A deputada Bia Kicis (PSL/DF), presidente da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara, mexeu em “um vespeiro” na Esplanada dos Ministérios. A disposição da parlamentar em incluir magistrados e servidores da segurança pública na reforma administrativa, em discussão no Congresso, provocou forte reação de entidades de classe do funcionalismo público.
Trata-se de uma briga em que o Planalto pode sair perdendo. O tema volta à tona em um momento de sensível divergência entre o Executivo e o Judiciário. Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro pressionou para o Congresso votar um projeto de lei que trate de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em retaliação à decisão do ministro Luís Roberto Barroso — acompanhada pelo pleno da Corte — de determinar a instalação da CPI da Covid no Senado. A invesigação parlamentar tem como objeto ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia e pode comprometer as pretensões eleitorais de Bolsonaro em 2022.
Antes mesmo de a deputada Bia Kicis se posicionar pela inclusão de magistrados e servidores da segurança pública na discussão sobre a reforma administrativa, várias associações de juízes e procuradores se posicionaram contrárias à ideia. Desde o momento em que o Ministério da Economia divulgou as bases da reforma, com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/2020), as associações alegam que a iniciativa é inconstitucional e fere a independência dos Poderes. A presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Noêmia Porto, ressalta que, “em meio a uma crise sanitária gravíssima, em que o serviço público deveria estar sendo valorizado e fortalecido, (o tema) é inoportuno”.
“Nós discordamos frontalmente dessa posição da presidente da Comissão de Constituição e Justiça e acreditamos que os demais parlamentares não irão afrontar diretamente a Constituição dessa forma. Isso porque, como membros do Poder Judiciário, constitucionalmente apenas o Supremo Tribunal Federal (STF) poderia promover uma reforma desse calibre. Caso contrário, é clara a interferência entre os Poderes”, afirmou Eduardo André Brandão, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
Mesmo considerando que os magistrados não farão parte da reforma, o que mais preocupa o presidente da Ajufe é a “demonização que se tem feito dos servidores públicos”. “Lembrando que na reforma da Previdência já se culpou esses profissionais, mesmo sem definições precisas em relação aos culpados pelo deficit previdenciário. Esse discurso em relação aos servidores não pode continuar a ser adotado, ainda mais depois de todos os esforços que vêm sendo desprendidos durante a crise sanitária que o país enfrenta”, reforçou Brandão.
O presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, mencionou que “a PEC Administrativa enfraquece as instituições de Estado”. Luiz Boudens, presidente da Associação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), disse que os parlamentares não conseguirão fazer mudanças radicais e ironizou: “Ainda bem que ela (Bia Kics) não é a relatora”.
Negociação
Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), ressaltou que a entidade está conversando com o relator na CCJC, deputado Darci de Matos (PSD/SC).
O Fonacate quer suprimir, já na Comissão, tudo o que se refere ao “hiperpresidencialismo”, como o poder de extinguir órgãos e cargos. “Darci Matos sinalizou positivamente, mas pretende ainda fazer audiências públicas até meados de maio. O calendário pode ser estendido, haja vista a pouca experiência da deputada Bia Kicis, que preside a Comissão”, cutucou Marques. No entender de Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef, que representa 80% do funcionalismo federal), não importa quem estará incluído na reforma, mas o teor do texto.
“A quem a deputada está querendo enganar? Não adianta, pode até ter pretensão de trazer mais gente para ter prejuízo, ou não. O importante é não acabar com concurso público, com a estabilidade e não levar a cabo a criação de cargos de liderança e assessoramento, um nome bonito para a farra do boi no serviço público. Também não aceitamos o fim do Regime Jurídico Único (RGU). Só quero ver se o Legislativo vai permitir dar poderes limitados ao Executivo para extinguir funções ou órgãos. A proposta é atravessada”, reclama Silva.
Ele conta que os servidores conversam com parlamentares para que entendam que a questão mais relevante é debelar a pandemia e providenciar a imunização em massa. “O momento é de vacina no braço e comida no prato”, disse Silva. O Ministério da Economia, por meio da assessoria de imprensa, informou que “não comenta matérias em tramitação em outros Poderes”. O Correio tentou contato com a deputada para comentar o assunto, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
“O importante é não acabar com concurso público, com a estabilidade e não levar a cabo a criação de cargos de liderança e assessoramento, um nome bonito para a farra do boi no serviço público”
Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef)