Uma reforma tributária com alterações nos tributos estaduais e municipais sobre o consumo (ICMS e ISS) foi, por muito tempo, alvo de resistência por parte de unidades da federação e municípios, que temiam uma possível perda de arrecadação. Agora que os estados sinalizam convergência com o tema, resta vencer a preocupação de grandes municípios e o receio do setor de serviços, que teme uma maior tributação.
O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e um dos autores da PEC 45/2019, defendeu que uma reforma ampla tem o poder de beneficiar a todos, pois espera-se um grande crescimento da economia— o que deve resultar em mais arrecadação. “É preciso entender que, com uma reforma que amplia o potencial de crescimento, todos os entes da federação, inclusive os grandes municípios, são beneficiados”, disse o convidado do Correio Talks.
O governo federal, hoje, está focado em unir PIS e Cofins, impostos federais, na criação de uma CBS. Há receio entre especialistas, inclusive Appy, de que os tributos estaduais e municipais sejam deixados para depois. Ele considera que, como o desgaste político é inevitável, o melhor é realizar uma reforma ampla, que englobe os cinco impostos sobre o consumo: PIS, Cofins e IPI, que são federais; e ICMS e ISS, estadual e municipal, respectivamente.
Na avaliação de Appy, uma reforma tributária ampla, que inclua os tributos estaduais e municipais sobre o consumo — considerados os principais gargalos do sistema atual —, pode elevar o PIB brasileiro em 20 pontos percentuais nos próximos 15 anos. O cálculo integra um estudo feito pelo economista-sênior da LCA Consultores, Bráulio Borges, a pedido da CCiF.
O economista também destacou que há grandes distorções no atual sistema tributário, no qual os impostos incidentes sobre bens são maiores do que os cobrados do setor de serviços. “Do ponto de vista de justiça, o modelo atual que tributa menos serviços que mercadorias é injusto, porque quem consome serviços são as pessoas de renda mais alta. Quando você tributa menos serviço do que mercadoria, você está tributando menos o que o rico consome e mais o que o pobre consome. Não é um jeito correto de desenhar o sistema tributário”, pontuou Appy.
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Inconstitucionalidade
Se o governo levar adiante o projeto de reforma tributária do jeito que está, corre o risco de provocar uma enxurrada de ações judiciais. Assim alertou a professora e consultora especializada em IVA/IBS, Melina Rocha, durante o Correio Talks. “Juristas já estão com ações de inconstitucionalidade prontas”, alertou a advogada, dirigindo-se ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
“Se eu fosse o governo federal, ficaria muito preocupada em aprovar a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) tal como ela está proposta agora, porque a probabilidade de litígio e de essa questão chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), por arguição de inconstitucionalidade, é muito alta”, destacou Melina Rocha.
“O governo federal, em diversas oportunidades, vende a ideia de implementar um Imposto de Valor Agregado (IVA) federal, de forma que os estados, no futuro, poderiam se harmonizar. Eu queria deixar claro que não há essa possibilidade de harmonização automática, se nós mantivermos o ICMS”, afirmou. Segundo Rocha, é preciso, primeiro, criar um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ou um IVA subnacional. Só então seria possível fazer a harmonização, a exemplo do que ocorreu no Canadá.
Melina Rocha destacou que, se o governo federal quer um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual (baseado na autonomia tributária dos entes federativos), deve encaminhar o pedido por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e não por meio de Projeto de Lei (PL). Ela afirmou que o sistema tributário é uma das grandes causas do baixo crescimento econômico do país. “Não tenho dúvida de que uma reforma tributária vai ajudar o país a sair dessa crise e vai permitir maior competitividade internacional”, salientou.
A especialista opinou, ainda, que o Brasil não pode deixar passar a oportunidade de aprovar uma reforma ampla, especialmente no atual contexto, em que há diálogo entre o Executivo e o Congresso Nacional.