Esplanada

Cortes do Orçamento aumentam risco de apagão na máquina pública

Relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI) faz alerta para o aumento dos riscos de shutdown no funcionalismo, pois, segundo cálculos da entidade, despesas discricionárias do Executivo atingiram um dos menores patamares da história: R$ 74,6 bilhões

O Orçamento de 2021 foi finalmente sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, privilegiando a política em detrimento de despesas com a máquina pública que podem custar caro aos brasileiros. O corte de R$ 29,1 bilhões em emendas parlamentares e despesas não obrigatórias por meio de vetos e bloqueios ajudaram a apaziguar os ânimos da base aliada, mas não resolverá os problemas das contas públicas deste ano. O quadro não é nada animador, segundo dados da Nota Técnica 47 da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, divulgada, ontem. A entidade alerta para o aumento do risco de apagão da máquina pública, prejudicando serviços para a população.

Conforme o levantamento feito pelos economistas Felipe Salto, Daniel Couri e Pedro Henrique Souza, analisando os cortes na Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano e as atuais projeções fiscais do governo, as despesas discricionárias do Poder Executivo, atingiram “o menor nível da série”, de R$ 74,6 bilhões. Para os economistas da IFI, o risco de shutdown será uma ameaça constante ao longo do ano e não deve parar apenas com o cancelamento do Censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“O que nossa nota fez foi mostrar os dados fiscais após os cortes no Orçamento, de um lado, e as áreas afetadas, com detalhamento dentro de cada ministério, de outro. A situação é bastante preocupante. Ainda que tenha diminuído o risco de romper o teto de gastos, aumentou o risco de shutdown. E essa paralisação da máquina não acontece de uma hora para outra. Ela já está acontecendo. O caso emblemático é o do Censo do IBGE. Mas, como este, poderá haver muitos”, alertou Felipe Salto, diretor-executivo da IFI.

As despesas discricionárias são aquelas que podem ser cortadas no Orçamento, mas são fundamentais para o funcionamento da máquina pública. Para a sanção da LOA, o presidente vetou R$ 19,8 bilhões em emendas parlamentares (R$ 11,9 bilhões) e em supressão de despesas discricionárias (R$ 7,9 bilhões). Além disso, bloqueou R$ 9,3 bilhões de gastos não obrigatórios do Executivo via decreto de contingenciamento. Com esses cortes, considerando os demais Poderes, as despesas discricionárias prevista na LOA ficaram em R$ 84,4 bilhões, e, incluindo as emendas parlamentares, passaram para R$ 101,1 bilhões.

Ao ser questionado na sexta-feira (23) durante a breve entrevista sobre a LOA de 2021, o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, descartou o risco de shutdown no funcionalismo e, ao mesmo tempo, anunciou o cancelamento do Censo neste ano. Logo, não convenceu.

Desobediência

A procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto, criticou a suspensão do Censo, pesquisa feita a cada 10 anos para ajudar no mapeamento do país e no desenvolvimento de políticas públicas para os governos federal e regionais e que está prevista na Constituição. “Vejo uma forma errada de tratar as despesas definidas em lei como obrigações, como o Censo, que tem previsão legal para sua realização decenal. A fila de espera do Bolsa Família e o cancelamento do Censo são ilegais nesse sentido”, alertou. Para ela, o Executivo está descumprindo o que a Constituição determina. “O Censo uma despesa obrigatória que foi negligenciada. E há outros serviços que podem ser afetados, inclusive, os repasses aos municípios via Fundo de Participação dos Municípios (FPM) dependem dos dados do Censo”, acrescentou.

Dos R$ 49,2 bilhões de emendas parlamentares aprovadas no autógrafo do Congresso, Bolsonaro vetou R$ 11,9 bilhões, sendo R$ 10,5 bilhões do relator e R$1,4 bilhão de comissões. E uma das principais polêmicas do Orçamento de 2021 foram as emendas do relator-geral, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), que somaram R$ 29 bilhões, partindo, inclusive, de cortes de R$ 26,5 bilhões de despesas obrigatórias, incluindo aposentadorias.

