Entidades criticaram a apresentação de dados que fundamentam a privatização da Eletrobras. O texto, que tramita no Senado ainda sem consenso, tem por base uma medida provisória do governo federal relatada pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). Há críticas sobre a metodologia usada para calcular as vantagens financeiras da operação, além de alertas sobre a possibiliade do encarecimento da energia para o consumidor final e de riscos para o meio ambiente.
O movimento União Pela Energia, que reúne empresas e associações do setor elétrico, apontou em uma carta que o texto possui vários "jabutis", emendas diversas do próprio texto. Para o grupo, "as mudanças propostas aumentam os custos da energia, além de comprometer a governança, tornar menos relevantes importantes pilares do setor elétrico, como o planejamento e a regulação, e aumentar a insegurança no seu ambiente de investimentos". "As alterações do PLV com as reservas de mercado introduzidas interferem diretamente na competição e na transparência, que deveriam ser as bases para a modernização do setor", afirma o texto.
Um dos problemas apontados é o a forma com que o projeto de lei de conversão (PLV) da MP trata o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). O programa visa aumentar a participação de fontes de energia renováveis, como o uso de usinas eólicas, pequenas hidrelétricas e termelétricas a biomassa. Nesse caso, o texto que tramita no Senado não leva em conta o valor presente dos contratos. A carta alerta que seria importante, também, que o PLV levasse em conta que "a energia desta extensão de contratos poderia ser substituída por energia resultante de processos competitivos de fontes renováveis e que trariam mais investimentos".
"Segundo a proposta do PLV, o maior potencial de redução de preço viria das usinas eólicas. As demais fontes teriam pequenas reduções ou até mesmo aumento de preço. Com isso, a avaliação mais adequada deveria levar em consideração o impacto em cada fonte/contrato e não na extensão de todo o programa", alertou o grupo. Em outro ponto, em relação às termelétricas regionais, o alerta vai para lembrar que já existem usinas a gás natural contratadas em leilões para substituir as de óleo diesel e combustível, que têm contrato válido até 2027.
"Estas usinas novas vão entrar em operação até 2025. A reserva de mercado regional e de tecnologia não irá substituir estas termelétricas mais caras, mas vai tomar espaço de projetos mais competitivos e mais adequados para as necessidades sistêmicas. A comparação de custo mais adequada não seria com os recursos mais caros que já foram substituídos, mas com os projetos mais eficientes que perderão espaço", destaca a carta.
Sobre a reserva de mercado para pequenas centrais hidrelétricas, o alerta é para o aumento na tarifa. "A reserva de mercado para pequenas centrais hidrelétricas nos leilões de energia nova até 2026 pode superar os 2.000 MW citados no PLV. As limitações relativas a regiões e estados podem aumentar ainda mais o preço da energia adquirida. Isso sem considerar os investimentos adicionais em infraestrutura, e que a energia destas PCHs poderia ser suprida por outras fontes renováveis mais baratas", avisa o documento da União pela Energia.
O texto encerra considerando que "as estimativas apresentadas diferem das estimativas realizadas por representantes da sociedade civil organizada". O grupo destaca que o PLV não usou, como referência, "o cenário de expansão competitiva, que resultaria da interação do planejamento e dos mecanismos de competição utilizados nos leilões promovidos. A base de comparação parte de cenários com custos mais elevados decorrentes de decisões do passado e apontam as alternativas do PLV como sendo vantajosas frente a eles".
"A substituição das termelétricas mais caras que o PLV pretende substituir já vem ocorrendo de forma eficiente e eficaz pelos leilões de energia nova. Finalmente, além dos custos adicionais aos consumidores, talvez o efeito mais nocivo do PLV seja a desconsideração absoluta do planejamento e regulação do setor elétrico com o comprometimento do ambiente de investimento do setor."
Transição energética
O Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), por sua vez, publicou uma nota técnica também crítica aos dados apresentados no PLV que tramita no Senado. Segundo o levantamento, o modelo adotado pelo projeto para a energia renovável restringe o uso do modelo, provocando desperdício. "As restrições de operação das renováveis flexíveis, como eólica e solar, além de desperdiçar energia que poderia ser injetada no sistema, implicará aumento de custo na tarifa de eletricidade de todos os consumidores", alerta a nota.
O estudo da Iema também concluiu que, se a taxa de crescimento econômico e de demanda de eletricidade for menor que a projetada no texto relatado por Elmar Nascimento, "os impactos citados anteriormente se amplificariam em relação à restrição de operação de usinas renováveis e à tarifa de eletricidade". Além disso, "a inclusão das térmicas nas regiões Norte e Nordeste impactaria a viabilização de térmicas que utilizariam gás natural do pré-sal na região Sudeste ou, alternativamente, aumentaria significativamente os custos de seu transporte até as regiões contempladas. Em ambos os casos, o custo adicional ao sistema para arcar com a infraestrutura das térmicas seria considerável".
"Em resumo, a proposta da MP se mostra conflitante com o cenário global de transição energética e, especialmente, com o atual cenário de risco de racionamento, que já impacta a conta de luz dos consumidores com o acionamento da bandeira vermelha dupla. A proposta conflita com o planejamento e com a competitividade do setor elétrico. A contratação de térmicas inflexíveis não é o caminho mais adequado para reduzir o risco futuro de racionamento. A receita para compensar períodos hidrológicos diversos, que tendem a ser mais frequentes por conta das mudanças climáticas, passa, necessariamente, pela diversificação da matriz elétrica, aumentando a participação de energias renováveis flexíveis", encerra a nota técnica.