ALERTA

Risco de apagão volta a assombrar o Brasil por falta de chuvas e investimentos

Estiagem se agrava, e governo emite alerta de emergência hídrica para cinco estados, que concentram a maior parte da geração hidrelétrica do Brasil. Para especialistas, além da escassez de chuvas, falta de investimentos no setor preocupa

A falta de chuvas e de investimentos em energia levará cinco estados brasileiros a risco iminente de apagão. O alerta vem sendo feito por especialistas desde o mês passado. Ontem, porém, o perigo de a população ficar sem energia elétrica ficou mais evidente. O Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu um comunicado de emergência hídrica a órgãos de meteorologia federais e ao Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), deixando claro que a situação é crítica em Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná — e essa condição vai se estender de julho a setembro de 2021. Esse é o primeiro alerta desse tipo em 111 anos.

“As perspectivas climáticas para 2021/2022 indicam que a maior parte da região central do país, a partir de maio até final de setembro, entra em seu período com menor volume de chuvas (estação seca). A previsão climática elaborada conjuntamente pelo Inpe, Inmet e Funceme indica para o período Junho-Julho-Agosto/2021 a mesma tendência, ou seja, pouco volume de chuva na maior parte da bacia do Rio Paraná”, afirma o documento do SNM. Os reservatórios do subsistema Sudeste/ Centro-Oeste, responsável pela geração da maior parte da energia do país, têm a situação mais preocupante, começando o período de seca com apenas 32,30% da capacidade de geração de energia. No Sul, o nível dos reservatórios está em 55,49%; no Nordeste, em 63,95%; e no Norte, em 84,41%.

A crise poderia ser minimizada com investimentos em infraestrutura energética, em fontes alternativas, sustentáveis e renováveis, como a eólica, solar e o bicombustível, segundo especialistas. Dados da Resenha Mensal do Mercado de Energia Elétrica, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), apontam que o consumo de energia elétrica no Brasil foi de 474.231 GWh em 2020. O volume do ano passado correspondeu a uma queda de 1,6% na comparação com 2019. Com mais pessoas em casa em razão da pandemia, o consumo residencial cresceu 4,1%, para 148.223 GWh. Foi o único segmento que registrou crescimento em 2020.

A situação pode se tornar crítica, no entanto, se forem confirmadas as previsões de crescimento econômico este ano, situação em que o consumo industrial, por exemplo, deve crescer. Segundo o estudo do EPE, os investimentos necessários em infraestrutura energética para suportar o crescimento do consumo no país até 2029 devem ser da ordem de R$ 2,3 trilhões: 77,4%, desse montante, para o setor de petróleo e gás; 19,6% para geração e transmissão de energia elétrica; e 3% para a oferta de biocombustíveis. Mas, segundo o Ministério das Minas e Energia (MME), os investimentos totais em transmissão devem bater R$ 103,7 bilhões, na década, sendo R$ 73,6 bilhões em linhas de transmissão e R$ 30,1 bilhões em subestações. Para evitar racionamento, o governo pode lançar mão das termelétricas, mas o custo é muito maior e vai ter impactos no bolso do consumidor.

Inflação
“A partir de agora, com a bandeira vermelha e alta no custo de energia, aumenta a pressão na produção das empresas. Assim, além da inflação dos alimentos e combustíveis, vai haver uma despesa maior se for preciso recorrer às termelétricas, mais caras, porque dependem do óleo diesel. Esse cenário vai afetar os índices de inflação”, afirmou o economista Cesar Bergo, sócio-consultor da Corretora OpenInvest. Ele calcula que, no final, a fatura vai cair no colo do consumidor residencial, que vai ter que desembolsar mais 20% do orçamento com a conta de luz.

“Na prática, como funciona esse aumento? Imaginemos que o consumidor gasta R$ 42,00 por mês. Se continuar consumindo a mesma quantidade de KWh, com a bandeira vermelha a R$ 7,50, 100 a 200 KWh consumido, vai passar a pagar R$ 49,50”, disse Bergo. Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa, por outro lado, entende que o alerta do CNM pouco deverá afetar os preços imediatamente. “Mas, para 2022, a situação é marginalmente mais grave, uma vez que entramos no período seco em nível muito baixo e a eventual reversão dependerá de um grande regime de chuvas no período compreendido entre janeiro e março”, destaca.

O pior cenário, no momento, na análise de Sanchez, é o risco de racionamento energético, principalmente se houver, como se espera, crescimento econômico. “Não se trata de algo iminente, mas o risco se elevou muito em decorrência do baixo nível dos reservatórios no sistema CO-SE. Evidentemente que existe a salvaguarda de todas as usinas térmicas do sistema, além de avaliarmos que a demanda não deverá ser explosiva. Contudo, um crescimento muito pujante do PIB, este ano, vai acelerar o risco de racionamento”, reforça o economista-chefe da Ativa.

