O consumo de alho cresceu 20% no Brasil durante o ano passado, segundo estimativa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Hortaliças, e atingiu 36 milhões de caixas de 10 quilos. A cultura já vinha se expandindo no país com lavouras que, em seis anos, saíram de de 9.500 para 14 mil hectares e o avanço da produtividade também foi expressivo, de nove para 15 toneladas por hectare nesse período. Esse desempenho admirável, sobretudo em época de pandemia, parece ter despertado cobiça e balançou a concorrência. Importadores reclamam de falta fiscalização do alho nacional, e acusam a comercialização do alimento sem certificação e classificação. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) contesta.
O produto de origem chinesa responde por cerca de 53% da oferta no mercado brasileiro. De acordo com a Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Alimentos (AbraFood), o alho importado é submetido a processo rígido de controle e certificação, diferentemente do concorente nacional. “São dois pesos e duas medidas”, denuncia institutição.
“Para desembarcar o alho no país as empresas importadoras do alimento precisam, necessariamente, apresentar todos os certificados sanitários. Infelizmente para o consumidor, os produtores nacionais não acionam o Ministério e não há como ter controle sob os processos pelos quais passa o alho produzido no país”, afirma a presidente da AbraFood, Nara Zavarelli.
Os contêineres carregados com o produto só podem sair do porto ou passar por qualquer fronteira, desde que cumpram exigências do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) incluindo uma série de documentos, como certificado de origem, de classificação e análise de amostras. Nara Zavarelli destaca, ainda, que é preciso declarar que a carga não carrega nenhum tipo de praga.
Procurado pelo Estado de Minas, o Ministério da Agricultura contestou a denúncia feita pela associação de importadores. “O rigor e foco da fiscalização, tanto no produto importado quanto no produto nacional, ocorre via de gerenciamento de risco sob os mesmo critérios e procedimentos. Portanto, tal acusação não prospera”, argumentou. De acordo com a pasta, o Brasil segue princípio básico do Acordo Internacional sobre Tarifas e Comércio (GATT), contemplado na estrutura da Organização Mundial do Comércio (OMC). A regra implica padrão mínimo de qualidade e segurança alimentar exigidos de produtos nacionais e importados para comercialização no país.
O ministério esclareceu que a Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) não certifica ou emite documento a respeito da qualidade de qualquer produto vegetal. “A total responsabilidade de cumprimento de parâmetros classificação, rotulagem, identidade, qualidade e segurança alimentar de qualquer produto é de quem o produz, embala, beneficia, importa ou comercializa. À SDA compete a regulamentação, fiscalização e monitoramento do cumprimento dos parâmetros estabelecidos em lei específica”, diz a pasta.
O alho nacional também é comercializado mediante comprovação da rastreabilidade do produto, por meio de apresentação de amostras aos laboratórios para garantir o cumprimento à legislação que define Limite Máxino de Resíduos (LMR) e os fornecedores necessitam da emissão de certificado de classificação.
"O que acontece hoje, é que embora seja obrigatório o certificado de classificação isso não tem sido exigido pelos supermercadistas e atacadistas na compra. E realmente não existe uma fiscalização em cima destes produtos”, afirma a presidente da AbraFood. Ela reclama que os supermercados não poderiam comercializar esse tipo de produto sem a certificação. “O certificado de classificação é a garantia de que o consumidor está levando pra casa o produto que é anunciado”, destaca Nara Zavarelli.
Competição
Francisco Vilela Resende, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa especializado na cultura do alho, rebate as informações dos importadores. Ele diz que há disputa acirrado pelo consumo no Brasil. “A nossa realidade é que o Brasil tem produzido quase 50% do consumo nacional, e o restante é importado de outros países como China e Argentina.”
A importação do alho chinês, explica o engenheiro, sofre tarifa antidumping, prática comercial que consiste em uma ou mais empresas de um país venderem seus produtos, mercadorias ou serviços por preços extraordinariamente abaixo de seu valor justo para outro país. É uma forma de equilibrar a competição entre os preços do mercado nacional e importado.
