A segunda etapa da reforma tributária do Executivo, enviada ao Congresso Nacional no último dia 25, o PL nº 2337/2021 — que trata de mudanças na tributação do Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas —, vem gerando uma série de críticas de economistas, advogados e entidades patronais. Eles apontam problemas de inconstitucionalidade e até de redação na proposta. Mesmo quem elogia reconhece que há problemas que precisam ser corrigidos pelo Congresso Nacional.
O consenso entre especialistas é de que haverá aumento na carga tributária e que a proposta tem um objetivo arrecadatório, na contramão do discurso liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Segundo eles, em vez de simplificar o complexo sistema tributário, o governo vai na direção contrária, prejudica o investimento produtivo e beneficia especuladores do mercado financeiro, que terão a alíquota reduzida de 22,5% para 15% em aplicações de curto prazo.
A principal mudança para a pessoa física está na correção de 31% no limite de isenção do IRPF, para R$ 2,5 mil, abaixo do patamar de R$ 5 mil prometido pelo presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral. Apesar de reconhecerem que o reajuste da tabela é uma medida correta, analistas criticam o fato de o governo não criar uma alíquota para quem recebe supersalários, ou para servidores que ganham acima do teto constitucional, de R$ 39,2 mil. “Esse tipo de injustiça não foi lembrado pela equipe econômica”, lamenta o economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros. Pelas contas dele, o fim dos privilégios dos supersalários do funcionalismo, que tem proposta parada no Congresso desde 2016, o PL nº 6726 “poderia gerar uma economia anual de R$ 4 bilhões para os cofres públicos”.
Procurado, o Ministério da Economia não comentou o assunto. Apesar das críticas, Barros avalia que a proposta "tem coisas boas". “Ela vai na direção certa ao elevar o piso de isenção para a pessoa física. Mas é preciso uma melhor calibragem em relação à pessoa jurídica”, afirma.
O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega considera ambicioso chamar a proposta de reforma tributária, e lembra que o novo limite de isenção, de R$ 2,5 mil, “é praticamente a metade do que era há 25 anos”. “Logo, não há um ajuste efetivo na tabela e a medida tem mais objetivo político, que é ajudar o governo na reeleição”, avalia . “Uma reforma de verdade mexe na estrutura tarifária. Essa reforma do IR não corrige igualmente as faixas, o que pode aumentar a progressividade”, acrescenta. Segundo ele, as mudanças podem reduzir a taxa de poupança do país e a capacidade de investimento das empresas e de seus acionistas”. Pelos cálculos dele, a proposta aumenta a tributação sobre os lucros de 34% para 43%, em média.
Em entrevista ao Correio, nesta semana, o consultor e ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel destacou que, apesar de positiva, a correção na tabela do IRPF “é irrisória”, porque permitirá um ganho mensal de apenas R$ 7,5 mil por mês para quem tem rendimento de até R$ 2,5 mi. “Não vai dar nem para comprar um quilo de pão”, comparou.
Saiba Mais
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.
Dividendos: taxação polêmica
Entre as medidas mais polêmicas para a pessoa jurídica na proposta de mudanças do Imposto de Renda está a tributação em 20% de dividendos distribuídos aos acionistas, que hoje são isentos. O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel destaca que a isenção foi resultado da mudança do IR realizada no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, a fim de estimular investimentos nas empresas de capital aberto. A isenção sobre dividendos, porém, é apontada como uma jabuticaba pelos técnicos do governo e pelo relator da proposta na Câmara, o deputado federal Celso Sabino (PSDB-PA).
A reforma de 1996 criou, em contrapartida, alíquota adicional de 10% no IRPJ. Além de eliminar a isenção dos dividendos, a proposta atual prevê o fim da dedução, no balanço das empresas, dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), tendo como medida compensatória a redução gradual de 10% para 5% no IRPJ adicional em 2022 e 2023.
Contudo, os críticos rebatem que a tributação sobre o lucro das empresas no país chega a 34%, somando as atuais alíquotas do IRPJ (de 15% e 10%) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de 9%. A CSLL não é cobrada em nenhum outro país do mundo.
De acordo com dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a alíquota média das empresas nos países da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecido como clube dos países ricos, é de 21,4%. Conforme a entidade, a proposta do governo Bolsonaro é ruim para o crescimento do país, “porque vai onerar ainda mais os investimentos produtivos”.
Na avaliação da professora de direito tributário da Fundação Getulio Vargas (FGV) Bianca Xavier, a tributação sobre dividendo imposta no PL 2337/2021 é uma espécie de “confisco que vai afugentar o investidor e acarretar em um ônus de mais de 50% sobre a riqueza auferida pelo contribuinte”. “Um empresário ou empreendedor vai deixar de investir e procurar especular no mercado financeiro, porque o projeto beneficia o especulador”, afirma. “Ser sócio de uma empresa envolve todos os riscos de uma atividade empresarial. Já a especulação financeira, que não gera riqueza para o país e, muito menos emprego, ficou mais atrativa com essa proposta”, compara.
Calibragem
Para o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), o efeito das medidas será diferente para cada empresa e será preciso analisar cada caso separadamente. “As situações são particulares para cada empresa e também pelos regimes tributários das declarações. Mas o ponto fundamental é o seguinte: o efeito pode tornar mais oneroso investir no Brasil, porque pode criar distorções que antes não existiam para as pessoas jurídicas em um sistema que já é muito complexo. O governo foi na direção certa ao tentar corrigir algumas distorções, mas errou na calibragem”, afirma. (RH)