CONJUNTURA

Aneel vai fazer uma revisão nas bandeiras tarifárias da conta de luz

Para enfrentar crise hídrica, Aneel vai aumentar em 20% o valor adicional cobrado nas faturas de energia elétrica com a bandeira vermelha, que hoje é de R$ 6,24 a cada 100 KW/h consumidos. E tarifas já têm previsão de alta de 5% em 2022. Além disso, racionamento não está descartado

Diante da maior crise hídrica dos últimos 91 anos no Brasil, a produção de energia elétrica — que é feita grande parte por hidrelétricas (cerca de 63,8% da geração nacional) — tem sido gravemente afetada, o que tornará as tarifas ainda mais caras, neste ano e em 2022. Por isso, é bom o consumidor preparar o bolso. Além disso, embora não admita a hipótese de apagão, o governo não descarta a possibilidade de tomar medidas mais duras de restrição do consumo, semelhantes às adotadas em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso, quando o país enfrentou uma grave escassez de energia.

Em depoimento na Comissão de Minas e energia da Câmara, ontem, o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone da Nóbrega, informou que o órgão deve anunciar já neste mês uma revisão dos valores das bandeiras tarifárias que deve acarretar um aumento de 20% na bandeira vermelha. Ele explicou, porém, que o aumento se limita à bandeira.

“Não é a tarifa (inteira) que vai subir 20%. A agência fez um trabalho de engenharia tarifária e nós conseguimos fazer com que os aumentos que estão ocorrendo no país ao longo deste ano para o consumidor residencial fiquem na casa dos 7%, 7,5%. O que vai aumentar é o incremento da bandeira tarifária. Hoje, com a bandeira vermelha, é cobrado cerca de R$ 6,24 adicionais para cada 100 KW/h consumidos. Então, a agência deve tomar essa decisão ainda em junho, apresentando um novo valor do que vai ser recolhido na bandeira para pagar as térmicas”, detalhou.

O diretor explicou que, só nos primeiros quatro meses do ano, já foram gastos R$ 4,3 bilhões a mais na produção de energia. Isso porque as termelétricas funcionam com queima de combustíveis como óleo e gás natural, gerando energia mais cara que a das hidrelétricas.

Entre janeiro e maio, o sistema elétrico já precisou recorrer a 16 mil megawatts (MW) das térmicas e, até o fim de 2021, segundo estimativa do Ministério de Minas e Energia, o custo a mais deve chegar a R$ 9 bilhões — cifra que será repassada aos consumidores em 2022 em um aumento que deve chegar a 5% do total das tarifas de energia.

Nóbrega negou que haja qualquer discussão para a criação de um terceiro patamar para a bandeira vermelha (além dos atuais 1 e 2) e disse que o processo de revisão das tarifas é natural e ocorre todo ano, após o período chuvoso. As bandeiras tarifárias funcionam para incentivar o consumidor a economizar em situações onde a produção de energia fica mais cara, como em crises hídricas. Nóbrega disse que o órgão tem trabalhado para evitar o risco de apagões no país.

Esse risco foi descartado, na comissão, pelo diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Carlos Ciocchi. Ele destacou, no entanto, que os principais reservatórios do país estão no pior nível de armazenamento hídrico em 22 anos. São eles: Marimbondo e Água Vermelha, que ficam localizados em São Paulo e Minas Gerais, na bacia do Rio Grande; e Nova Ponte (MG), Itumbiara, e São Simão, no Rio Parnaíba, entre Goiás e Minas Gerais.

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Racionamento na agenda

Após reunião ontem com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), revelou que a pasta trabalha em uma medida provisória (MP) que “dê segurança jurídica” para que o governo possa tomar algumas providências diante de uma potencial crise no fornecimento, incluindo um eventual racionamento de energia, “como em 2001 e em 2014”. Ele negou, porém, que a conversa tenha tratado de um possível desabastecimento e descartou essa possibilidade.

“Não acredito que tenha apagão. Pode ter energia mais cara por causa das térmicas e combustíveis, mas se houver uma conscientização dos setores para deixar de consumir no horário de pico, todo mundo ajuda um pouco”, afirmou.

A ideia de incentivar a redução do uso de energia no horário de pico também foi citada na Comissão de Minas e Energia, pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). Para ele, o incentivo à economia por meio das bandeiras tarifárias tem sido ineficaz e é preciso uma atuação mais firme do governo federal para conscientizar a população sobre o uso racional de energia.

“O uso de bandeiras tarifárias tem tido duvidosa eficácia para a contenção do consumo. Eu creio que precisamos ter essa deliberação do governo já. Acho que a possibilidade de deslocar o horário de pico é uma providência urgente e importante que deveria ser adotada”, disse ele. O economista Felipe Queiroz explica que, com a política de bandeiras tarifárias, o consumidor é quem paga a conta pelos problemas hídricos, o que pode trazer sérios problemas para as rendas das famílias, especialmente no contexto pandêmico.

“Com a pandemia, a taxa de desemprego aumentou, a renda diminuiu e, consequentemente, as contas já estão proporcionalmente mais caras. Com o aumento da tarifa de energia elétrica, essa dificuldade aumentará ainda mais. O cenário de aumento deve ser analisado num contexto amplo que considere também que o governo cortou o auxílio emergencial das famílias. Por isso, entendo que, para as famílias, sobretudo as de menor renda, o aumento já chegou”, disse.

*Estagiários sob supervisão de Odail Figueiredo

 

Hidrovia pode parar

O presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Carlos Ciocchi, listou como “necessária” uma eventual paralisação da hidrovia Tietê-Paraná, importante rota de escoamento de mercadorias, que beneficia produtores nas regiões Sudeste, Centro Oeste e Sul. A possibilidade foi mencionada, ontem, na audiência pública da Comissão de Minas e Energia da Câmara, destinada a avaliar a crise hídrica enfrentada pelo país.

Foram apresentados dois cenários: a paralisação da via e a redução do calado dos navios que navegam na hidrovia, o que reduziria a capacidade de transporte. “Estamos discutindo essa ação em nível federal através do Ministério da Infraestrutura e com o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Também já falamos com o governo de São Paulo para que a gente possa fazer isso de forma controlada e planejada”, disse Ciocchi.

Segundo dados do ONS, a redução do calado dos navios resultaria em um ganho de 0,5% de energia armazenada. Já a paralisação total da hidrovia geraria um ganho de 1,6%. A hidrovia é um dos principais corredores fluviais do país, importante para o transporte de grãos, madeira, areia e cana.

Outras medidas necessárias apontadas pelo ONS são a restrição da vazão das usinas hidrelétricas de Jupiá e Porto Primavera, autorizadas pelo Ministério de Minas e Energia recentemente, e a flexibilização da operação dos reservatórios do Rio São Francisco.