Vilela diz que a Associação Nacional dos Produtores de Alho (Anapa) tem atuado no sentido de evitar que “importadores driblem essa legislação”, usando artifícios judiciais, como liminares, ou operações de triangulação, quando o alho importado passa pelo Uruguai e a Argentina antes de chegar ao Brasil, uma vez que comercialização entre países membros do Mercosul é isenta de tarifas.
Práticas
Sobre a fiscalização do Ministério de Agricultura, Vilela diz que a pasta vem desenvolvendo um programa de rastreamento a ser implantado em breve, de cuja elaboração ele participou. “E chega em momento de boa safra”, afirma. O pesquisador diz que a dificuldade de o consumidor identificar a origem e o destino do alho cultivado se dá apenas em relação ao produto vendido a granel nas gôndolas dos supermercados.
Segundo Giniane Lopes, representante da empresa Rastreagro, que atende aproximadamente 68% dos produtores de alho em todo o Brasil, existe a preocupação em se aplicar as boas práticas agrícolas, disponibilizando ao consumidor final alimento de qualidade e segurança.
A classificação do alho é feita com base no diâmetro da cabeça da planta. A medição varia do mínimo de 3 pontos, para diâmetros entre 3,5 e 4 cm, ao máximo de pontuação 7, para cabeças entre 5 e 6 cm de diâmetro. São os padrões admitidos no Brasil para comercialização. Há outras informações também necessárias, a exemplo da coloração do bulbo. Toda propriedade tem um classificador e o produto chega embalado aos distribuidores com esses dados.
Vilela explica que o alho a granel é classificado na origem. O produtor tem que fazer classificação do produto que sai da propriedade embalado. “O que pode ocorrer é chegar ao supermercado em caixa de alho de classificações 3 e 5 e alguém misturar numa gôndola.” Segundo o pesquisador, o consumidor não tem as informações necessárias para distinguir se o alho é nacional ou importado. “Ainda não há muita preocupação em prestar essas informações, mas existem várias campanhas para que elas cheguem a todos”, afirmam.
Avanço tecnológico puxa a produtividade
Tecnologia para a produção do alho livre de vírus – principal fonte de doença que ataca a cultutra –, antes voltada para os pequenas áreas de cultivo, vem sendo adotada gradativamente por grandes produtores, também interessados em reduzir o custo do chamado alho semente. “O vírus precisa de processo biotecnológico, um processo de micro propagação invitro, em laboratório, tecnologia cara. Além de laboratório de virologia, que certificará que o produto está livre de vírus. Só então fica disponível ao produtor”, explica Francisco Vilela, coordenador do programa de alho livre de vírus na Embrapa Hortaliças.
O pesquisador reconhece tratar-se ainda de um produto caro. Os agricultores pagam de R$ 0,60 a R$ 0,70 por dente livre de vírus. Se quiser toda a lavoura com alho livre, numa pequena propriedade, seriam 400 mil dentes por hectare. Por outro lado, a tecnologia aumenta a produtividade em pelo menos 30%.
A Embrapa tem trabalhado para levar essa tecnologia a pequenos produtores. Ela também chega a grandes produtores em São Gotardo, Rio Paranaiba e Santa Juliana, no Alto Paranaíba, com cultivo espalhado por 300 hectares. Há parcerias com associações de pequenos agricultores em cidades como Capim Branco, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Gouvea, no Vale do Jequitinhonha, Francisco Sá e Mamonas, no Norte de Minas; Ouro Branco e Bom Jesus do Amparo, na região central de Minas. “Mas isso vem acontecendo também na Bahia, Goiás e estados do sul, provocando grande impacto na cultura do alho.”
O cultivo avançou também no cultivo, com mais mecanização, modernização de sistemas de irrigação, melhoria da nutrição e manejo fitossanitário. A Embrapa prevê entregar pelo menos uma cultivar livre de vírus nos próximos cinco anos.