabou ocorrendo uma correção, que foi seguida de uma recuperação, porque, quando há queda, também há a oportunidade de compra de uma ativo valorizado que ficou em baixa”, explicou.
Na avaliação da economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), essa oscilação dos mercados reflete o clima de incerteza em relação à pandemia e o impacto das variantes no processo de retomada. Ela lembrou que, apesar do número de contágios da cepa Delta ser elevado e ter mexido com os mercados, as mortes na Europa e nos Estados Unidos foram menores, devido à vacinação avançada, “o que é uma boa notícia”. Mas “a notícia ruim é que ainda há muitos países emergentes com taxas baixas de vacinação e são locais propícios para as novas variantes se espalharem”, principalmente na Ásia. Para ela, há avanços positivos na vacinação do Brasil.
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Capacidade limitada
O economista Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo, recomendou cautela e descartou altas no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro acima de 5,5%. Ele lembrou que, se houver piora no cenário externo, qualquer avanço acima de 5% será comprometido.
Silber ressaltou que o aumento da desconfiança em relação ao Brasil está crescendo e voltou a ser refletido nas taxas de juros de contratos de 12 meses, negociados perto de 7% anuais, ontem. “A capacidade de crescimento do PIB brasileiro é limitada e, no ano que vem, vai voltar para a taxa média dos últimos 45 anos, de 2%”, afirmou. Pelos cálculos do especialista, mesmo com o PIB crescendo 5,3%, neste ano, o PIB per capita brasileiro só conseguirá recuperar o patamar de 2011 daqui a três anos.
A especialista do Ibre também alertou para o excesso de otimismo. “O mercado ainda está muito otimista em relação ao crescimento mundial, que, apesar de forte neste ano, não é sustentável. Tem o problema de abastecimento das cadeias. Tem a redução dos estímulos fiscais dos governos, que será inevitável porque não vão ter dinheiro eternamente. Tem o problema da inflação, que não é transitória”, destacou Silvia Matos.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, vê espaço limitado para o crescimento do PIB brasileiro acima de 5%, especialmente, por conta da crise hídrica, que deverá ajudar a inflação oficial ficar em 6,5% até o fim do ano e, com isso, o Banco Central vai precisar antecipar o ajuste monetário acima da taxa neutra, de 6,5%, ainda neste ano, elevando a taxa básica de juros (Selic) em 7,25% até dezembro, “que vai ter um impacto no PIB do ano que vem, ajudando a frear crescimento do país em 2022.
Vale prevê alta de 4,7% do PIB neste ano e de 1,7%, no ano que vem. “O crescimento acima de 5% não está dado e, no segundo semestre, a crise hídrica poderá ser o grande elemento que poderá frear esse crescimento. Ela já está afetando a agricultura, que deverá apresentar queda na produção de vários produtos importantes, como milho, cana-de-açúcar e algodão”, destacou. “Esses são elementos centrais, mas há outros fatores, como a crise política, que afugenta o investimento. O investidor de longo prazo fica receoso para investir em um país onde o governo ameaça a democracia, questionando o sistema eleitoral. A polarização dos candidatos à presidência também não traz confiança”, emendou.
Economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Gonçalves alertou para o fato de que há uma percepção de piora nos dados antecedentes do PIB do segundo trimestre se houver uma variação de zero será motivo de comemoração. “Os sinais são bastante ruins e indicam um PIB negativo, de 0,2% e está relacionada com a situação herdada da pandemia. Não vejo motivo para oba-oba grande nesse assunto”, afirmou o economista que prevê alta do PIB neste ano de 4,9% a 5%.