CONJUNTURA

Pandemia derruba a renda do trabalhador; autônomos são mais prejudicados

Pesquisa do Ipea mostra que, no ano passado, autônomos foram os mais prejudicados pelo descontrole da covid-19. Quem tem carteira assinada também saiu perdendo. Levantamento é taxativo ao dizer que situação só vai melhorar com o avanço da vacinação

Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada ontem, mostra o empobrecimento do trabalhador brasileiro durante a pandemia do novo coronavírus, em 2020. O impacto, porém, não foi linear, pois a pior situação foi registrada entre os autônomos, que viram a renda encolher 6,7%. Quem pertence à iniciativa privada, mas tem carteira assinada, sofreu diminuição de 1,4% no poder de consumo. Já o funcionalismo público teve o menor impacto e perdeu apenas 0,2%.

Sandro Sacchet, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea e autor do estudo, ressalta que a forte queda da população ocupada causou um considerável impacto negativo na massa salarial real habitual. “No trimestre móvel terminado em janeiro de 2021, a queda da massa de rendimentos habituais (montante recebido por empregados, excluídos ganhos extraordinários) foi de 6,9% (total de R$ 211,4 bilhões) e a queda da massa efetiva foi de 11,1%, em comparação com o ano anterior, totalizando R$ 228,4 bilhões”, apontou.

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Por conta disso, segundo ela, a tendência é de aumento dos índices de pobreza e de miséria, já que as quatro parcelas do auxílio emergencial a serem pagas entre abril e agosto — de R$ 150, R$ 250 e R$ 375 — têm tudo para não serem suficientes para enfrentar o recrudescimento da crise sanitária.
Para Sacchet, é necessário que até o final do primeiro semestre idosos, adultos e pessoas do grupo de risco estejam imunizados, algo fundamental para a retomada da economia. “O que pode melhorar o quadro é, sem dúvida, o controle da pandemia”, ressaltou.
O Brasil perdeu, em 24 horas, 4.249 vidas para a covid-19, totalizando 345.025 mortes — segundo números colhidos pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Pior situação

Os trabalhadores por conta própria foram os mais prejudicados pela queda de rendimento, no ano passado: receberam apenas 76% no segundo trimestre de 2020 do que habitualmente arrecadam e, no quarto trimestre, 90%. Os dados foram calculados com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Já quem pertence à iniciativa privada, mas sem carteira, recebeu 87% da renda habitual no segundo trimestre e 96% no quarto trimestre de 2020. A análise da renda efetiva nos três últimos meses do ano passado indica que a receita caiu, inclusive, entre os trabalhadores privados com carteira (-1,4%) e os do setor público (-0,2%), chegando a 6,7% de redução para aqueles que estão por conta própria.

Sacchet destaca que a queda nos rendimentos efetivos em alguns grupos no quarto trimestre “sinaliza potenciais efeitos do início da segunda onda de covid-19 no país, cujos impactos poderão ser compreendidos quando forem divulgados os dados no primeiro trimestre de 2021”.

Em termos regionais, a renda efetiva se manteve em queda após o primeiro trimestre de 2020 no Nordeste, enquanto o Centro-Oeste e o Sul mostraram recuperação. No Sudeste, houve recuperação da renda no terceiro trimestre (3,8%), mas, com uma nova queda (-1,3%) no último trimestre de 2020. O destaque positivo foi a região Norte, que teve alta da renda efetiva ao longo de ano inteiro.

Mas ele ressalta que para muitos grupos vulneráveis o momento atual é pior. “Há fatores como o aumento dos preços de produtos da cesta básica e do gás, e a diminuição de doações por parte de empresas, até de pessoas físicas. Isso tudo num momento em que ninguém consegue prever quanto tempo ainda conviveremos com os efeitos da pandemia de covid-19”, salientou.

O corte por gênero mostra que os rendimentos das mulheres se recuperaram de forma mais rápida, enquanto que os dos homens apresentaram uma queda de 2,65% no quarto trimestre. O detalhamento por idade indica que a receita dos jovens adultos (de 25 a 39 anos) foi a mais atingida pela pandemia, com queda após o primeiro trimestre, chegando a -3,9% no quarto trimestre. Destaca-se, ainda, o melhor resultado dos rendimentos dos ocupados entre 14 e 24 anos, que tiveram perdas apenas no último trimestre.

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Cesta sobe em 12 capitais

Em 12 meses, o valor da cesta básica, conjunto de alimentos necessários para as famílias, subiu em todas as capitais. Foi o que apontou a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), ao comparar os meses de março de 2020 e de 2021, e apontando como “vilões” da alta café em pó, feijão carioquinha e preto, açúcar, tomate, batata, banana e óleo de soja. Já em relação a fevereiro deste ano, os preços diminuíram em 12 capitais e aumentaram em outras cinco.

