Um grupo de especialistas ligado ao Ministério da Saúde divulgou um parecer inicial, publicado ontem, no Diário Oficial da União (DOU), com orientações contra o uso das substâncias cloroquina, azitromicina e ivermectina, além de outros medicamentos sem eficácia no tratamento da covid-19 em pacientes hospitalizados por causa da doença. A avaliação faz parte do projeto de elaboração de um protocolo único de atendimento a doentes nos hospitais, chamado de “Diretrizes Brasileiras para Tratamento Hospitalar do Paciente com Covid-19”, que trata, ainda, da intubação, do fornecimento de oxigênio e de outros cuidados para pacientes infectados.
O texto está sendo analisado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), que, inicialmente, deu parecer contrário ao uso dos medicamentos que vêm sendo prescritos pelo presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores contra a covid-19. Mas uma nova reunião será realizada depois de uma consulta pública e, se aprovado desaconselhando o uso da cloroquina, da ivermectiva e da azitromicina, se tornará a posição oficial do governo sobre o tema.
“Alguns medicamentos foram testados e não mostraram benefícios clínicos na população de pacientes hospitalizados, não devendo ser utilizados, sendo eles: hidroxicloroquina ou cloroquina, azitromicina, lopinavir/ritonavir, colchicina e plasma convalescente. A ivermectina e a associação de casirivimabe + imdevimab não possuem evidência que justifiquem seu uso em pacientes hospitalizados, não devendo ser utilizados nessa população”, diz o documento elaborado pelo grupo de especialistas.
Tendência
O parecer ainda alerta que “durante epidemias, quando não há tratamentos clínicos com efetividade consolidada, há tendência ao uso de medicamentos baseado em resultados de estudos pré-clínicos, ou tendo por base estudos observacionais com limitações importantes”. O documento, porém, concentra-se apenas no uso hospitalar desses medicamentos, o que representa que o chamado “tratamento precoce” não estaria inserido — porém, a posição do Ministério da Saúde para a prescrição desses medicamentos indicaria que sua utilização também é desestimulada como Bolsonaro e seus seguidores sugerem.
A insistência na prescrição desses medicamentos levou à saída dos ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, conforme salientaram em depoimento na CPI da Covid, no Senado. Na sequência de oitivas, o atual ministro, Marcelo Queiroga, evitou se manifestar contrariamente às substâncias, afirmando que seria dele a aprovação do parecer da Conitec.
Já o também ex-ministro da pasta Eduardo Pazuello mudou o protocolo da Saúde para permitir a prescrição de cloroquina para pacientes com sintomas leves da covid-19 — inclusive, permitiu o lançamento um aplicativo, o TrateCOV, que indicava o medicamento até mesmo para bebês. A plataforma foi retirada do ar uma série de críticas.
*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi
Manaus: P.1 reinfectou 31%
A variante P.1, mais transmissível e poderosa do que as cepas que circularam na primeira onda da covid-19, é responsável por 31% das reinfecções da doença que ocorreram em Manaus, desde janeiro deste ano. É o que indica uma nova pesquisa de amostragem realizada por cientistas do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (Cadde) e publicada como pré-print — ou seja, ainda sem revisão de pares.
“A principal conclusão do trabalho é que reinfecções pela P.1 não são raras. Essa conclusão deve valer para o país todo, já que a variante tem alta prevalência na maior parte dos estados”, afirmou ao Correio o primeiro autor do artigo, o doutorando da Universidade de São Paulo (USP) Carlos Prete.
Ele estima que a proporção de reinfecções pode variar entre os estados, a depender de quanto tempo se passou desde que a pessoa adoeceu pela primeira vez. “Em Manaus, a P.1 chegou oito meses após o primeiro pico. Espera-se que a proporção de reinfecções seja um pouco menor em locais com pico mais recente, como São Paulo. Mas, ainda assim, deve ser considerável”, explicou.
A reinfecção, por si só, não é a responsável pela segunda onda mais agressiva que o país vem enfrentando nos últimos meses. Segundo Prete, o caos também se deu pela “maior transmissibilidade e maior letalidade da P.1, que se amplificou devido às festas de fim de ano e do carnaval”, disse, alertando para as consequências de novas variantes que, sem controle de distanciamento social e transmissibilidade, podem gerar novas ondas de reinfecções.
O Amazonas flexibilizou, ontem, por meio de um novo decreto, as medidas de restrição do estado. A visitação aos pontos turísticos está aberta, e os horários de funcionamento de shoppings e restaurantes foram ampliados. Também começam as aulas presenciais, hoje, na rede estadual, mas o toque de recolher continua valendo.
Remessas de IFA devem ser destravadas
O Instituto Butantan deve receber, no próximo dia 26, uma nova remessa de insumo farmacêutico ativo (IFA) para a retomada da produção da CoronaVac, cuja linha de fabricação parou na sexta-feira passada. A previsão é de que um lote com 4 mil litros de matéria-prima desembarque no Brasil, suficientes para produzir 7 milhões de doses do imunizante que vem sendo a espinha dorsal da vacinação contra a covid-19 no país.
Já a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) anunciou que também deve receber, na próxima sexta-feira, dois lotes de IFA retidos na China — a previsão era de que uma parte chegaria no dia 22 e outra, no dia 29. A quantidade será suficiente para a fabricação de 12 milhões de vacinas contra a covid-19, cuja linha de produção vai parar na quinta-feira por falta de IFA.
Segundo o governador de São Paulo, João Doria, em relação à CoronaVac o insumo que está para chegar é só parte daquilo que está na China. Conforme disse, um lote com 10 mil litros de matéria-prima estava pronto para ser enviado ao Brasil, na semana passada, que seria suficiente para produzir 18 milhões de doses. Ele mais uma vez atribuiu às declarações “desastrosas” do presidente Jair Bolsonaro.
Em outra frente para tentar aparar as arestas com o governo de Pequim, governadores e o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, se reúnem nesta quinta-feira para discutir o cronograma de entrega de IFA para o Butantan e a Fiocruz. Segundo o coordenador para a vacina no Fórum Nacional de Governadores, o governador Wellington Dias (PI), a ideia é, mais uma vez, a de reforçar que os executivos estaduais e o governo federal não estão alinhados nesta pandemia. Em nota, ele destacou que querem reafirmar o respeito ao povo chinês e à China, “bem como a gratidão pelo fornecimento de vacinas ao Brasil”. Ele vinha tentando a reunião com o diplomata há mais de 10 dias. (Com Gabriela Bernardes)
Anvisa nega falha no envase da CoronaVac
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afastou a hipótese de falha técnica no envase de frascos da vacina CoronaVac. Comunicado divulgado ontem a nuncia os resultados de uma investigação sobre possíveis reduções de doses do imunizante produzido pelo Instituto Butantan contra a covid-19. De acordo com avaliação, o fato de os frascos renderem menos de 10 doses relaciona-se a erros de extração das doses por quem aplica — causada, sobretudo, pelo uso de seringas inadequadas (a de seringas de 3 ml não seria apropriada para retirar as doses de 0,5 ml).