Nesta quarta-feira (19/05), a Câmara dos Deputados aprovou a MP 1031/202, que trata da privatização da Eletrobras. Após mais de oito horas de tentativas da oposição em tentar derrubar a matéria da pauta, o governo conseguiu avançar com a proposta.
O relatório apresentado pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) na tarde de ontem sofreu uma modificação após a leitura. A subemenda substitutiva teve 313 votos a favor e 166 contra, às 22h09. Houve cinco abstenções. Neste momento, os parlamentares seguem votando os destaques.
As tentativas da oposição de barrar a proposta foram frustradas ao longo da sessão iniciada às 13h55. Houve um requerimento para a retirada da matéria da pauta e para o adiamento da votação por uma sessão, mas todos foram derrotados pela maioria. Durante o debate, parlamentares criticaram o atropelo na tramitação da proposta de privatização por meio de uma MP, sem discussão ampla junto à sociedade por meio de uma comissão especial.
Até mesmo líderes de partidos favoráveis à privatização, como o Novo e o MDB, apoiaram um debate mais amplo e a manutenção do texto original da MP, e não o apresentado pelo relator. O consenso entre os críticos à proposta era que, do jeito que o texto estava, haveria aumento do custo da energia para o consumidor. Mas as críticas não impediram a proposta de avançar.
Partidos de oposição ao governo, inclusive, ingressaram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a tramitação da MP. O mandado com pedido de liminar destaca que a matéria não passou por comissão especial mesmo já havendo condições na Câmara para isso. O caso foi encaminhado para o ministro Luís Roberto Barroso, mas não houve manifestação até a votação.
A Eletrobras, estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia, responde por 30% da energia gerada no país. A MP que trata da privatização da companhia recebeu nada menos do que 570 emendas e, de acordo com especialistas, há vários jabutis — emendas que não estão relacionadas ao objeto principal da matéria — que ajudam a aumentar o custo da energia, apesar do discurso da base governista.
Críticas aos jabutis
Após a leitura do relatório, que recebeu críticas até de aliados por incluir a obrigatoriedade prévia de contratação de usinas a gás e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) pela União das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, Nascimento fez uma alteração no parecer, retirando o termo “contratação prévia”. Mas manteve a condicionante do contrato no texto.
Essa obrigatoriedade é considerada um dos pontos mais críticos da MP, porque vai encarecer a tarifa para o consumidor e é vista como um jabuti da MP, por não ter relação à essência da matéria. Analistas e parlamentares destacaram que as térmicas a gás precisam ser construídas nos estados onde não há suprimento de gás e essa proposta já foi rejeitada na nova lei do gás, aprovada recentemente pelo Congresso.
Procurado, Nascimento negou o aumento no custo da energia por conta dessa medida. “Vamos substituir térmicas a óleo diesel que custam R$ 1.500 por MegaWatts/hora (MWh) por térmicas a gás que custam R$ 300 por MWh , ou seja, cinco vezes mais barata”, disse o parlamentar, em entrevista ao Correio.
O texto do relator condiciona a contratação pelo poder concedente de 6.000 MegaWatts (MW) de termelétricas a gás e de, pelo menos, 2.000 MW de PCHs, ambas nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. Nascimento também manteve a renovação dos contratos das usinas contratadas no âmbito do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), criado em 2002, para viabilizar usinas de fontes renováveis a preços elevados, numa época em que a tecnologia ainda era cara.
De acordo com o presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, os novos cálculos da entidade sobre o impacto das mudanças na MP original indicam que a conta de luz poderá ficar mais cara em 10%, para o consumidor residencial, e em 20%, para os grandes compradores de energia. Além disso, “o custo anual da privatização da Eletrobras para o consumidor será de R$ 20 bilhões por ano”.
Esse encarecimento é decorrente, principalmente, da obrigatoriedade da contratação de térmicas a gás e de PCHs, “volume praticamente o equivalente ao aumento anual da capacidade energética do país”, observa Pedrosa. “A proposta obriga a contratação de uma energia mais cara do que a que poderia ser comprada no mercado livre por meio das eólicas, por exemplo. Isso será mais uma maldade para com o consumidor. Isso não é um modelo de competição, mas de reserva de mercado e de cota”, afirma o especialista.
Maior custo da energia
Ele reforça que o custo da energia vai aumentar com essa proposta, apesar de o relator propor a modicidade tarifária por meio do encargo setorial Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Segundo Pedrosa, o impacto será de uma redução de apenas 0,5% na conta do consumidor.
Nos últimos leilões, de acordo com o presidente da Abrace, o custo para a contratação de usinas eólicas e solares acabou sendo um terço do custo previsto para as termelétricas a gás, abaixo de R$ 100 MWh. Ele ainda adicionou que os produtos que consomem muita energia no processo produtivo também ficarão mais caros para o brasileiro, como o vidro, o leite, a carne congelada, o aço e o cimento.
O relator alegou acatar emendas da oposição para beneficiar os trabalhadores e as PCHs, mas foi criticado pelos parlamentares adversários do governo. "Não dá para fugir do debate e afirmar se está defendendo ou não o trabalhador. O que se trata é que somos contra qualquer texto, porque os textos são ruins e atendem ao interesse privado e não público”, criticou o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), líder da minoria.
O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição, reforçou o problema do aumento do custo para o consumidor e para as empresas e alertou para o risco de desindustrialização. "Qual é o sentido de obrigar a contratação de térmicas e a construção de gasoduto? Quem ganha com isso? Não é o Brasil e não é a economia”, questionou.
Modelo de capitalização
O modelo de privatização da Eletrobras é de capitalização, ou seja, aumento de venda de ações, limitadas a 10% por acionista. A União não poderá participar da operação e terá uma redução da sua fatia de 61% para 45%, com direito à golden share — ação de classe especial que garante poder de veto nas decisões do conselho da companhia. O governo prevê arrecadar R$ 100 bilhões com a operação.
A privatização ainda prevê a renovação de contratos de concessão por 30 anos e a criação de uma nova estatal para administrar a subsidiárias que continuarão sob o controle da União: a Eletronuclear, controladora das usinas de Angra dos Reis (RJ), e a Itaipu Binacional e o relator prevê que 25% do lucro dessa nova empresa seja destinado para programas sociais. Os outros 75% para a CDE.
Durante a leitura do parecer de 49 páginas, Nascimento disse que 90% das emendas acatadas por ele foram da oposição. Ele destacou que considerou “conveniente e oportuna a matéria, uma vez que permitirá a reestruturação da Eletrobras como empresa forte atuando no setor de energia”, apesar de reconhecer que a gestão recente da companhia melhorou o desempenho financeiro da estatal.
Esta é a terceira tentativa do governo de privatizar a Eletrobras nos últimos quatro anos. A primeira, em janeiro de 2018, ocorreu por meio do projeto de lei (PL) 9.463/2018, que chegou a ser discutido em comissão especial, mas não foi votada. A segunda, por meio do PL 5.877/2019, que também foi engavetado.
Durante a apresentação do relatório, Nascimento destacou que incluiu na MP autorização para que o Poder Executivo incorpore a Indústrias Nucleares do Brasil na empresa pública ou sociedade de economia mista que poderá ser criada após a desestatização da Eletrobras para gerir as empresas Itaipu e Eletronuclear.
O parlamentar ainda propôs a inclusão de dispositivo que confere tratamento ao uso de faixas de servidão de linhas de transmissão, “viabilizando a priorização de recursos do programa Casa Verde e Amarela para o remanejamento de famílias instaladas nessas áreas, cuja ocupação ocorre em condições de elevada periculosidade”. (Colaborou Israel Medeiros)