A complexidade do sistema tributário torna o pagamento de impostos no Brasil um dos processos mais burocráticos do mundo, pois existe um emaranhado de 63 impostos, taxas, tributos e contribuições obrigatórios, dos quais 48 são federais, conforme levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT).
As duas primeiras propostas de reforma tributária fatiada enviadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao Congresso Nacional — a que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), unificando as alíquotas de PIS-Cofins em 12%, e a que faz mudanças no Imposto de Renda Pessoa Física e Jurídica (IRPF e IRPJ) — só aumentam o peso da carga tributária para todas as empresas, de acordo com levantamento da entidade.
Pelas estimativas feitas pelo head de estudos do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral, o impacto das propostas nos dois projetos de lei do Executivo pode aumentar o peso da carga tributária sobre o lucro, atualmente em torno de 29,2%, para 50%, em 2022, e para 48,2%, em 2023. Nesse cálculo, o especialista considerou as principais mudanças da proposta, como a tributação de 20% sobre dividendos; o fim da dedução de Juros sobre Capital Próprio (JCP) e a redução de 2,5 pontos percentuais no IRPJ adicional nos próximos dois anos, com a alíquota caindo para 12,5%, em 2022, e para 10%, em 2023.
Com isso, os tributos pagos pelas empresas que fazem a declaração pelo lucro real poderá aumentar 71,5% no ano que vem. “Esse é o impacto somente para as empresas que utilizam o JCP. Apesar de serem poucas em quantidade, aproximadamente 10 mil, representam 63% da arrecadação do IRPJ”, destaca. Segundo o especialista, as mudanças mexem com 90% das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) e com 100% dos grandes investidores internacionais que utilizam os JCP em suas estratégias de cálculo de retorno do investimento.
Em outro levantamento, sem incluir o JCP, Amaral afirma que haverá aumento da carga tributária sobre o lucro em todas as simulações, inclusive, se a alíquota adicional do IRPJ cair para 3%. Em 2022, com 12,5% de IRPJ adicional, o aumento será de 62,8% sobre o imposto pago neste ano.
Conforme dados do IBPT, cerca de 300 mil empresas fazem a declaração do Imposto de Renda pelo lucro real. Essas companhias têm faturamento acima de R$ 78 milhões e são hoje os maiores contribuintes do Imposto de Renda. Além disso, 1 milhão de firmas fazem a declaração pelo lucro presumido, e a maioria das empresas, mais de 5 milhões, estão cadastradas no Simples e faturam até R$ 4,8 milhões.
“Todas essas empresas serão impactadas, mas as prestadoras de serviço que estão enquadradas no lucro presumido é que sofrerão mais”, afirma Amaral. Para ele, ao tributar os lucros sem fazer compensação no que as empresas hoje já pagam de IR poderá ter um impacto de R$ 50 bilhões nos próximos dois anos com a arrecadação de dividendos.
“Hoje, já se tributa muito a pessoa jurídica e é uma hipocrisia afirmar que o Brasil não taxa a distribuição de lucro”, afirma Amaral. Segundo o especialista do IBPT, os defensores da proposta se esquecem de mencionar que, em 1996, foi feita a mudança que aumentou o IRPJ de 15% para 25% e ainda criou a CSLL de 9%, que não obriga a União a distribuir esse recurso com estados e municípios.
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Relator: injeção de R$ 13 bi na economia
O relator do projeto de lei do Executivo que trata das mudanças no Imposto de Renda, o PL nº 2337/2021, deputado federal Celso Sabino (PSDB-PA), evita comentar as críticas generalizadas à proposta e foca no impacto positivo da mudança da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Segundo ele, deverá injetar R$ 13 bilhões na economia no ano que vem com a inclusão dos 5,6 milhões de brasileiros no grupo de isentos de prestar contas com o Leão no ano que vem.
“O governo prevê perda de receita de R$ 13 bilhões em 2022, com a atualização da tabela de IRPF”, afirma o parlamentar. Conforme a projeção do governo incluída na proposta, a renúncia fiscal em 2022 será de R$ 32,02 bilhões, enquanto a previsão de aumento de receitas chegará a R$ 32,33 bilhões.
Sabino é cauteloso ao ser questionado sobre as críticas da falta de criação de uma nova faixa de imposto para altos salários ou mesmo para servidores que ganham acima do teto constitucional do funcionalismo, de R$ 39,2 mil. “O projeto é bom, mas não é maravilhoso”, afirma.
De acordo com o parlamentar, que não confirmou a data em que pretende apresentar seu relatório, a proposta que o governo apresentou “traz uma desoneração excepcional para todas as pessoas físicas no momento em que ela atualiza a tabela do IRPF”. “Com o novo piso de isenção de R$ 2,5 mil, cerca de 16 milhões de brasileiros, metade do total de contribuintes, estarão desonerados”, afirma. “E todas as outras faixas superiores e terão faixas de redução de carga em até 60%”, acrescenta.
Ao comentar sobre as mudanças no Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Sabino justifica que foram medidas para compensar a desoneração do IRPF. “Temos que ser responsáveis. Temos uma previsão de deficit de R$ 180 bilhões e essa reforma, por mais coerente e justa, não pode contribuir para a piora do deficit orçamentário”, afirma.
Em relação às críticas sobre a taxação de 20% sobre os dividendos, o relator diz que a empresa está tendo um benefício no IRPJ (de 5,0 pontos percentuais sobre o adicional de 10% instituído em 1996). Sobre as contas que apontam aumento de carga tributária, ele diz que estão somando os impostos das pessoas físicas com as jurídicas. “Quem vai pagar esses 20% sobre dividendo não é a empresa. É o acionista”, explica. (RH)
"Proposta de tecnocratas"
Na avaliação do chefe de estudos do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral, haverá dois efeitos ruins para a população com as duas propostas de reforma do Executivo: aumento de preços dos serviços e a fuga de investimento estrangeiro do país. “Nenhum investidor vai querer investir no país sabendo que terá que conviver com toda a complexidade do sistema tributário brasileiro e ainda pagar mais 20% sobre o lucro que obtiver com o capital investido no país”, frisa o analista. “O principal objetivo das duas propostas é aumento de imposto em 2022 e 2024. Com a CBS, do jeito que foi enviada ao Congresso, essas duas propostas vão lacrar o caixão das empresas”, complementa.
Para o presidente do IBPT, João Eloi Olenike, as “caixas de maldades” contra o empreendedor, que é responsável pela maioria do emprego no país, não devem acabar por aí. “Essas propostas foram elaboradas por tecnocratas que nunca souberam como é o desafio de empreender no país e esquecem que, além desses impostos, ainda existe outra infinidade de tributos e taxas federais, estaduais e municipais que não estão nessa conta”, afirma.
Olenike lembra que o ministro da Economia, Paulo Guedes, sempre que pode ainda cogita a criação do imposto sobre transações financeiras para desonerar a folha. Ou seja, uma nova CPMF, na quarta e última fase da proposta de reforma fatiada do Executivo.
O ex-secretário da Receita Federal e consultor Jorge Rachid também reconhece que as propostas devem aumentar a carga tributária e, em vez de simplificar, complicar a arrecadação de tributos até mesmo para os mais pobres, quando limita em R$ 40 mil a renda anual para o desconto simplificado de 20%. “Essa medida prejudica os contribuintes da classe média, que vão ter mais trabalho para fazer a declaração. Não vejo ninguém defendendo as duas propostas com unhas e dentes. Mesmo quem elogia aponta problemas que precisam ser melhorados”, acrescenta. (RH)