Conjuntura

Após reforma, Guedes tenta salvar o "coração" do ministério

Ministro afirma que mudanças no primeiro escalão, com mais espaço ao Centrão e um ministério a Onyx Lorenzoni, não afetam os fundamentos da política econômica. Mercado minimiza impacto da crise envolvendo Braga Netto e suposta ameaça às eleições

Israel Medeiros
postado em 23/07/2021 06:00
Paulo Guedes considera natural a maior presença do Centrão no governo :
Paulo Guedes considera natural a maior presença do Centrão no governo : "A população escolheu essa aliança entre liberais e conservadores" - (crédito: Edu Andrade/Ascom/ME)

Para o “Posto Ipiranga” de Bolsonaro, tudo vai bem no governo. Um dia depois de o presidente anunciar a criação do Ministério do Emprego e Previdência e por extensão reduzir ainda mais o espaço do ex-superministro da Economia, Paulo Guedes afirmou que a reorganização de cargos no primeiro escalão do Executivo é um movimento político necessário e não altera o coração da política econômica do governo. Ele disse ver com naturalidade as mudanças anunciadas pelo presidente, de modo a atender o apetite do Centrão por cargos na Esplanada e muitos recursos do Orçamento.

Na nova configuração, o Ministério do Emprego ficará a cargo de Onyx Lorenzoni, que hoje está na Secretaria-Geral da Presidência. Ele dá lugar ao general Luiz Eduardo Ramos, que deixa a Casa Civil para abrir espaço ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do PP e um dos principais nomes do Centrão no Congresso. Guedes garantiu que há um alinhamento entre ele e o presidente Bolsonaro quanto à atuação do Ministério da Economia, especialmente quando o assunto são reformas.

Guedes assegurou que as mudanças não interferem na essência da política econômica. “O presidente não cedeu no coração da política econômica por pressão política para outros partidos, não teve nada disso. [...] Está havendo uma reorganização interna — o presidente ainda não decidiu, não bateu o martelo — sem nenhuma ameaça ao coração da política econômica”, pontuou Guedes. “A população escolheu essa aliança entre liberais e conservadores. Esse programa tem que seguir. Qualquer política que pudesse desviar nosso programa, o presidente sempre disse: ‘Não vamos ceder’. Sempre houve pressões políticas, e o presidente nunca cedeu no coração da política econômica”, complementou.

O ministro, no entanto, revelou que a criação de uma pasta só se mostrou necessária para acomodar Onyx Lorenzoni. Segundo Guedes, o atual titular da Secretaria-Geral não poderia ficar sem ministério com a chegada de Ciro Nogueira. Guedes elogiou Lorenzoni, a quem chamou de um “companheiro fiel” do governo. Citou que ambos já trabalharam juntos em projetos “importantes”, como o caso da Carteira Verde e Amarela. “É como se fosse parte da equipe econômica”, afirmou.

Sobre a chegada de Ciro Nogueira, Guedes alegou que há uma “necessidade de melhorar o arco de alianças e o entendimento no Senado” e que o senador tem se mostrado um grande apoiador das políticas econômicas do Ministério. “É evidente que é uma acomodação política importante, porque nós estamos trazendo um aliado importante, o senador Ciro Nogueira, que tem apoiado muito toda a agenda de reformas”, disse.

O ministro também revelou que o novo programa social que substituirá o Bolsa Família já está pronto e deverá ser anunciado em breve pelo ministro da Cidadania, João Roma. Segundo Guedes, existe espaço orçamentário. “É programa social mais amplo que o Bolsa Família. Está pronto, já temos um espaço orçamentário. Isso tudo é o ministro João Roma que vai falar, quanto que é, as características do programa, mas está lá reservado. Mas está lá reservado o recurso que ele precisa. Nós estamos respeitando o teto, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Toda solução nossa é exatamente vacina, emprego e renda. Tudo dentro do teto, tudo como combinado”, reforçou Guedes.

Na última segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que os pagamentos do novo Bolsa Família serão realizados a partir de novembro, após o fim do auxílio emergencial. O valor a ser pago, segundo o mandatário, será de, no mínimo, R$ 300.

“Vou tributar de novo”

Guedes também participou de um debate promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre os impactos da reforma tributária. Ele foi enfático ao defender a tributação de dividendos e disse que deixar de pagar impostos sobre a distribuição de dividendos é “um privilégio”.

“Eram privilégios na Previdência, privilégios nos bancos públicos e privilégios no sistema tributário. Ou não é um privilégio tirar R$ 400 bilhões em dividendos e não pagar Imposto de Renda? Não adianta falar: ‘Não, mas eu paguei na empresa’. Eu não quero que a empresa pague. Eu quero que você pague. Você paga, não a empresa. Se [o lucro] ficar na empresa, a tributação é só de 20%. Saiu da empresa, veio para você, vou tributar de novo, bitributação. Entenda como quiser”, disparou o ministro.

Guedes afirmou haver hipocrisia no debate tributário. Segundo ele, os ricos utilizam o argumento de que certos trechos da reforma prejudicam os mais pobres, quando, na verdade, estão preocupados com si próprios, como no caso da tributação de dividendos. “A hipocrisia de se esconder atrás do pobre é uma prática no Brasil. É uma hipocrisia”, criticou o ministro.

Também participante do debate, o relator da proposta que altera o Imposto de Renda, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), afirmou que o texto deverá ser aprovado em agosto. “Em agosto, a gente já vai entregar, pela Câmara, a reforma tributária do Imposto de Renda no nosso país. Não será apenas uma reforma do Imposto de Renda; passará a ser uma das maiores políticas de desenvolvimento econômico dos últimos anos no Brasil. A maior mola de impulsão para a redução da taxa de desemprego”, prometeu.

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Mercado segue alheio à crise

Hoje, como ontem, o mercado financeiro pouco se incomodou com a reforma ministerial e com a crise política entre os Poderes, com ou sem o protagonismo das Forças Armadas. A palavra de ordem dos analistas é “ceticismo”. “Essa guerra é interpretada como aquele cachorro que ladra, mas não morde. Sem dúvida, o mercado gostaria de dormir agora e acordar em outubro de 2022. Mas, enfim, o foco é no que funciona. A bolsa de valores está comportada, o câmbio também, o comércio internacional não parou. Diante desse quadro, a expectativa é de que o governo não atrapalhe”, assinalou o economista Cesar Bergo, sócio-investidor da Corretora OpenInvest.

Não há, na análise de Bergo, uma queda significativa na confiança em relação ao Brasil, apenas porque os números da economia apontam que, efetivamente, o Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas do país) deve avançar 5%, em 2021, e a produção industrial começa a se reerguer. “Após sustos sucessivos, o mercado já precificou, por exemplo, a possível saída do ministro da Economia, Paulo Guedes. Mesmo assim, os investidores ainda estão de olho no andamento das reformas (tributária e administrativa) e receberam com tranquilidade a escolha de Ciro Nogueira (PP-PI) para o Comando da Casa Civil. A crença é de que ele será capaz de amenizar os ataques do Legislativo ao Executibo”, lembrou Bergo.

Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Investimentos, citou como exemplo da “discrição” dos donos do dinheiro os preços nos mercados domésticos. “O dólar segue na faixa de R$ 5,2 hoje por exemplo, com alta em torno de 0,35%, e os juros futuros, em alta, mas de forma também moderada. Se fosse realmente uma crise de confiança — ou cautela do investidor — já teria interferido no preço dos ativos e provocado algum movimento de saída de divisas”, afirmou. Velho concorda que, no fundo, a reforma ministerial, com Ciro Nogueira na Casa Civil, “sinaliza consolidação do apoio político do Centrão ao governo e reduz a probabilidade do impeachment presidencial”.

“Ou seja, reduz risco político, o que é positivo para os mercados de renda variável”, disse Eduardo Velho. Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, lembrou que a turbulência política, as incertezas com as reformas e a queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro, além da CPI da Covid, sem dúvida, aumentam a percepção de risco em relação ao Brasil. “Mas não há como negar que Ciro Nogueira e Onyx Lorenzoni (DEM-RS) — em novo cargo no Ministério do Emprego —, sem fazer julgamento de valor, se atuarem juntos, devem colaborar para um melhor resultado para o PIB no segundo semestre. O mercado está em compasso de espera”, afirmou Newton Rosa.

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