As maiores reduções, em março de 2021, ocorreram em Salvador (-3,74%), Belo Horizonte (-3,11%), Rio de Janeiro (-2,74%) e São Paulo (-2,11%). As capitais com as maiores altas foram Aracaju (5,13%) e Natal (2,83%). A cesta mais cara foi a de Florianópolis (R$ 632,75), seguida de São Paulo (R$ 626), Porto Alegre (R$ 623,37) e Rio de Janeiro (R$ 612,56). Entre o Norte e o Nordeste, Salvador registrou o menor custo (R$ 461,28).

Em 12 meses, as cidades da região Sul acumularam as maiores taxas de reajuste da cesta básica. Em Porto Alegre, o acréscimo chegou a 25,20%; em Curitiba, 24%; e em Belém, 23,15%. No primeiro trimestre deste ano, as capitais que acumularam as maiores altas foram Curitiba (6,81%), Natal (4,09%), Aracaju (3,45%), Belém (2,97%) e Florianópolis (2,79%). A maior queda no mesmo período foi em Campo Grande (-4,07%).

Com base na cesta mais cara que, em março, foi a de Florianópolis, o Dieese estima que o salário mínimo necessário deveria ser equivalente a R$ 5.315,74, o que corresponde a 4,83 vezes o mínimo vigente, de R$ 1.100,00. Em fevereiro, o valor do mínimo necessário deveria ter sido de R$ 5.375,05, ou 4,89 vezes o mínimo vigente.

Quando se compara o custo da cesta com o salário mínimo líquido — após o desconto de 7,5% da Previdência Social —, percebe-se que o trabalhador remunerado pelo piso nacional comprometeu, em média, em março, 53,71% do piso para comprar os alimentos básicos para uma pessoa adulta. Em fevereiro, o percentual foi de 54,23%.

Aumento de lares à míngua

Na análise sobre os efeitos da pandemia de covid-19 no mercado de trabalho, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) chama a atenção para um aumento de 25% para 31,5% no total de domicílios sem renda do trabalho, entre o primeiro e o segundo trimestres de 2020, o que provocou um salto significativo nas desigualdades. No quarto trimestre, a proporção dos lares nessa condição chegou a 29%, mostrando uma recuperação lenta do nível de ocupação, em relação ao período pré-pandemia, mas voltou a cair.

“De forma mais concreta, no quarto trimestre de 2020 a renda domiciliar do trabalho da faixa de renda alta era 28 vezes maior que a da faixa de renda muito baixa, valor menor que no mesmo trimestre do ano anterior (30,3), o que reflete a maior queda da renda entre os domicílios de renda alta“, explica o levantamento.

No entanto, no segundo trimestre do ano, observou-se forte queda nesse indicador, que atingiu apenas 78% das horas habituais, correspondentes a 30,7 horas semanais. O impacto foi maior entre os informais do setor público (72%) e os trabalhadores por conta própria (73%). No quarto trimestre, esses dois tipos de vínculo registraram 92% e 94% das horas habitualmente trabalhadas, respectivamente.

“É possível detectar um aumento do afastamento do trabalho no primeiro trimestre de 2020, especialmente entre trabalhadores do setor público. No segundo trimestre, o afastamento da ocupação atinge 16,26% dos trabalhadores, afetando mais de 13,5 milhões. No quarto trimestre de 2020, a proporção de trabalhadores afastados já havia amplamente retornado aos patamares habituais. Contudo, o principal motivo do afastamento é ainda a pandemia”, informa o estudo.

Auxílio: maioria ganhará apenas R$ 150

A maior parte dos brasileiros que foi aprovada para receber o novo auxílio emergencial deve ganhar a menor parcela, de R$ 150. Por isso, não será suficiente para compensar a perda de renda sofrida por 43% dos brasileiros com direito ao benefício concedido pelo governo federal neste ano, de acordo com levantamento do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira (Cemif) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Aproximadamente 40 milhões de pessoas estão habilitadas ao recurso. Segundo o Ministério da Cidadania, o valor médio é de R$ 250, mas quem mora sozinho ganhará R$ 150 e mulheres chefes de família, R$ 375. A pesquisa indica que 43% desses que farão jus ao benefício vão receber a parcela mais baixa.

“Aproximadamente 20 milhões de pessoas que compõem uma família unipessoal receberão parcelas de R$ 150, outras 16,7 milhões que têm famílias de duas ou mais pessoas terão direito a parcelas de R$ 250, e 9,3 milhões de mulheres que vivem em famílias, nas quais são as únicas provedoras, receberão parcelas de R$ 375”. Os números coincidem com as projeções iniciais do ministério.

Se nada mudar nessa distribuição, contudo, o auxílio não terá o mesmo impacto do ano passado na renda das famílias e na economia brasileira. “43% das pessoas vão receber R$ 150 e há evidências de que esse valor não compensa as perdas derivadas pela pandemia. É possível perceber isso em diversos cortes, seja por gênero, estado ou raça”, explicou o pesquisador Lauro Gonzalez, que comparou o rendimento dos brasileiros antes da pandemia com o rendimento atual, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid (Pnad Covid), para mensurar o efeito do novo auxílio emergencial.