O mercado financeiro abriu a semana em clima de incerteza generalizada, em parte devido ao aumento dos contágios da variante Delta do novo coronavírus, que está se espalhando pelo mundo. As bolsas internacionais desabaram, ontem, e o Brasil foi junto nesse processo, que inclui a realização de lucros dos últimos dias, com os agentes do mercado tentando antecipar o que está por vir. O Índice Vix, um indicador que busca medir o sentimento de medo dos investidores, e é negociado na Bolsa de Chicago (EUA), chegou a disparar 35,6%. A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) voltou a ficar abaixo de 125 mil pontos após cair 1,24%, enquanto os indicadores da Ásia, da Europa e dos Estados Unidos encerraram o dia no vermelho e o dólar voltou a subir.
De acordo com analistas, crescem os temores de inflação global, em meio à retomada da economia devido aos avanços da vacinação. Nos EUA, onde a carestia não parece ser temporária como o Federal Reserve (Fed, banco central norte-americano) vem afirmando, o temor é de uma mudança brusca na política monetária. Hoje, o Fed irriga o mercado com US$ 120 bilhões por mês por meio da compra de títulos, o que ajudou a “esticar” o valor dos ativos nas bolsas.
Antes de começar a subir os juros, o Fed deverá enxugar essa liquidez, reduzindo a compra de títulos (tapering), ainda neste ano, apostam especialistas. Para eles, o Fed será obrigado a dar uma sinalização, em breve, de que não vai mais tolerar uma inflação mais alta do que a meta de 2%, porque, em 2022, haverá eleições legislativas, e o clima poderá ser ainda pior.
Nesta semana, há a expectativa de que o Congresso dos EUA aprove o pacote de investimentos em infraestrutura do presidente Joe Biden. O pacote, no valor de US$ 1,2 trilhão, poderá ajudar o Fed na tarefa de enxugar a liquidez, porque haveria um estímulo compensatório via gasto público.
Mas tudo são hipóteses. Uma certeza crescente é de que o Fed está preso na armadilha de liquidez que ele mesmo armou. “O mercado está muito alavancado, o Fed vai ter que se livrar dessa armadilha de liquidez. O sinal de hoje nas bolsas é bem claro. Estão antecipando uma crise financeira que está por vir e procuram realizar lucros para minimizar perdas futuras”, disse Eduardo Velho, estrategista da JF Trust Gestora de Recursos.
“O descompasso entre a valorização dos ativos e o crescimento da renda na economia da produção e dos serviços é um absurdo, e todo mundo sabe disso, mas a bolsa continua bombando. Isso é um problema estrutural do capitalismo, que precisou socorrer as empresas, e os ativos acabaram tendo uma valorização desproporcional. As empresas agora estão endividadas porque os juros estavam muito baixos, e estão recomprando as próprias ações. Agora, é preciso que o Fed diminua a injeção de liquidez, mas isso terá consequência, que é a reversibilidade da valorização dos ativos”, explica o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade de Campinas (Unicamp).
Na avaliação de Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama, a variante Delta é apenas uma “desculpa” para o movimento de realização de lucros dos últimos dias. “O que está acontecendo lá fora é algo muito parecido com a bolha das empresas pontocom. E esse mau humor se agravou porque está caindo a ficha de que o Fed vai ter que começar o tapering ainda neste ano. A inflação não é temporária, os preços dos ativos estão sobrevalorizados e precisarão ser ajustados à realidade”, alertou.
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IPCA acelerado
De acordo com analistas, no Brasil, há o agravante da crise hídrica, que vai ajudar a elevar a inflação não apenas neste ano, mas também no ano que vem. A expectativa para a prévia do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o IPCA-15, que será divulgada na sexta-feira, é de aceleração do custo de vida, pelo menos, até setembro por conta dos últimos reajustes na conta de luz e nos combustíveis. As apostas são de que o IPCA de julho deverá subir 1% e, no acumulado em 12 meses até dezembro, ficar acima da nova mediana das projeções do mercado, de 6,31%. A mediana das estimativas para o IPCA de 2022 está em 3,75%, diante de um crescimento de 2,1% do PIB, menor que neste ano.
“O dólar, dificilmente, ficará abaixo de R$ 5, neste ano, e, no próximo, isso também vai ter impacto na inflação. O Banco Central vai ter que fazer um aperto monetário maior se não quiser que o IPCA fique acima de 4% no ano que vem”, pontua Eduardo Velho, da JF Trust, que prevê alta de 6,75% no IPCA em 2021. “Se o BC quiser inflação abaixo do centro da meta no ano que vem vai ter que elevar a taxa básica de juros (Selic) acima de 7%, como já vinha dizendo desde maio. Se houver novo reajuste da energia a partir de outubro, o IPCA facilmente irá para 4% no ano que vem”, alertou.
Thomas Giuberti, economista e sócio da Golden Investimentos, porém, descarta o risco de uma bolha. “O avanço da variante Delta pode ajudar a conter a inflação, mas vai atrapalhar a recuperação da economia. O investidor precisa ficar atento aos próximos movimentos do mercado”, destacou. O analista demonstrou otimismo em relação às próximas semanas, porque haverá uma safra de balanços de empresas até agosto. “Se os resultados surpreenderem, o movimento altista da bolsa poderá continuar”, afirmou.
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