O governo federal e o Congresso chegaram a um consenso sobre a tramitação da reforma tributária, e a proposta será fatiada, para que comece a tramitar pelos pontos nos quais há consenso. Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, a reforma pode ser concluída “dentro de cinco meses”, previsão que está em linha com o que disse o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em fevereiro, logo após vencer as eleições da Casa.
Segundo fontes dentro do Ministério da Economia, as divergências estão resolvidas e as discussões para a tramitação da reforma estão “maduras”. Não existe, segundo as fontes, uma resistência do ministro Paulo Guedes, sobre a forma de tramitação da proposta. Ele não aceita, no entanto, que a reforma resulte em aumento da carga tributária.
A ideia do ministro é fazer uma reforma ampla, mas de forma rápida — algo que se encaixa perfeitamente com “fazer uma reforma possível”, expressão que virou uma espécie de mantra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), principal aliado do governo no Congresso. Contando agora com o apoio de Rodrigo Pacheco, o governo quer iniciar a tramitação da reforma pela Câmara, onde está o projeto que cria a Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS), enviado ao Congresso pelo ministro Paulo Guedes, no ano passado (PL nº 3.887/2020).
Esse novo imposto une PIS e Cofins, ambos tributos federais. Na Câmara, também tramitarão as alterações no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e no Imposto de Renda. Nesta etapa, seria discutido o aumento da faixa de isenção do IR, redução de impostos para empresas e a tributação dos dividendos. Diferentemente do que foi prometido na campanha, a isenção do Imposto de Renda para aqueles que ganham até R$ 5 mil parece um sonho distante. Agora que a possibilidade de uma nova CPMF foi deixada de lado, o Ministério trabalha com uma faixa de isenção próxima aos R$ 3 mil, o que já deve contemplar, segundo interlocutores, milhões de contribuintes.
Resistências
A discussão sobre a nova CPMF, que seria um imposto sobre transações digitais, encontrou grande resistência fora do governo e dentro dele também. Por isso, Guedes não insistirá na proposta e o ministério não tomará, segundo interlocutores, a iniciativa de brigar pelo imposto. Esse é um dos motivos para que a alteração na faixa de isenção do IR tenha ficado menos ambiciosa.
Antes do acordo, o projeto que tramitava na Câmara era a PEC nº 45/2019, idealizada pelo economista Bernard Appy, que hoje ocupa a diretoria do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Esse texto prevê a substituição de cinco tributos atuais: PIS, Cofins, IPI — que são federais; ICMS, que é estadual; e o municipal ISS. Eles dariam lugar ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Já o Senado fica responsável pela criação de um passaporte tributário, que funcionará de modo parecido ao Refis e ajudará empresas a deixar seus problemas fiscais para trás e entrar no novo sistema tributário. A Casa também fica com a tramitação da PEC nº 110, relatada pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA). Esta etapa deve englobar as demais pendências, como, por exemplo, a tributação estadual e municipal (ICMS e ISS).
Aumento da carga
Este último é o mais polêmico, uma vez que municípios temem perder arrecadação e desejam manter o imposto da maneira como está. Diante do acordo firmado entre governo e Congresso, o economista Bernard Appy disse ao que não descarta a possibilidade de um aumento da carga tributária, mas tudo depende, segundo ele, do que vai ser aprovado. Ele discorda da estratégia de priorizar a simplificação de tributos federais, porque entende que o grande problema da tributação no Brasil está nos impostos de consumo de estados e municípios.
“O que o governo está propondo é só a parte dos tributos federais, de forma a fazer um imposto seletivo, sobre bens e serviços. Desse ponto de vista, a gente acha ruim, porque o grosso dos problemas está no ICMS e no ISS”, argumenta. “Como o custo político de fazer uma reforma ampla é o mesmo de uma fatiada, a gente prefere uma ampla”, completa Bernard Appy.
Ele afirma que uma reforma ampla é capaz de beneficiar todos os setores da sociedade, uma vez que a situação econômica do país pode melhorar significativamente, com lucros maiores de empresas, maiores salários e, consequentemente, maior poder de compra — o que resulta em mais arrecadação para o governo. “Não é uma coisa que as pessoas percebem rápido. Isso viria por meio de toda a reforma do consumo. PIS e Cofins são uma parte pequena na história”.
O deputado Alexis Fonteyne, vice-líder do Novo na Câmara e ex-integrante da Comissão Mista de Reforma Tributária, vê o fatiamento da proposta como “cosmética”. Ele acredita que as discussões envolvendo governo e Congresso não atacam os principais problemas da tributação, que “hoje estão focalizados nos cinco tributos de consumo”.
“Eu entendo que Guedes tem relações fortes com varejo e comércio, e que eles não querem uma reforma tributária que seja profunda, eles querem CPMF, substituição tributária. Não cabe isso no Brasil. Temos que fazer uma reforma de gente grande, deixar o sistema tributário no padrão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que engloba países desenvolvidos, não essa jabuticaba de dois pinos”, afirma.
Fonteyne também diz que o atual sistema tributário gera desemprego e desigualdade. “Há uma carga muito maior no consumo do pobre do que no do rico. Se queremos resolver realmente o problema da regressividade, precisamos parar o desemprego e equilibrar a tributação entre bens e serviços. Nós não temos que fazer o que é possível, temos que fazer o que é melhor”, diz, em referência ao discurso de Lira, de que o país precisa fazer a reforma “possível”.
O advogado tributarista Douglas Oliveira, sócio do escritório Oliveira, Vale, Securato & Abdul Ahad, também destaca que a reforma precisa resolver os problemas do ICMS e do ISS. “O ICMS tem uma alíquota que cada estado define. E quando uma mercadoria circula entre os estados, isso gera uma série de discussões sobre qual seria o tributo a ser pago. Nós precisamos simplificar”.
Ele revela preocupação com o fatiamento da proposta, pois entende que, se o projeto que cria a CBS for aprovado, as outras partes da reforma podem não ter o mesmo empenho do governo federal. “Por não ser PEC, é um projeto mais fácil de tramitar e ser votado. Se você vota isso, que parece ser o mais relevante para o governo, as demais pautas podem ser esquecidas”, alerta Oliveira.
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