Após o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reconhecer que as pressões inflacionárias neste ano não são temporárias, sinalizando um ciclo de alta na taxa básica de juros (Selic) mais longo do que o inicialmente previsto, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reforçou que o foco da instituição é o combate ao custo de vida. Ele ainda voltou a afirmar que pretende utilizar “todos os instrumentos disponíveis” para cumprir a meta de inflação no ano que vem.
“O mandato está bem claro, a prioridade é a meta de inflação”, afirmou Campos Neto, ontem, reconhecendo que “existem alguns objetivos secundários”. A recém-aprovada autonomia do BC prevê duplo mandato, incluindo preocupação com a atividade econômica.
A fala de Campos Neto ocorreu durante videoconferência sobre o Relatório Trimestral de Inflação (RTI), divulgado ontem com novas projeções macroeconômicas. As estimativas atualizadas do BC ficaram mais conservadoras do que as do mercado, tanto para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) quanto para o Produto Interno Bruto (PIB).
A instituição elevou de 3,6% para 4,6% a previsão de crescimento do PIB deste ano, abaixo da mediana das estimativas do mercado coletadas pelo boletim Focus, de 5%. Para 2022 e 2023, o BC prevê IPCA de 3,5% e 3,3% enquanto as metas, respectivamente, são de 3,5% e 3,25%.
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Crise hídrica
Entre os principais riscos apontados pelo relatório, está a crise hídrica, que deverá ficar no radar até 2022, pois, de acordo com o diretor de Política Monetária do BC, Fabio Kanckzuk, as projeções de inflação do ano que vem já consideram o uso da bandeira vermelha 1. O diretor reconheceu que o choque de preços, no momento, não é de demanda, e, por conta disso, a recente alta na taxa de juros acaba não surtindo efeito na inflação diretamente. “Se o choque é de oferta, a política monetária só vai combater os efeitos de segunda ordem”, disse.
A autoridade monetária passou a prever, para este ano, estouro do teto da meta de inflação determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 5,25%, ao elevar de 5% para 5,8% a expectativa para o IPCA no fim do ano. As projeções também apontam que o indicador da inflação oficial poderá chegar a 8,5% no acumulado em 12 meses em agosto.
Kanckzuk admitiu que há muitas incertezas no segundo semestre, além da crise hídrica. Ele destacou que ainda não é possível saber qual será a intensidade do aumento dos preços assim que houver uma abertura das atividades de forma mais robusta. Pelas projeções do BC, apesar da queda recente do dólar, as pressões inflacionárias persistem.
As projeções do mercado para a Selic no fim de 2021 estão acima dos 6,25% sinalizados pelo BC, convergindo para 6,5%, podendo chegar a 7,5% ou 8% no ano que vem, de acordo com Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos. Segundo ele, mesmo com uma previsão de inflação no fim do ano mais baixa do que a do mercado, o BC não vai escapar de ter que se explicar ao Ministério da Economia por não ter cumprido a meta.
“Nos próximos meses, se houver uma acomodação dos preços em patamares razoáveis, as expectativas para a inflação de 2022 deverão ficar ancoradas na meta”, afirmou Rosa. Ele reconheceu que a grande dúvida é como os preços de serviços e da energia elétrica deverão se comportar na medida em que a economia for reabrindo e a atividade voltando ao normal.
O economista-chefe do Banco Alfa, Luis Otavio de Souza Leal, vê com bons olhos o foco de Campos Neto no combate à inflação. “É uma questão de visão econômica. Manter a inflação sob controle pode tirar algum crescimento no curto prazo, mas, certamente, no médio prazo, a média de crescimento será maior. Ou seja, não acho os mandatos conflitantes”, observou.
Gastos
Ele lembrou o período do ex-presidente do BC Alexandre Tombini. “Manteve juros baixos, aceitando mais inflação para ter crescimento. No fim, tivemos uma recessão, inflação e juros altos. Esse discurso de que crescimento e combate à inflação são conflitantes é papo de economista que não gosta de fazer conta e briga com a realidade”, afirmou.
Apesar da relativa melhora do cenário fiscal, Campos Neto reforçou os alertas do RTI sobre a preocupação com as ameaças ao teto de gastos, principalmente em 2022. “O arcabouço do teto de gastos tem sido desafiado com frequência. Temos um ano de eleições pela frente e entendemos que, apesar de números melhores na trajetória da dívida, há risco de possível rompimento do teto e de aumento de gastos”, alertou.
Meta de 3% para 2024
O Conselho Monetário Nacional (CMN) fixou em 3% a meta para a inflação oficial em 2024, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A margem de tolerância continua de 1,5 ponto percentual, para mais ou para menos, o que permite um teto de 4,5% e um piso de 1,5%. As metas atuais foram mantidas, sendo 3,75%, para 2021; 3,50%, para 2022; e 3,25%, para 2023. Em nota, o Ministério da Economia afirmou que “a redução em 0,25 ponto percentual na comparação com a meta de 2023 é coerente com a elevada credibilidade da política monetária”.