Entrevista

"Bolsa está descolada do cenário macro", avalia André Carvalho, head do Bradesco BBI

Segundo André Carvalho, há perspectivas reais de melhora do desempenho econômico do país, como apontam as previsões de grande parte das instituições financeiras

Vicente Nunes
Rosana Hessel
postado em 07/06/2021 06:00 / atualizado em 07/06/2021 06:36
 (crédito: Maurino Borges/Divulgação)
(crédito: Maurino Borges/Divulgação)

A recente escalada da Bolsa de Valores de São Paulo (B3) está relacionada com a melhora no lucro das empresas, que vai na contramão da realidade da macroeconomia do país, avalia o head da área de Pesquisas do Bradesco BBI, André Carvalho. Segundo ele, há perspectivas reais de melhora do desempenho econômico do país, como apontam as previsões de grande parte das instituições financeiras, mas também dúvidas sobre se o recente crescimento de 1,2% do PIB no primeiro trimestre, apontado pelo IBGE, não é mais “um voo de galinha”.

Essa dúvida estará na cabeça dos participantes da conferência com investidores internacionais organizada pelo Bradesco BBI, que será realizada em Londres nesta semana. O evento terá a presença, entre outros, do ministro da Economia, Paulo Guedes. De acordo com Carvalho, investidores de longo prazo suspenderam os planos para o país quando o ex-presidente Lula voltou a ser elegível. O capital que está entrando neste momento na Bolsa é de investidores oportunistas, que querem aproveitar os bons preços das ações brasileiras, mas que podem sair a qualquer momento.


A Bolsa tem batido recordes consecutivos, ultrapassou os 130 mil pontos, e, em um único dia de junho, entraram R$ 2 bilhões. O que explica isso?
A Bolsa brasileira está muito barata. As ações vêm sendo negociadas com um prêmio de cerca de 1,5 ponto de desvio-padrão acima da média histórica. Só que a Bolsa estava barata já havia muito tempo. Por que agora resolveu andar? Em primeiro lugar, houve uma melhora na percepção de risco do país. A pandemia continua muito grave, o número de mortes diárias é horroroso, mas o mercado vislumbra uma vacinação em massa chegando em setembro, ou no quarto trimestre. Um segundo aspecto tem a ver com o crescimento do lucro das empresas.

Em 17 de maio, víamos um PIB que não parecia brilhante, mas tinha, dentro dele, um crescimento muito forte de lucro das empresas e um crescimento pequeno de salários. De 17 de maio para cá, veio o dado de PIB maior que o esperado. O consenso estava em torno de 3% e deve caminhar para perto de 5% em 2021. Uma correção de dois pontos percentuais em um curto espaço de tempo só aconteceu uma vez nos últimos 20 anos.

Quando foi isso?
Foi em 2010, quando o ex-presidente Lula estava botando dinheiro à beça na economia para tentar eleger Dilma Rousseff. E, agora, está acontecendo de novo.

As notícias sobre o Brasil lá fora são muito negativas. Tem a questão do combate à pandemia e do aumento do desmatamento. Que investidor está vindo para cá?
A imagem do Brasil na área que eles chamam ESG, de governança, meio ambiente e de aspectos sociais, é negativa. Fora isso, tem as eleições no ano que vem. Quando o ex-presidente Lula foi autorizado a concorrer novamente, cristalizou-se um cenário com um segundo turno entre Lula e Bolsonaro, em um quadro absolutamente incerto para a política econômica. Ali, o investidor estrangeiro de longo prazo, que estava começando a voltar para o Brasil, adiou essa decisão. Hoje, o investidor que entra no país é o mais oportunista. Está aqui para aproveitar os ativos baratos. Se a Bolsa valorizar ao ponto de ele não achar mais o Brasil interessante, ele sai rápido como entrou. Acho que, quando o Ibovespa chegar perto de 140 mil pontos, esse investidor vai começar a reavaliar a posição de risco.

