Diante da pior crise hídrica em 91 anos, a segurança da geração de energia elétrica no país tem sido colocada em dúvida. A possibilidade de racionamento, embora negada pelo governo, voltou ao cenário. Especialistas ouvidos pelo Correio consideram remota a possibilidade de um apagão. Mas é consenso de que a conta da crise hídrica ficará para o bolso do consumidor.
Para o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, o consumidor não tem motivos para se preocupar com um apagão ou racionamento, pois hoje existem fontes de energia que garantem que isso não ocorra.
“Em momentos anteriores, não tínhamos outras fontes de energia, hoje nós temos, o que torna o risco de um racionamento muito menor. O que ocorre é que temos o uso mais intenso de termelétricas, o que eleva o custo”, explicou.
Segundo Madureira, a contribuição do consumidor é importante, e a economia deve ser feita, principalmente, nos horários de pico de energia, entre 18h e 21h. “Se conseguirmos reduzir o consumo, pode ser que não tenhamos que utilizar com tanta intensidade as térmicas mais caras”, reforçou.
Já Roberto Pereira D’Araújo, diretor do Instituto Ilumina, acredita na possibilidade de um racionamento, mas aponta que a crise hídrica é um problema antigo do país. “Pelos dados que temos, do período de 1951 até 1956, os rios que estão ruins agora já estavam ruins. Faltou investimento. Se tivéssemos outras usinas, outras fontes, não teríamos um problema tão grande”, comentou.
D’Araújo diz que as incertezas sobre um racionamento, em um país que tem hidrelétricas como maior fonte de energia, são grandes. A situação climática do país, segundo ele, é grave, pois as chuvas estão diminuindo nos últimos anos.
“O que tem que se fazer é como em 2001, quando se estabeleceu uma cota. Mas é difícil, quem consome pouco não vai ter de onde cortar. Enquanto isso, a indústria pode diminuir a produção, tem um contrato de energia, pode vender seu contrato e piora a situação de desigualdade. Eu não aposto que vai ter racionamento, mas acho que pode ter apagões. As usinas perdem a capacidade de responder rápido”, afirmou.
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Bandeiras tarifárias
Na opinião do especialista, o uso do sistema de bandeiras tarifárias não tem sido eficaz para conscientizar a população sobre o uso racional da energia. Isso porque, para aqueles que têm mais recursos financeiros, pagar um pouco mais não faz muita diferença.
“Eu acho que a bandeira não funciona como sinal de preço. O rico continua e o pobre não pode diminuir mais. Acho que o efeito é muito pequeno. Nós já estamos com uma tarifa extremamente alta com relação ao resto do planeta. O Brasil é o segundo colocado em tarifa mais cara. Só a Alemanha cobra mais que o Brasil”, pontuou.
O especialista vê como válidos os esforços para tentar diminuir o uso de energia em horários de pico, pois, segundo ele, são os pontos do dia onde mais se exige das hidrelétricas. “Nesses horários se exige mais das hidráulicas. As térmicas não respondem rápido. Se a gente reduzir o pico, é melhor”, disse.
No Brasil, cerca de 63,8% de toda a energia vem de hidrelétricas, o que torna o sistema extremamente dependente dos níveis de reservatórios. Os principais rios do país para a geração de energia estão na parte central do país, onde, tradicionalmente, não chove entre maio e novembro. Nesse quadro, o governo discute alternativas para evitar apagões.
De imediato, a falta de chuvas deve resultar em um novo aumento da conta de luz, com a revisão das bandeiras tarifárias pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A Agência definirá o aumento na próxima semana. A bandeira vermelha 2, sobretaxa cobrada nas contas de luz atualmente, deverá passar dos atuais R$ 6,243 para R$ 10 a cada 100 quilowatts (KW)/hora consumidos — um aumento da ordem de 60%.