O Ministério da Economia publicou, no Diário Oficial da União, a Portaria nº 4.975/21, que define novas regras para aposentados civis ou militares reformados que ocupam cargos ou funções. Na prática, analisam servidores, o documento “libera os aposentados” da obrigação de cumprir o teto salarial de R$ 39,2 mil mensais e beneficia o próprio presidente da República, além de ministros militares, como os generais Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil) e Braga Netto (Defesa). A expectativa é de que, somente este ano, o impacto financeiro da medida seja de mais de R$ 181 milhões.
A portaria muda os cálculos e os procedimentos para aqueles que já vestiram o pijama, caso venham a receber do Estado (União, Estados e municípios) um outro salário, com cargo de confiança ou comissionado. A medida gerou críticas entre representantes do funcionalismo e especialistas. “No topo, supersalários e indicação política, na base, salários congelados e reduzidos. Para a alta cúpula, o céu é o limite”, disse Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate).
Marques explicou que, antes, para verificar o teto constitucional de R$ 39.2 mil, somavam-se as remunerações tanto de ativos quanto de aposentados que ocupassem mais de um cargo. Sobre o que ultrapassava esse valor, era aplicado um redutor, conhecido como abate-teto. “Agora, os aposentados civis e militares que tiverem outro cargo deixam de somá-los para a aplicação do teto constitucional, pois o teto será verificado cargo a cargo. A medida beneficia, entre outros, o próprio presidente da República, aposentado nas Forças Armadas. Para os servidores da ativa que ocuparem dois cargos, nada mudou, pois a aplicação do teto continua sendo sobre a soma das remunerações de ambos.”
Questionados, a Casa Civil e o Ministério da Defesa não retornaram até a hora do fechamento desta matéria.
“Teto duplex”
Na análise do economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, o governo acaba de criar o “teto duplex”, que beneficia somente aqueles que têm salários suficientemente altos para superar o valor máximo permitido no serviço público. “Na prática, o teto remuneratório deixou de ser teto, porque, em vários casos, incide isoladamente sobre os vínculos”. Ou seja, se a aposentadoria ou reforma é, por exemplo, de R$ 35 mil mensais e o cargo de confiança, de R$ 15 mil (no total de R$ 50 mil) não haverá o abate-teto. Os mais de R$ 10 mil excedentes vão sair dos cofres do Tesouro.
“Em plena pandemia, no momento de graves dificuldades fiscais, causa surpresa a criação da possibilidade de um servidor ganhar até dois tetos. O ajuste fiscal será somente em cima do barnabé? Desde a Constituição de 1988, o artigo 37 é driblado por interpretações descabidas”, criticou Castello Branco. “A medida é contraditória em relação à propagada proibição de aumentos salariais, à suspensão de contratações, concursos e progressões nas carreiras. Vai na contramão das intenções da reforma administrativa e do fim dos supersalários.”
Para o advogado Marco Aurelio Serau Junior, professor da Universidade Federal do Paraná, há várias incongruências na portaria. “Chamou a atenção o fato de que medida tão complexa tenha sido tratada por meio de uma portaria. A Constituição fala que regulamentação dessa natureza, que altera de remuneração de servidores, deveria ser por lei. E também de que o abate-teto é aplicado no somatório e não em separado”, aponta. Além disso, “não já justificativa plausível para tratar de forma diferente servidores ativos e servidores aposentados, com nova metodologia de cálculo que leva à frustração do teto remuneratório”, concluiu.