Nesta quarta-feira (07/04), o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5529) referente ao artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial. A questão se concentra no prazo de validade das patentes. Há uma controvérsia se o prazo vale a partir do registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) ou a partir da aprovação pelo instituto. Essa diferença pode chegar a muitos anos, com impactos econômicos e sociais relevantes.
Se, por um lado, a morosidade no processo de patentes pode prejudicar a livre concorrência na economia, pois impõe o monopólio de um produto por um longo tempo, por outro, a revogação antecipada de patentes representa um desestímulo para a inovação, pois compromete investimentos de empresas em ciência e tecnologia.
A decisão do STF tem potencial de afetar mais de 30 mil patentes das mais diversas áreas, como eletrônicos, medicamentos e agroquímicos. O caso ganha mais relevância em razão da crise sanitária ocasionada pela covid-19. Quem defende a inconstitucionalidade do artigo 40 afirma que uma decisão do Supremo nesse sentido pode reduzir os gastos do SUS e os preços de medicamentos, inclusive daqueles que auxiliam no tratamento das sequelas da covid em um dos momentos mais críticos da pandemia no país.
O artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial, que está em questionamento no Supremo, dispõe sobre o prazo para concessão e usufruto de patentes. Em parágrafo único, o dispositivo estabelece um prazo mínimo de dez anos para a vigência da patente, a partir da concessão efetuada pelo Inpi. Ocorre que o trabalho do instituto tem sido marcado pela morosidade. O processo de aprovação de patentes costuma levar sete anos ou mais. Essa demora, por um lado, representa uma vantagem para o inventor do produto, mas torna-se um ônus para a sociedade, que fica mais tempo sem acesso a um item industrial que poderia ser mais barato a partir do fim da vigência da patente.
Produção de genéricos
A discussão sobre o artigo 40 interessa particularmente ao setor farmacêutico, com implicação direta no SUS, responsável por adquirir medicamentos para distribuir em sua rede de atendimento. O presidente da Farma Brasil, Reginaldo Arcuri, afirma que as patentes têm que ter um período definido e devem considerar as necessidades do desenvolvimento social, científico e tecnológico do Brasil.
Arcuri considera um “privilégio” o prazo de 20 anos, estabelecido pela legislação, para a exploração de patentes. Ele lembra que a Constituição atesta que o regime econômico no país é de livre concorrência. “Se alguém vai ficar sozinho durante 20 anos no mercado, é um grande privilégio. E o objetivo desse privilégio é incentivar que mais pessoas também dediquem tempo e dinheiro para desenvolver medicamentos melhores. Depois do prazo de 20 anos definidos na lei, acaba a patente e qualquer outra empresa, desde que tenha aprovação da Anvisa, pode produzir o medicamento. Nisso você passa a ter concorrência no mercado. E a concorrência é um mecanismo fundamental para garantir duas coisas: primeiro, baixar preço; segundo, ampliar o acesso das pessoas ao medicamentos porque várias outras empresas vão produzir isso”, afirma Arcuri.
O presidente da Farma Brasil diz que, no caso do Brasil, quando o genérico entra no mercado, há uma redução de 35% no mínimo do preço do medicamento de referência. “Como tem concorrência, acaba tendo uma redução ainda maior de preço durante o tempo que os medicamentos estiverem no mercado. O conhecimento que foi desenvolvido para esse medicamento que foi patenteado, vai permitir que com mais gente estudando como melhorar esse medicamento, poderá ter outros medicamentos, melhores cada vez mais”, explica.
Reginaldo Arcuri afirma que o problema reside na morosidade no processo de validação de patentes pelo Inpi. “Os atrasos têm ocorrido na análise da patente da Inpi, o que acaba sempre prorrogando esses 20 anos. Quem defende a manutenção do parágrafo único diz que é justo. Mas isso não é verdade”, afirma o presidente da Farma Brasil.
Arcuri lembra, ainda, que o artigo 44 da Lei de Propriedade Industrial estabelece uma proteção adicional ao detentor de patentes. Segundo o dispositivo, a partir do dia que entrou com pedido de análise da patente, o inventor pode entrar na justiça se um concorrente entrar no mercado ou tentar produzir o medicamento que aguarda a concessão da patente. “Os 20 anos são protegidos de todas as formas para quem está produzindo a patente, isso é o que a Constituição prevê e o que a lei diz. Esse parágrafo único está estranho e precisa ser retirado da lei. Não é apenas a indústria farmacêutica que está pedindo a retirada da lei. Segundo estudos, a União poderia economizar bilhões caso patentes que foram prorrogadas já tivessem expirado, permitindo a produção de genéricos para atender a rede SUS”, avalia Arcuri.
Segundo o presidente da Farma Brasil, 96% das patentes de medicamentos concedidas no Brasil entre 2000 e 2016 tiveram incidência do parágrafo único do art. 40. Hoje há no país cerca de 60 medicamentos com patentes estendidas em razão do artigo 40. A maior parte desses remédios são biofármacos.
Morosidade do Inpi
Em contrapartida, Ana Luiza Calil, advogada do Licks Attorneys, doutoranda em direito administrativo na USP, defende a manutenção do artigo 40. Para ela, o debate deve levar em conta outros setores além do segmento farmacêutico. “Essa ação afeta todos os setores econômicos do país e mais de 31 mil patentes em vigor. Caso o Supremo declare inconstitucionalidade dessa ação, 31 mil patentes no Brasil serão extintas ou terão seus prazos muito reduzidos. Por isso a gente defende a manutenção do parágrafo único do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial”, conta.
Ana Luiza Calil considera a lei um importante marco para o investimento em pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços no Brasil. “Ela traz a garantia de investimentos estrangeiros, de continuidade de investimentos dentro de universidades, proteção de inventos em universidades, dentre outras vantagens para o desenvolvimento econômico. É muito importante destacar que não haveria o problema de aplicação do prazo do parágrafo único do art. 40 se o órgão de patentes fosse eficiente”, afirma.
A especialista ressalta o ponto crítico nesse debate sobre patentes. “O problema é que no Brasil, demora-se muito até decidir se essa patente foi concedida ou não. No momento em que se apresenta o pedido de patente, não tem direito nenhum. Esse direito só vai surgir quando o órgão de patente conceder. E aí que está o problema, porque esses 20 anos de prazo que você deposita seu pedido é tomado pela ineficiência do órgão de patentes, que chega levar 15 anos para analisar um pedido”, reclama.
Calil lembra que, com o problema de demora do Inpi, foi vislumbrado em 1996 um dispositivo que trouxesse uma garantia mínima de proteção. “Ou seja, o legislador, sabendo que o Inpi demorava muito para analisar um pedido de patentes, precisava de uma garantia para o inventor, criando a segunda regra. Se o Inpi demorasse mais de 10 anos para analisar os pedidos de patentes, aplicar-se-ia um prazo especial não contado a partir da data do depósito, mas a partir da data de concessão”, explica a advogada.
Segundo a especialista, o processo de patentes no Brasil está regido por duas condicionantes – e por isso há confusão. “Temos duas regras, mas ela não torna uma soma de extensão; são duas regras distintas e está na lei, não é interpretação. Se o Inpi for ineficiente, aplica-se a segunda regra. Não é uma extensão de prazo, são duas regras diferentes que visam a garantia para o inventor”, esclarece Ana Luiza Calil.
Fuga de investimentos
Doutora em Direito da Propriedade Intelectual, Flavia Mansur Murad alerta para os impactos do julgamento nas regras da produção industrial. “A regra de vigência que está sendo questionada no STF já existe há 25 anos, desde a edição da atual Lei de Propriedade Industrial brasileira, em 1996. Uma mudança neste momento pode causar um ambiente de incerteza e gerar descrédito do sistema de patentes brasileiro perante o mercado, em especial, o internacional. Mais que descrédito, causa uma tremenda insegurança jurídica. Se o valor investido em pesquisa e desenvolvimento é altíssimo e o sistema de patentes compensa com o afastamento de terceiros da exploração da invenção, entendemos que há um automático desestímulo em inovar por aqui”, avalia Murad.
Para a especialista, as empresas que investem em inovação e detêm tecnologias patenteadas podem enfrentar maior dificuldade em recuperar o investimento feito em pesquisa e desenvolvimento, caso vejam as patentes perderem vigência antes do período esperado. “Planejamentos econômicos de vários anos podem ter que ser revistos abruptamente”, afirma.
Flávia Murad alerta que a invalidação das patentes afasta investimentos estrangeiros no mercado nacional, inibindo a geração de empregos. “É sabido que os países líderes em inovação também são aqueles que também apresentam maior crescimento econômico. Assim, no longo prazo, o enfraquecimento do sistema de patentes resulta em falta de estímulo à inovação e, consequentemente, baixo crescimento econômico”, esclarece. “Não é ruim o Brasil receber investimento de empresas que garantem implantação de negócios aqui, empregabilidade, pagamento de impostos e fabricação local”, afirma.
*Estagiária sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza
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