Após o tombo global de 2020 provocado pela pandemia da covid-19, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial está em franca expansão neste ano, puxado pelos estímulos fiscais, principalmente, dos países mais ricos que continuam em curso. Como consequência, a inflação — uma velha conhecida dos brasileiros — está voltando com força nas economias desenvolvidas, que, na última década, conviviam com cenário de estabilidade ou mesmo de deflação, algo que incomodava os dirigentes de bancos centrais internacionais.
Agora, nesse ambiente de impulsos inflacionários, o desafio está lançado para os formuladores de políticas monetárias, que admitem conviver com um pouco de inflação, mas não em excesso. Resta saber até quanto a carestia será tolerável no mundo desenvolvido, porque, nos próximos meses, ela deverá subir ainda mais com a chegada do verão no Hemisfério Norte — que vai contribuir para o avanço da mobilidade à medida que a vacinação avançar, fazendo com que economias ricas retornem à normalidade de fato.
O sinal de alerta foi aceso nesta semana, após os indicadores de inflação ao consumidor e ao produtor dos Estados Unidos estarem acima do esperado devido ao aumento do consumo, que apresenta taxas de crescimento recordes e que não eram vistas desde 1946. O Índice de Preços ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês), por exemplo, saltou 4,2% no acumulado em 12 meses até abril, o maior patamar desde setembro de 2008. E, para piorar, as expectativas de inflação para maio passaram de 3,4% para 4,6%.
Analistas ouvidos pelo Correio acreditam que, até dezembro, a inflação americana ficará acima da média de 2% do novo regime de metas de inflação do Federal Reserve (Fed), que será testado pela primeira vez. As apostas para o CPI no fim do ano giram em torno de 3,1%, a maior alta desde 1993, de acordo com dados da consultoria Oxford Economics.
Apesar de a inflação ser considerada temporária desde o ano passado pelo Fed, que sinalizava alta dos juros apenas em 2023, analistas aumentam as apostas de que haverá uma antecipação do ciclo de aumento dos juros da maior economia do planeta para o início de 2022, algo que não será nada bom para os países emergentes, porque haverá um redirecionamento dos recursos para os EUA, considerado o mercado mais seguro do planeta, atrapalhando o bom momento atual dos exportadores de commodities, que aproveitam o boom dos preços dos grãos e dos minérios.
As mensagens dos formuladores de políticas serão fundamentais nos próximos meses, de acordo com o ex-diretor do Banco Central e estrategista-chefe da gestora WHG, Tony Volpon, que vem alertando para o fato de a inflação não ser tão temporária como os bancos centrais desejam. “Todo mundo sabe que, nos próximos meses, haverá muita inflação. O debate é o que acontecerá depois. Apesar de haver um conjunto de razões de que haverá uma queda, nos Estados Unidos, os indicadores inflacionários devem convergir para um nível desconfortável para o Fed no fim do ano e no começo de 2022”, alerta. Para ele, o banco central americano será forçado a iniciar o próximo ano elevando os juros, antecipando a sinalização de que isso só ocorreria em 2023. Atualmente, os juros básicos dos EUA estão entre zero e 0,25% ao ano.
Desvalorização
Volpon lembra que o discurso atual do Fed era parecido com o do Banco Central no ano passado de que a inflação era transitória. No início do ano, o BC precisou abandonar o forward guidance, ferramenta de política monetária que sinaliza manutenção de juros por um período mais prolongado, e antecipar o novo ciclo de alta agressiva na taxa básica de juros (Selic), em março, quando viu que a inflação não era temporária. “O Fed vai passar por situação parecida”, frisa.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, destaca que a inflação global poderá destravar mudanças nas taxas de juros do mundo afora e trazer consequências para o país, desvalorizando ainda mais o real frente ao dólar. “Em 2022, quando deverá ocorrer a correção da política monetária dos EUA, será ainda mais complicado para o Brasil devido à turbulência doméstica, elevando os riscos para a taxa de câmbio e, consequentemente, para a inflação”, afirma. “O Banco Central precisará ficar atento, porque a inflação não é temporária há algum tempo”, acrescenta.
Taxa básica
Especialistas destacam ainda que há fatores que podem impulsionar ainda mais a inflação global, porque ela não está relacionada apenas aos estímulos fiscais, mas também ao novo boom de commodities, que deve ser prolongado diante da iminência de quebras de safras devido ao efeito climático La Niña, que reduz as chuvas ao longo de todo o ano.
No Brasil, algumas previsões de inflação para o fim do ano chegam a 6%, com uma taxa média de 7%. É o caso das estimativas do BNP Paribas, que aposta em uma taxa básica de juros (Selic) de 6,5% no fim do ano. “Essa aceleração da inflação é generalizada e atinge todos os países devido ao aumento da demanda provocado pelo aquecimento global. Mas, nos emergentes, um componente importante é a alta das commodities que impacta no preço dos alimentos, um componente de peso maior nos indicadores locais do que nos países da Europa”, explica o economista Gustavo Arruda, chefe de pesquisa para América Latina do BNP Paribas.
O economista Otaviano Canuto, ex-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, também reconhece que, apesar das declarações recentes do Fed reforçando a tese do choque temporário, pode ser que, lá adiante, se necessário, o órgão apertará a política monetária. “O novo regime de meta de inflação tem 2% ao ano como média e não como teto. Por enquanto, não haverá mudança de juros ou no programa de aquisição de ativos”, aposta. Contudo, ele lembra que essa combinação de maiores preços de alimentos e de câmbio desvalorizado “tem elevado, substancialmente, o custo de cestas básicas em muitos países não avançados”.
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