E o que é preciso para que o investidor mais de longo prazo venha?
Uma definição da política econômica do próximo governo, o que vai demorar. Somado a isso, apareceu esse risco de racionamento de energia elétrica. A gente não está pensando em restrição de energia em 2021. Mas, para isso, será preciso termos cerca de 70% da média histórica de chuvas para chegar com os reservatórios do Sudeste em torno de 10% a 15% da capacidade no fim do período seco. E vamos ter que rezar para o próximo período chuvoso ser bom, senão, em janeiro, já vamos estar preocupados com o risco de racionamento.

O crescimento projetado perlo mercado para 2021, em torno de 5%, é sustentável? E, para o ano que vem?
Para mim, será 5%, neste ano, e algo em torno de 3%, no ano que vem. Há espaço para mais revisões para cima, ancoradas na reativação da economia e do mercado de trabalho. E isso entra no contexto da conferência de Londres nesta semana, que estamos organizando. Acho que uma das perguntas dos investidores para as empresas que vão estar nessa conferência é se essa surpresa de crescimento do PIB do primeiro trimestre é para valer, ou se voltaremos ao ritmo baixo dos últimos anos.

O senhor, particularmente, acha que esses investimentos vão se manter?
Acho que sim, e vai vir um elemento novo: o aumento do consumo, que não cresceu nada no primeiro trimestre e teve desempenho pior que o da economia. Isso é natural, porque a inflação saiu de 2% ao ano e disparou. Agora que a inflação está chegando ao pico e tende a diminuir, vai ser o oposto. A grande probabilidade é que, nos próximos 12 meses, haja reativação do consumo.

Mas o custo de vida vai continuar alto devido aos repasses nos preços no atacado e à conta
de luz mais cara. As famílias estão com endividamento recorde e os juros estão subindo. Como elas vão consumir mais?
Excelente pergunta. Mas a gente está no ponto de inflexão para o consumo. O avanço da vacinação reativa o setor de serviços. Além disso, tem a questão da recuperação do salário real, que deve acontecer no segundo semestre.

Dá para ver redução do desemprego? No primeiro trimestre, vimos a economia mais forte, mas também uma taxa de desocupação recorde, de 14,7%. E pessoas estão ficando muito tempo sem conseguir trabalho.
O desemprego é resultado de duas coisas: geração de vagas e procura por trabalho. Quando a geração de emprego está forte, as pessoas voltam a procurar vagas. Ninguém aguenta ficar em casa sem renda. Essa procura vai manter o desemprego em alta até chegar perto de 16% lá para setembro deste ano. A partir daí, começa a virar e, no fim do ano que vem, vai estar muito próximo de 11%.

Essa queda no desemprego vai ter um impacto político grande em 2022?
Sim. Além disso, a inflação vai chegar ao pico de 8,4%, mas vai recuar para 4% no fim de 2022. A queda da inflação ajuda na recomposição dos salários e cria bem-estar para as pessoas.

Mas a inflação deste ano vai estourar o teto da meta, de 5,25%? E qual é a previsão para o ano que vem?
Estamos prevendo 5,8% para o fim deste ano. Para o ano que vem, a meta é 3,5%, e a gente prevê 4%. A inflação se mantém alta por mais tempo do que gostaríamos. Esse é nosso cenário base.

Como está a projeção do banco para a Selic neste ano?
Não achamos que o Banco Central vai fazer ajuste parcial como vem dizendo. Ele vai acabar desistindo dessa estratégia e elevando a Selic sem parar até 7%, em março de 2022.

O que os investidores querem do Brasil, na sua opinião?
Crescimento econômico é a melhor política possível, porque reduz o risco macro e aumenta o lucro das empresas.

O senhor diz que o país cresce mesmo sem reformas, mesmo com o risco de racionamento.
Isso quer dizer que o Brasil é um fenômeno?
É. Mas a dúvida que fica é se é sustentável esse crescimento. E é isso que os investidores vão querer saber: se é ou não mais um voo de galinha. Mas há uma perspectiva de crescimento realmente melhor. A gente promove nesta semana conversa com as empresas e com Paulo Guedes e Arthur Lira. Não vai dar para escapar de assuntos macros, como as reformas.

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