INFLAÇÃO

Alta do IGP-M pressiona o mercado imobiliário

Historicamente, o IGP-M tem sido o índice dos contratos de locação. A imensa maioria dos contratos de locação em vigência são indexados pelo IGP-M

Fernanda Strickland
Alexia Oliveira*
postado em 30/04/2021 06:00

De acordo com dados divulgados nesta quinta-feira (29/04), pela Fundação Getúlio Vargas, o Índice Geral de Preços Mercado (IGP-M) de abril de 2021 teve alta de 1,51%. O que representa uma desaceleração em relação aos 2,94% apontados no mês anterior. Mesmo assim, com esse resultado, a inflação que corrige os contratos de aluguéis atingiu 32% nos 12 meses terminados em abril. Esse, portanto, é o índice que corrigirá os contratos com vencimento em maio. A título de comparação, em abril de 2020, o índice havia subido 0,80% e acumulava alta de 6,68% em 12 meses.

Historicamente, o IGP-M tem sido o índice dos contratos de locação. A imensa maioria dos contratos de locação em vigência são indexados pelo IGP-M. Gustavo Favaron, CEO do GRI Club, especialista em mercado imobiliário, comenta que com a alta do IGP-M constatada nos últimos 12 meses, fez com que por um lado muitos proprietários tenham tentado não repassar na integralidade esse reajuste. “Tendo em vista o caos que a pandemia trouxe para tantas empresas bem como indivíduos, por outro lado, esses proprietários muitas vezes possuem obrigações financeiras junto a bancos e outros, e por isso, em algumas situações tem mais dificuldade de não repassar os reajustes integrais”, comenta.

O CEO nota que uma boa parte dos proprietários tem aceitado negociar o reajuste por conta do cenário atual. “Estimo que pelo menos 50% dos aluguéis sofreram algum tipo de negociação na hora da aplicação da correção com base no IGP-M. Um elemento que pouco se discute e que apesar dos desafios relacionados ao aluguel, sinto que a demanda por imóveis residenciais a serem locados irá aumentar nos próximos 12 meses. O INCC acumulado dos últimos 12 meses é de 12,22%, ou seja, no que diz respeito ao mercado imobiliário em específico os custos estão elevadíssimos”, nota.

Para Favaron, o preço dos terrenos para construções também tem sido reajustados consideravelmente. “Naturalmente, não existe possibilidade das construtoras e incorporadoras absorverem a totalidade desse aumento sem repassar ao menos boa parte ao valor final do imóvel. Agora, se você somar a esse cenário o fato de que o poder de compra do consumidor está estagnado ou até comprimido, e pensar num futuro próximo de aumento da SELIC, vejo um momento desafiador para a compra de imóveis, pois o juros do financiamento imobiliário irá refletir a subida da SELIC. Com isso, teremos um consumidor com poder de compra comprimido e uma parcela do financiamento mais alta (subida de juros)”, entende.

Segundo o especialista, o Brasil tende a repetir o que aconteceu em outros mercados do mundo. “As pessoas ao invés de comprar vão aceitar que precisarão alugar imóveis. Com isso, o tema do IGP-M como fator de reajuste vai ser cada vez mais debatido, pois estará na mesa de jantar das casas de muitos brasileiros daqui para frente”, afirma.

Indicador alto

Juliana Meyer Gottardi, sócia do escritório PNST especialista em contratos empresariais, explica que o que compõe o IGP-M são 3 indicadores com pesos diferentes. “IPAM: Índice de Preços Atacados de Mercado: 60% na composição, IPC-M: Índice de Preços ao Consumidor de Mercado: 30% na composição e o INCC: Índice Nacional de Custo de Construção: 10% na composição”.

Segundo Juliana, o IPAM foi puxado muito pela alta das commodities, muito sensíveis pela variação cambial, tanto das hard commodities dos metais, como das soft, por exemplo o trigo, soja e arroz. “Com a alta do dólar, por conta da pandemia, a exportação está muito mais vantajosa para os produtores brasileiros do que para vender no mercado local. Assim, a demanda local, que aumentou também por conta da pandemia, é contrária à oferta local, que está menor. Logo, o valor das comidas está mais caro nos mercados também”, afirma.

De acordo com Meyer, outro fator que influencia na alta do IGP-M é a alta quantidade de construções nos últimos meses, seja construção ou reforma. “As pessoas estão passando mais tempo dentro das casas, como novos empreendimentos visando a pulverização dos investimentos. Já que o juros não estão remunerando de forma atrativa com a Selic em 2%, então quem está querendo investir está buscando novas formas, e a aquisição imobiliária acaba sendo uma ótima oportunidade, pois muitas pessoas também estão precisando vender. Embora os preços pudessem estar mais baixos, ainda há muita oportunidade, principalmente para quem quer investir em imóvel com moeda estrangeira forte, como dólar e euro”, informa.

