Uma reforma ampla, que equalize o pagamento de impostos e reduza o peso da carga tributária sobre o setor produtivo, parece ser algo distante no momento em Brasília. A estratégia é outra. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) está alinhado com a equipe econômica, em favor do fatiamento da proposta, a solução para evitar o destino de suas antecessoras nas últimas décadas.
“Está clara a posição do governo. Votar em etapas é a melhor forma de avançar (com a reforma) do que o conjunto, para não repetir a história de mais um relator que não consegue votar a reforma”, defendeu Barros, ontem, durante o seminário virtual Correio Talks, “Indústria em Debate: por uma reforma tributária ampla”, realizado pelo Correio Braziliense, em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Durante o seminário, os debatedores defenderam a necessidade de um maior comprometimento do governo com uma reforma mais ampla para corrigir as injustiças do atual sistema tributário.
O líder do governo demonstrou forte apoio à proposta de unificação dos tributos federais PIS-Cofins, na criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), como propõe o projeto de lei do Executivo, apesar das críticas de que essa proposta aumenta a carga tributária. Segundo Ricardo Barros, o fatiamento terá menos resistência do que uma proposta ampla e, posteriormente, haverá a implementação de um Imposto de Valor Agregado (IVA) dual. Já o conselheiro emérito da CNI Armando Monteiro não poupou críticas ao projeto do Executivo que unifica apenas PIS-Cofins. Ele ressaltou que a proposta aumenta a carga tributária e faz o país perder competitividade.
“Se for feito o movimento de PIS-Cofins, vamos ter, sim, aumento de carga tributária”, afirmou. “É preciso ter clareza de que algum passo pode inviabilizar os passos seguintes”, alertou o ex-senador e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Para ARMANDO Monteiro, é melhor elaborar algo “verdadeiramente orgânico e integrado mais lentamente do que fazer um movimento que gere conforto no curto prazo a ponto de inviabilizar a reforma ampla”, fundamental para a retomada de um crescimento mais robusto do país. Nesse sentido, o palestrante do Correio Talks reforçou que, sem uma reforma profunda, a indústria continuará perdendo competitividade; e o processo de desindustrialização precoce perpetuará um crescimento baixo da economia, como na última década. “O país não pode ficar nesse pântano da estagnação, com passivo social imenso. Só poderemos dar conta desses graves desequilíbrios estruturais se voltarmos a crescer”, alertou o ex-senador.
Na avaliação do conselheiro da CNI, o momento é único para a aprovação de uma reforma tributária ampla, porque há consenso dos entes federativos em torno da proposta elaborada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). O parlamentar é relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que unifica as propostas da Câmara e do Senado, a PEC 45/2019 e a PEC 101/2019, na comissão especial da reforma tributária.
Na avaliação do deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP), é fundamental o governo se empenhar mais na discussão do tema, para que seja possível acelerar a aprovação da reforma. Ele elogiou o fato de o ministro da Economia, Paulo Guedes, ter tentado manter uma discussão política sobre o assunto, mas opinou que, neste momento, é mais importante conduzir as articulações sob uma visão econômica e jurídica.
“O governo federal tem que entrar sério, para ter certeza de que está fazendo a coisa bem feita. O Brasil tem o risco de ficar criando jabuticabas tributárias, ou de o molho ficar pior do que o peixe. Aí, a gente estraga tudo. Então, é importante ter gente lúcida, que sabe o que está falando. E, onde já teve contencioso tributário, evitar isso com um texto bem limpo e claro”, disse Fonteyne.
Copo cheio
Para o parlamentar, a matéria está “muito mais na mão do governo” do que na do Congresso. Fonteyne não criticou a ideia de se fatiar a reforma tributária, mas disse que a equipe econômica deveria ser transparente nas negociações com o Parlamento. “Temos janela para poder avançar. Acho que tem que ter compromisso do governo, e a gente tem que saber conduzir e orientar bem os deputados. O ministro Guedes, nesse sentido, poderia estar mais firme e contundente, conversando com as lideranças que entendem do assunto tributário para poder convergir, combinar um cronograma e fazer acontecer.”
Barros, por sua vez, defendeu uma proposta de reforma possível, mais simples, por meio do fatiamento. Ele mencionou os dois mantras do governo em relação à reforma: “não aumentar a carga tributária” e “não estourar o teto de gastos”. O parlamentar também rebateu críticas de que o governo não está comprometido com a reforma tributária. “Eu continuo discordando da simplificação do processo de que não acontece (a reforma tributária) porque o governo federal não quer”, argumentou.
O senador Roberto Rocha (PSDB-MA), presidente da Comissão Mista da Reforma Tributária e relator da PEC 110/2019, afirmou que é preciso fazer escolhas, avançar nos pontos onde há consenso e usar a teoria do “copo meio cheio ou do copo meio vazio”. “E acho que devemos começar pelo copo meio cheio, que foi a retomada do diálogo entre os Poderes”, afirmou. “Temos um momento de fazer escolhas. A gente não pode ficar enganchado, por conta desse ou daquele ponto. Se o ponto não tiver possibilidade de avançar, a gente tem que retirar. Um exemplo é o caso dos fundos de investimento, da agência que se propunha a criar, que foi retirado no relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro na comissão mista”, acrescentou.