O anúncio recente que surpreendeu parte relevante do público brasileiro foi o de que o governo estuda liberar as pessoas que já tenham tomado duas doses da vacina ou contraído a covid-19 do uso da máscara que irrita alguns, mas que, para boa parte da comunidade científica, tem felizmente reduzido a disseminação do vírus, embora não o suficiente para impedir o número assustador de mortes ocorrido até agora (cerca de 487 mil vítimas da doença até domingo), o que atesta uma vacinação muito abaixo do ideal em nosso país. Na mesma linha, tivemos mais uma “motociata” presidencial no domingo, em São Paulo, quando autoridades importantes foram multadas pela polícia local, exatamente pela ausência de máscaras.
Cabe indagar, em primeiro lugar, se tudo isso não é mero sintoma de uma reafirmação da política de “imunização de rebanho” que, apesar do alto número de mortes, vem sendo seguida informalmente desde o início da pandemia, como em breve ficará mais claro no iminente comparecimento do deputado Osmar Terra (MDB-RS) à CPI da Covid no Senado, um de seus principais defensores. Ou se tem a ver com uma novíssima visão otimista sobre o desempenho da economia que surgiu há pouco.
Para alguns, especialmente nos mercados financeiros, é alta a probabilidade de o PIB brasileiro crescer 5% este ano, o que, para o governo, seu grande aliado, demonstraria que os empregos estão subindo apesar de tudo, e — quem sabe — talvez até devêssemos aprofundar soluções como as adotadas até agora. Por essa visão, o fato de o país não estar adotando medidas de restrição na mesma intensidade como no resto do mundo, seria exatamente o motivo pelo qual a economia não está tendo desempenho tão ruim.
A primeira hipótese sugere uma teimosia a essa altura para lá de indesejável. Já sob a segunda, o fato é que o fechamento da nossa economia após a pandemia, combinado com a queda de renda que se seguiu, derrubou o PIB mensal calculado pelo Banco Central em não menos que 12,9% em abril x março/20, sendo o país, ali, jogado no fundo de um profundo poço. De lá para cá, recuperamos em julho a borda do mesmo poço e crescemos levemente até dezembro, de forma tal que o índice desse mês acabou ficando 4,9% acima da média de 2020, em face do buraco de abril, para depois cair de novo em janeiro de 2021 e fechar abril praticamente no mesmo nível de dezembro.
A partir daí — diria a visão superotimista —, bastaria manter os índices médios trimestrais no mesmo nível do relativo ao primeiro, para o PIB acabar crescendo aos festejados 5% também na comparação 2021 contra 2020. Só que essa seria apenas uma vitória de Pirro, porque somente refletiria o carregamento do crescimento ocorrido dentro do ano precedente (ou seja, resultando da comparação do índice de dezembro de 2020 contra a média daquele mesmo ano). Na verdade, quem projeta crescimento do PIB de 5% em 2021, algo aparentemente muito bom por estar bem acima da média dos últimos não sei quantos anos, está simplesmente se atendo (sem revelar com clareza) ao “carregamento” do que teria ocorrido dentro do ano precedente — nem mais, nem menos. Moral da história: por que não manter as máscaras e tentar vacinar mais e, assim, diminuir as mortes simultaneamente com a tarefa de fazer o PIB crescer mais que 5% com a ajuda de maiores investimentos?
Nesse mesmo contexto, o governador João Doria, de São Paulo tem festejado o que a Fundação Seade acabou projetando para o crescimento do PIB daquele estado: 7,6% em 2021. Só que, nesse caso, deduzindo os 5% do efeito carregamento, restariam, a grosso modo, 2,6 pontos de porcentagem de crescimento líquido para a economia paulista em 2021, taxa acima da média do crescimento do PIB brasileiro no último quarto de século (2,1%, de 1995 a 2020).
Concluo insistindo na tese de que, para crescer mais, é preciso investir mais, especialmente em infraestrutura. Com isso, se amplia a capacidade de produção desse tipo de serviço e se aumenta a produtividade global do país, algo que é crucial para empurrar o PIB para frente. Nesse contexto, e conforme levantamentos conhecidos, com que pretendo iniciar o painel sobre infraestrutura do XXXIII Fórum Nacional, no próximo dia 21, às 11h. (veja https://www.youtube.com/user/FORUMNACIONALINAE), deverei mostrar na largada que a taxa de investimento em infraestrutura caiu no setor público de algo acima de 5% do PIB no final dos anos 1980, para 0,7% do PIB em 2018, enquanto a razão investimento privado-PIB em infraestrutura ficava estável em torno de 1,1% desde o início dos anos 1980 até 2018.
Outro ponto que tenho enfatizado é que a recuperação dos investimentos públicos no quadro de forte restrição fiscal que, a meu ver, vimos adotando erradamente com forte viés anti-investimento, deve ser buscada em conjunto com o esforço pró-equacionamento da previdência dos regimes próprios de servidores, o caminho, a meu ver, mais relevante para abrir espaço para investimento nos orçamentos públicos.