A nova votação da Medida Provisória que trata da privatização da Eletrobras, na Câmara dos Deputados, deverá ocorrer na próxima segunda-feira. A oposição promete buscar todos os instrumentos possíveis para tentar derrubar a matéria, que tem prazo de validade até terça-feira (22). A estratégia inclui, inclusive, recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Enviada pelo Executivo ao Congresso em fevereiro, A MP foi aprovada na quinta-feira pelo Senado com margem apertada, por 42 votos a 37, e foi devolvida para a Câmara porque sofreu alterações. O texto foi bastante criticado por analistas, devido ao excesso de jabutis — emendas não relacionadas ao tema principal da proposta. No geral destinadas a atender interesses específicos.
O relatório do senador Marcos Rogério (DEM-RO) aumentou o número de contrabandos na MP, que já haviam sido muitos na primeira votação na Câmara. Para parlamentares e analistas, como está, a MP deve encarecer a conta de luz para o consumidor, em vez de diminuir, como alega o governo. O impacto das mudanças feitas no texto no Senado não foi divulgado pelo relator durante a votação no plenário, um dos principais pontos de crítica dos opositores da proposta.
De acordo com o relator da MP na Câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), “a priori”, o texto encaminhado pelos senadores deverá ser mantido, mas ele pretende dialogar com os agentes envolvidos. “Vou conversar com o Marcos Rogério, o governo e os líderes na Câmara. Tudo vai ser construído no diálogo e em harmonia”, disse o parlamentar. Muitas conversas ocorrerão durante o fim de semana.
O governo pretende arrecadar R$ 60 bilhões com a capitalização da companhia, que registrou lucro líquido de R$ 6,4 bilhões em 2020.
A oposição busca alternativas a fim de barrar a proposta para que ela caduque, o que proibirá o governo de enviar outra MP sobre o mesmo assunto ao Congresso neste ano. “Vamos usar todos os instrumentos de obstrução para evitar que esse absurdo seja aprovado”, disse o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição. Ele contou que antecipou o retorno do Rio a Brasília para participar da votação presencialmente e articular as obstruções. Molon não descartou judicializar a questão, recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF), apontando indícios de inconstitucionalidade nos contrabandos incluídos por deputados e senadores à proposta, que prejudicam o consumidor. “Estamos conversando com a assessoria jurídica do partido para acionarmos o Supremo”, disse.
O texto aprovado na primeira rodada pela Câmara, em maio, continha vários jabutis, como reserva de mercado para Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e usinas térmicas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, na contramão do programa de diversificação da matriz energética, focada em energia eólica e solar, e do discurso liberal da equipe econômica de ampliar a concorrência do mercado.
A MP prevê a prorrogação, por mais 20 anos, dos contratos das usinas construídas por meio do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). Para piorar, o senador Marcos Rogério ampliou a reserva de mercado para térmicas a gás, incluindo a região Sudeste, e ainda passou a prever a construção de um linhão de transmissão ligando o estado dele ao resto do país, sem a necessidade de licenças ambientais. Outro jabuti foi a inclusão de uma indenização de R$ 250 milhões para o Piauí, onerando os cofres públicos e os contribuintes.
De acordo com especialistas, como não há gasoduto nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste ligando as usinas existentes e as que precisarão ser construídas, o custo dessa infraestrutura, em torno de R$ 20 bilhões, vai acabar pesando na conta de luz.
O grupo de entidades empresariais União pela Energia calcula em R$ 84 bilhões o custo total para o consumidor das alterações promovidas pelo Congresso Nacional na medida provisória. “A privatização da Eletrobras vai dar um prejuízo bilionário aos brasileiros”, frisou Molon. “O mundo inteiro caminha para a energia solar e eólica e o governo quer continuar protegendo interesses privados e apostando em fontes de energia mais poluentes”, lamentou o líder da oposição.
Para a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, o relatório aprovado pelos senadores acabou transformando a privatização da Eletrobras em uma proposta medíocre. “Os especialistas do setor elétrico apontam problemas no texto e um expressivo aumento de custos para os consumidores”, alertou.
Alessandra também demonstrou preocupação com o fato de as propostas do Executivo estarem sendo muito desidratadas pelo Congresso, o que é um risco para as reformas mais importantes, como a tributária e a administrativa, que podem ser prejudicadas devido ao enfraquecimento do governo. “O cenário não é positivo e caminhamos para ter medidas aprovadas com efeitos marginais e que não vão ajudar na retomada da economia”, alertou.