Para a especialista em contratos empresariais, vale lembrar que o IGP-M não foi criado com objetivo de parametrizar contrato de aluguel, e sim criado para dar uma visão geral sobre o ambiente econômico baseado nos setores com maior peso no PIB. “Por isso ele considera o aspecto do produtor, da família e da construção civil. Ele se refere, hoje, muito ao reajuste de aluguéis pois um dos componentes dele trata do mercado imobiliário e de praxe ele virou o índice mais usado para isso. Vale isso para contrato de salas virtuais, de 500 reais por exemplo, uma casa residencial, e contratos empresariais, como uma grande planta fabril por exemplo”, esclarece.

Dicas de negociações para Proprietário e Locatário

O escritório de Juliana, atende diversos grupos europeus que atuam no Brasil, participou de diversas negociações. “Posso assim dizer com assertividade, que a ampla maioria foi exitosa, não só pelo bom senso, mas também pela necessidade. A maioria das negociações teve o índice de reajuste alterado para o IPCA ou INPC. O acumulado de 12 meses do IGP-M, que saiu hoje inclusive, apesar de ter desacelerado em abril, acumulou alta de 32%, o que é muito alto. O INPC teve acumulado de 6,94% e o IPCA com 6,10%, ambos divulgados pelo IBGE”, explica.

De acordo com Gottardi, para locatários, o melhor é primeiro contatar o proprietário. “É importante que ambos tenham ciência do que está acontecendo. A conversa pode ser o meio para um ajuste. O que acontece bastante é quando a imobiliária não passa o pedido do locatário para o locador, e isso acaba nem chegando a ele, então busque tratar diretamente com o proprietário ou quem faz as decisões. Também é importante observar oportunidades similares no seu bairro, imóveis parecidos para entender se você está pagando um valor a mais. Isso pode ajudar na hora da negociação”, explica.

“Dê uma olhada no seu contrato no que diz respeito à multa de rescisão antecipada. A multa padrão é de 3 aluguéis proporcionais ao tempo que você está no imóvel. Por exemplo: se você tem um contrato de cinco anos e quer sair no meio deste período, a multa será de três aluguéis, proporcional ao tempo que você ficou. Saiba então a penalidade que o seu contrato se sujeita para ajudar em negociações futuras”, continua.

Para o locador, a especialista indica que considere o histórico do inquilino, não só em questão de pagamento em dia, mas se ele possui zelo pelo imóvel e se ele não incomoda a vizinhança. “Em caso de proprietários de imóveis comerciais, com raras exceções como o do home office que veio para ficar, há muita oferta e a flexibilidade do locador comercial deverá ser bem maior do que o do residencial. A negociação, por fim, é a melhor das opções, a mais razoável e a mais justa. Lembrando sempre, para ambas as partes, que é importante fazer um novo contrato, deixando em escrito o novo acordo, para que haja consciência de ambos os lados, e não dar margem para discussões futuras. E vale já mudar o índice de reajuste tal como para evitar o mesmo problema em 12 meses”, indica.

Por dentro do cenário imobiliário

Jobson Costa, 42 anos, é educador físico e reside na cidade de Valparaíso de Goiás (GO). Para ele, que possui seu próprio imóvel e disponibiliza para alugar, observa que realizar um ajuste de preços é bastante complicado, ainda mais em meio ao cenário como o da Covid-19. “É bastante difícil realizar um ajuste, ainda mais devido ao desemprego das pessoas e a pandemia. São também vários outros fatores, se eu subo um pouco mais o valor, os inquilinos não querem alugar”, cita.

Mesmo em meio às dificuldades impostas pela pandemia, Jobson ainda tenta se mostrar confiante sobre o cenário imobiliário. “O cenário atual está melhorando, observo que tem várias pessoas procurando aluguel, devido já morar nessa situação em outras regiões e apenas desejam mudar de local ou também morarem em casas de aluguel e que o valor é mais alto. Nesse caso, eu possuo um apartamento e noto que eles procuram por que a oferta é mais em conta, também pela proteção e segurança”, explica.

Para o corretor de imóveis, Néfi Rossi, 28 anos e que reside na cidade de Santa Maria (DF), o aquecimento do mercado imobiliário e a alta demanda de procura de imóveis são fatores de destaque e que foram importantes para alavancar as altas taxas do setor. Além disso, ele conta que as negociações atuais são feitas através das lojas imobiliárias. “A maioria das negociações são feitas por um intermediário, porque acredito que uma grande parte das pessoas que procuram um imovel, elas tem um maior acervo através da loja, que auxilia o dono do imovel a filtrar melhor os inquilinos e também para que eles não possam ter nenhum tipo de problemas maiores e evitar dores de cabeça, tanto para um quanto para o outro”, alerta.

Para Rossi, que também cita que uma das principais dificuldades que as pessoas relatam ao alugar imóveis ou comprar são os altos valores, embora a demanda não tenha esfriado diante do mercado. “O mercado de compra e venda de imóveis não esfriou, pelo contrário, continua quente. As pessoas relatam dificuldades nas questões das entradas, no valor dos aluguéis (para quem está alugando), também relatam dificuldades em relação às burocracias e os fiadores, entre outras. Eu enxergo isso como precauções para que o dono do outro imovel não não se prejudique com o inquilino, que por exemplo, não consiga fazer a parte dele no contrato ou acordo”, conclui.

*Estagiária sob supervisão de Carlos Alexandre

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