As autoridades parecem não querer notar, mas enquanto a pandemia ocupa os corações e as mentes da maioria, o ponto nevrálgico do desempenho econômico brasileiro nos últimos anos é a desabada dos investimentos em infraestrutura, especialmente na esfera pública. Sem investir, a economia não cresce, e como não há como substituir parte relevante dos investimentos públicos pelos privados, esse problema tem de ser diagnosticado e atacado de frente.
Segundo o IBGE, do final dos anos 1960 até 2019, a razão entre o investimento público de todas as esferas e o PIB caiu de 5,4% para 1,5% do PIB, ou seja, quase quatro vezes em termos reais, enquanto o PIB crescia apenas à média de 1,1% ao se aproximar a fase da pandemia, algo inacreditável para um país que já teve épocas áureas de destinação de recursos públicos a essa finalidade, e cujo PIB crescia lá atrás à média de 7% ao ano.
Do início dos anos 2000 para cá, identifico duas razões básicas para tal queda: uma é a disparada dos deficits previdenciários, que vem tomando espaço cada vez maior dos investimentos nos orçamentos públicos de todas as esferas, algo que comecei a discutir em minha coluna de 20/4, e a outra, que vale apenas para a União, é o chamado teto dos gastos, cujo valor total só pode crescer no máximo à taxa de inflação do ano anterior. Como os investimentos são o item menos rígido dos orçamentos públicos, tem cabido a eles o maior ônus do ajuste.
Se mantivermos o foco da análise sobre os regimes próprios (RPPS) dos estados e municípios, veremos que seus deficits previdenciários consolidados dispararam na direção de R$ 111 bilhões, ou 1,5% do PIB, até 2019, marca três vezes superior à atingida em 2011, quando medida em percentagem do PIB, em face de reajustes salariais e contratações ocorridas no passado, além de razões demográficas, e em que pese o enorme esforço (porém insuficiente) de reforma que vem sendo levado a efeito desde o final dos anos 1990.
Em decorrência disso, a “perna fraca”, ou os investimentos consolidados desses mesmos entes, desabaram do pico de 1,9% do PIB em 2010 para a marca de 1% do PIB em 2019 (cerca de R$ 74 bilhões), um pouco mais da metade daquele outro valor em termos de percentagem do PIB. Aqui, o ponto central a considerar é a perspectiva concreta que temos hoje de assistir a algo inimaginável para muitos, de que vários entes tenham seus espaços para investir completamente zerados em poucos anos à frente, a continuarem as tendências atuais de maiores deficits previdenciários mesmo considerando reformas importantes, porém de efeito aquém do ideal. O que implica a necessidade de um esforço adicional de mudança de elevada monta.
Na coluna do dia 20 mostrei que os deficits dos RPPS são bem maiores do que os do RGPS (regime geral), quando medidos corretamente, por aqueles terem nascido como mera extensão do regime de pessoal ativo ou como um prêmio para a inatividade, só começando a ganhar forma real de regime previdenciário cada vez mais próximo do RGPS a partir da Emenda 20/98, inclusive pelo início da capitalização como veículo importante do custeio dos benefícios. Falei também da segregação gradativa e “inteligente” (ou seja, que minimize o “custo de transição” ) de massas de servidores em dois grupos, um de repartição simples e o outro de capitalização, com redirecionamento gradual do primeiro para o segundo, quando o deficit previdenciário já está suficientemente elevado, por falta de ação eficaz prévia. Outras medidas adotadas foram as primeiras iniciativas de aportes de ativos aos fundos de previdência e a aprovação de contribuições patronais suplementares para ajudar no pagamento da conta, sem falar na exigência de um “certificado de regularidade” (CRP) que comprove que o ente está no caminho certo, sob a dura pena de se suspenderem as transferências voluntárias da União para o ente em falta.
Quanto ao equacionamento definitivo, a Emenda 103/19, última reforma previdenciária de peso aprovada entre nós, poderia ser uma peça decisiva. Ainda que bastante relevante, sua aplicação não se estendeu automaticamente aos entes subnacionais, a não ser, basicamente, o aumento da contribuição mínima dos servidores de 11% para 14%. Tudo o mais por ela introduzido terá de ser aprovado nas assembleias de cada ente, incluindo a possibilidade de os segurados participarem do rateio do pagamento da alíquota patronal suplementar. Outros pontos importantes foram a obrigatoriedade de implementar a previdência complementar, que nasceu lá atrás no bojo da Emenda 20/98, tendo como referência o teto do RGPS, mas até há pouco quase nada se havia feito ao amparo dela, o que agora terá de ser concluído até o final de 2021, prazo que também valerá para aprovar o CRP e um plano de equacionamento para valer.
Sendo assim, e para a maioria dos senhores governadores e prefeitos, mãos à obra para darmos um passo decisivo na direção de evitar a catástrofe da zeragem dos investimentos em seus orçamentos.