*Estagiária sob supervisão
de Odail Figueiredo

Não se trata de algo iminente, mas o risco se elevou muito em decorrência do baixo nível dos reservatórios. Existe a salvaguarda das usinas térmicas. Contudo, um crescimento muito pujante do PIB acelerará o risco de racionamento”

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos

Governo quer contratar usinas

Com a situação crítica dos principais reservatórios de usinas hidrelétricas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) editou ontem um decreto que regulamenta a realização de leilões para contratar usinas, aumentar a segurança do sistema elétrico brasileiro e evitar o desabastecimento de energia.

Os leilões para aquisição de reserva de capacidade na forma de potência é uma forma de contratação de usinas que ficarão disponíveis para atender a demanda de energia do Sistema Interligado Nacional (SIN), sempre que houver necessidade. Esse tipo de certame foi autorizado recentemente por meio da Medida Provisória nº 998, editada no ano passado, e ainda não foi realizado no país.

Caberá ao Ministério de Minas e Energia, subsidiado por estudos técnicos, definir o montante a ser contratado, via leilão promovido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os custos para contratação dessas usinas serão rateados entre todos os consumidores finais do sistema interligado, por meio de um novo encargo na conta de luz, chamado Encargo de Potência para Reserva de Capacidade, e será proporcional ao consumo.

De acordo com a Secretaria-Geral da Presidência, a realização dos leilões vai permitir que eventuais oscilações na demanda em razão de algum aumento no consumo, ou flutuações na oferta devido à redução de geração em algumas usinas possam ser supridas sem que haja interrupção no fornecimento de energia. “Em última análise, a contratação dessa reserva de capacidade torna o sistema mais seguro e estável”, diz nota emitida pela secretaria.

“A garantia de suprimento de potência passa a ser cada vez mais relevante com as recentes alterações na matriz energética brasileira, que deixou de ser formada estritamente por hidrelétricas com reservatórios e termelétricas, passando a contar com relevante participação de fontes de geração variáveis e não controláveis (usinas eólicas, solares e hidrelétricas a fio d’água, ou seja, sem reservatórios)”, informou o governo.

O argumento é de que essas fontes não possuem capacidade de controlar sua geração a cada momento, pois dependem de fatores naturais, como o vento e o sol, para atender as diferentes necessidades do sistema elétrico.

Falha em linha de transmissão de Belo Monte

Dois desligamentos na linha de transmissão Xingu/Estreito, que escoa a energia da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, uma das maiores do país, deixaram algumas regiões sem luz por cerca de 20 minutos no fim da manhã de ontem. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) às 11h06 houve o primeiro desligamento, do Polo 1, e às 11h26, do Polo 2 do mesmo sistema.

“O ONS reitera que, assim que identificou o problema, atuou para restabelecer o mais rápido possível o fornecimento de energia. O ONS avaliará as causas da ocorrência junto aos agentes envolvidos”, informou o órgão, em nota.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pediu explicações à Belo Monte Transmissora de Energia sobre a ocorrência. A empresa não é responsável pela geração da usina. Segundo a agência, a primeira ocorrência, às 11h06, na linha de alta tensão entre Pará e Minas Gerais, teria causado sobrecarga em outros polos do sistema de transmissão associado à usina, “sem maiores consequências para o Sistema Interligado”.

A Aneel informou ainda que, às 11h26, houve um segundo desligamento na linha, e a interrupção de seis unidades geradoras da usina de Belo Monte, o que causou o corte de carga.

Bandeira vermelha em junho

Depois do alerta de emergência hídrica emitido pelo governo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) divulgou que a bandeira tarifária a ser aplicada nas contas de luz, em junho, será vermelha, no patamar 2. Isso acarreta para os consumidores um custo adicional de R$6,243 para cada 100 KWh consumidos.

O presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), Mário Menel, explicou que as bandeiras tarifárias são uma sinalização de que o custo da energia está maior e, com isso, se pretende que os consumidores economizem energia.

Maio foi o primeiro mês da estação seca nas principais bacias hidrográficas do Sistema Interligado Nacional (SIN), registrando condições hidrológicas desfavoráveis. Junho começa com os principais reservatórios do SIN em níveis mais baixos para essa época do ano, o que aponta para um horizonte com reduzida geração hidrelétrica e aumento da produção termelétrica.

O sistema de bandeiras — verde, amarela e vermelha —foi criado depois da crise hídrica de 2014. “A energia hidrelétrica é responsável pela geração de 60% da energia brasileira, por isso, é necessário levar em consideração os alertas das autoridades”. acrescentou Menel. (VB e GC)