Para evitar a falência municipal

Pandemia à parte, enquanto não se atacar a raiz do problema — a previdência —, a cada ano que passar, os entes de maior peso se verão diante de uma encruzilhada

Tenho escrito bem mais sobre a situação financeira dos estados, objeto mais comum das análises na mídia, mas a atual situação dos municípios de maior dimensão é igualmente complicada, em função tanto de problemas comuns às duas esferas, como dos que surgem nas respectivas áreas de concentração. Há problemas mais antigos, de natureza estrutural, como o da previdência, que são comuns a todos, e outros mais específicos dos municípios, como, por exemplo, o caso do transporte urbano, onde aparecem com toda a força os problemas criados pela pandemia do Corona-vírus.

Tomando o caso de uma das prefeituras de maior dimensão do País, a do Rio de Janeiro, em 2017-20, último período de mandato fechado, a citada prefeitura acabou acumulando, isoladamente, um déficit “orçamentário” (déficit total registrado nos balanços respectivos) de R$ 3,8 bilhões, quando, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, esse número deveria, na pior hipótese, ter sido zero. A forma como cada caso desse tipo está sendo administrado foge, infelizmente, ao escopo deste.

Em relação ao transporte urbano em municípios como o do Rio, por exemplo, de situação bem mais complexa, o que se vê são relatos de passageiros empilhados em veículos precários, falta de acesso a integrações, sem falar em linhas que simplesmente sumiram. Fala-se de modelos ultrapassados e insustentáveis, fraudes em contratos etc. Com a pandemia — que ainda demorará a acabar —, as empresas enfrentam forte queda de demanda, levando a frotas minguadas incompatíveis com os contratos de concessão, e à necessidade de se adaptar a novas regras, como a do distanciamento social entre usuários. Há casos de encampação indesejada pelos entes públicos, concessionárias em recuperação judicial, além de casos como o das barcas, há muito em negociação com o poder concedente para definir o futuro da concessão, estas de responsabilidade estadual. Informações do Sindicato das Empresas de Ônibus dão conta de insuficiência anual de receita ao redor de R$ 1,4 bilhão, exigindo, a seu ver, aportes financeiros expressivos de parte da Prefeitura. O mesmo teria de ocorrer, segundo se informa, com o metrô local e com o VLT, alvos do mesmo tipo de problema. Já os relatos sobre as dificuldades enfrentadas pelos passageiros são ainda mais dramáticos. Ou seja, há muito o que fazer (veja em O Globo, 04/07/21).

Déficits totais elevados decorrem ou poderão vir a acontecer brevemente em face desses dois tipos de problemas, e acabam acarretando, além do mais, atrasos de pagamentos nos entes públicos, atrasos esses que se amontoam, gerando confusão e prejuízos, desafiando a proibição da LRF de que isso aconteça impunemente. Por ela, déficits poderiam até ocorrer nos primeiros anos de um dado mandato, mas, no seu fechamento, saldos positivos têm de compensar os negativos. Tanto assim que alguns tribunais já avisaram aos atuais dirigentes de estados que, em 2019-22, tais desvios da lei não ficarão impunes.

Tomando por base os dados da Prefeitura do Rio, cujo caso andei estudando há algum tempo, os dados de 2016 mostram que os itens de maior peso no super rígido gasto total são, pela ordem: 1) Outros Custeios Obrigatórios (com 39% do total); 2) Pessoal Ativo (30%); 3) Inativos e Pensionistas (14%); 4) Outros Custeios Discricionários (11%) e 5) Investimentos, o “primo pobre” (6%). Dentro do maior de todos os pedaços, o item 1, destaca-se Urbanismo, que engloba limpeza urbana, manutenção de logradouros e o citado transporte municipal (ao todo com 39,8% desse último subtotal). No mais, há os casos das áreas de saúde (com 31,1%); educação (10,8%); dívida (7,5%); Legislativo (7,3%); precatórios (2%) e outros (1,5%).

Comparando com outros casos que examinei, os pesos que acabo de indicar são bastante parecidos entre entes. Mas isso não vale igualmente para os déficits totais municipais, algo que preocupa bastante no caso do Rio de Janeiro. Nesse caso, ocorreram “déficits orçamentários” expressivos em todos os anos do último mandato (2017-20), totalizando R$ 3,8 bilhões nesses quatro anos, conforme antes indicado.

Pandemia à parte, enquanto não se atacar a raiz do problema — a previdência —, a cada ano que passar, os entes de maior peso se verão diante de uma encruzilhada, pois a adoção da velha fórmula (ou seja, fazer quase nada) vai empurrá-los na direção de zerarem seus investimentos, especialmente em infraestrutura, algo que já vem acontecendo, ou recorrerem a algum tipo de atraso de pagamento.

No mais, grosso modo, cada ente terá de construir um plano de equacionamento de seu passivo atuarial (ou seja, zerar a dívida previdenciária). Na sequência, terá de implementar as mudanças introduzidas pela emenda de 2019 que são obrigatórias, e aprovar em suas câmaras municipais aquelas cuja obrigatoriedade o Congresso Nacional não houve por bem lhes impor. Finalmente, aportar ativos para compor um fundo de previdência capaz de, em adição a todas as mudanças legislativas, cobrir o seu passivo atuarial.