O relatório da IFI destacou que o Ministério do Desenvolvimento Regional foi a pasta que sofreu os maiores cortes das emendas do relator, de R$ 5,5 bilhões dos R$ 11,6 bilhões em emendas adicionais com a aprovação da LOA. “Mesmo com esse volume de cortes, o ministério ainda apresenta o segundo maior valor em emendas de relator-geral (R$ 6 bilhões)”, destacou o relatório. Foram vetadas todas as emendas de cinco ministérios: Justiça e Segurança Pública, Infraestrutura, Comunicações, Meio Ambiente e Turismo. Juntos, estes vetos somam R$ 2,3 bilhões (21,2% do total de vetos). Assim, o total de emendas de relator-geral após sanção ficou em R$ 18,5 bilhões.

Apesar das promessas de Bolsonaro da Cúpula do Clima de dobrar os recursos para a fiscalização contra o desmatamento, no Meio Ambiente os cortes acabaram se concentrando no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e no Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), mas acabaram sendo recompostos pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, após as críticas. O montante pedido por Salles foi divido em R$ 72 milhões para o ICMBio, R$ 56 milhões de recomposição orçamentária para o Ibama e outros R$ 142 milhões para reforço adicional para ações de fiscalização também do Ibama.

Pelos cálculos da IFI, os dados do autógrafo do Congresso para a LOA apontavam um estouro de R$ 31,9 bilhões no limite do teto de gastos—emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior —, mas, apesar de o corte anunciado ter sido inferior, o governo o risco de rompimento do teto neste ano é “moderado”. Vale lembrar que o Congresso alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), retirando da regra do teto novos gastos extraordinários relacionados à pandemia, mas especialista reconhecem que há incertezas se emendas que foram cortadas poderiam ser incluídas nessa exceção.

Após críticas sobre os cortes do Orçamento, o Ministério da Economia emitiu uma nota, ontem, negando falta de recursos para a compra de vacina. Segundo a pasta, “não há nenhuma relação entre os créditos extraordinários para a Saúde e os recursos previstos para o custeio da máquina da pasta no Orçamento sancionado na quinta-feira (22)”.

No limite

Em 2021, o valor previsto para gasto não obrigatório apenas do Executivo é o menor da história,
conforme levantamento da IFI, que não descarta risco de apagão da máquina

Evolução das emendas discricionárias - em R$ bilhões
Ano - Total - Poder Executivo
2016 - 142,5 - 95,6
2017 - 118,2 - 83,6
2018 - 134,5 - 97,2
2019 - 167,8 - 130,9
2020 - 510,04 - 82,5
2021 PLOA* - 112,4 - 112,4
2021 Autógrafo da LOA - 139,1 - 91,4
2021 LOA* - 110,1 - 74,6

*Legenda

PLOA: Projeto de Lei Orçamentária Anual// LOA: Lei Orçamentária Anual


Emendas polêmicas

Veja como ficaram os vetos nas emendas do relator-geral da LOA de 2021 por órgão - Valores em R$ milhões

Órgão - Aprovado na LOA 2021 - Emendas vetadas - Total Geral
Ministério da Saúde - 8.892,17 - 1.066,55 - 7.825,62
Ministério do Desenvolvimento Regional - 11.552,89 - 5.509,20 - 6.043,68
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - 2.421,64 - 743,60 - 1.678,04
Ministério da Cidadania - 1.375,50 - 273,00 - 1.102,50
Ministério da Educação - 1.240,00 - 215,00 - 1.025,00
Ministério da Defesa - 605,00 - 105,00 - 500,00
Ministério da Economia - 372,30 - 22,30 - 350,00
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações - 264,00 - 259,00 - 5,00
Ministério da Justiça e Segurança Pública - 325,00 - 325,00 - 0,00
Ministério da Infraestrutura - 1.401,53 - 1.401,53 - 0,00
Ministério das Comunicações - 39,00 - 39,00 -  0,00
Ministério do Meio Ambiente - 211,61 - 211,61 - 0,00
Ministério do Turismo 317,00 - 317,00 -  0,00
Total Geral: 29.017,64  - 10.487,80 - 18.529,84

Fonte: Instituição Fiscal Independente (IFI) com base da LOA de 2021 sancionada com vetos