Enquanto o governo e parlamentares não entram em um acordo sobre o impasse do Orçamento de 2021, aprovado no último dia 24 pelo Congresso, mas considerado inexequível por especialistas e pela equipe econômica, empresários devem continuar esperando a medida provisória (MP) para a recriação do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm). A promessa do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes, feita em 27 de janeiro, era de que essa MP seria publicada em 15 dias. Mas por não terem cumprido a palavra, muitas empresas, principalmente as do setor de serviços — principais beneficiadas pelo BEm no ano passado —, estão sem saída diante da queda no faturamento forçado pelo aumento das medidas de isolamento adotadas por prefeitos e governadores para conter a pandemia do novo coronavírus. Assim, não encontram outra saída a não ser fechar as portas ou demitir os funcionários.
Nem mesmo a última das promessas foi cumprida, que era publicar a MP após a aprovação do Orçamento, que não tem recurso previsto para o benefício e ainda tem um buraco de R$ 31,9 bilhões, pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI) — que precisa ser coberto para evitar o estouro da regra do teto de gastos. O principal problema apontado pela equipe econômica é a falta de uma fonte de recursos para o BEm, que deverá ser financiado via crédito extraordinário.
A equipe econômica prevê gastar mais do que no ano passado com o BEm: cerca de R$ 10 bilhões. “O Orçamento não tem previsão para o BEm e tudo indica que o governo vai recorrer a um novo decreto de calamidade para poder emitir créditos extraordinários sem descumprir o teto. O problema é isso abrir espaço para outras despesas, uma porta para passar uma boiada”, alertou Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas.
Desespero
Como ainda não há um acordo para o Orçamento e o relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), ter decidido cortar R$ 10 bilhões dos R$ 26,5 bilhões de emendas parlamentares para investimentos em obras criadas por meio do bloqueio de gastos obrigatórios, não há uma data para a edição da nova MP. Assim, o desespero toma conta do empresariado.
“Estamos no limbo. O Orçamento está com esse imbróglio e sem uma previsão de quando será solucionado. Com isso, muitas empresas estão demitindo ou saindo do mercado”, lamentou Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Ele lembrou que, no ano passado, 300 mil estabelecimentos do setor — que é o que mais emprega no país — foram fechados. No primeiro trimestre deste ano, outras 70 mil empresas baixaram as portas. “Se o governo tivesse cumprido a promessa e relançado o BEm em fevereiro, metade dessas empresas, ou seja, 35 mil, seria preservada”, explicou.
Solmucci indigna-se porque o governo não encontra um espaço de R$ 10 bilhões para o BEm em um Orçamento com uma previsão total de R$ 4,2 trilhões em gastos. Para ele, faltou sensibilidade da equipe econômica no sentido de relançar um programa de sucesso. “Faltou senso de urgência e até competência”, disse o presidente da Abrasel.
Fontes da equipe econômica confirmam que as regras da reedição do BEm serão as mesmas e o benefício será concedido por mais quatro meses a cerca de 4 milhões de trabalhadores. Criado pela MP 936/20, permitiu a redução da jornada e de salários dos empregados do setor privado para as empresas que estão com dificuldades para honrar os compromissos devido ao agravamento da pandemia. No ano passado, o benefício ajudou a preservar 10 milhões de empregos, conforme estimativas do Ministério da Economia.
Durante o seminário virtual Correio Talks, realizado pelo Correio, Fabio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), contou que 75 mil lojas foram fechadas no varejo em 2020 e, se não fosse o BEm, “seguramente mais de 100 mil empresas” teriam encerrado as atividades. “Todas as MPs, como a do BEm, são bem-vindas, mas não vai haver solução para o varejo e o setor produtivo se não houver uma vacinação bem-sucedida. É ela que vai dar segurança para os negócios abrirem, amortecer os efeitos negativos da pandemia e evitar uma recessão”, afirmou.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.
Reunião para tentar destravar
Após uma consulta informal feita pelo Palácio do Planalto sobre o rito dos processos no órgão, o Tribunal de Contas da União (TCU) jogou um balde de água fria nas intenções eleitorais do presidente Jair Bolsonaro, pois deu uma sinalização sobre as irregularidades do Orçamento de 2021. A falta de atualização de parâmetros subestimou as despesas e superestimou as receitas, impossibilitando a execução. E, para piorar, manobras contábeis ampliaram os investimentos, cortaram aposentadorias e deixaram um rastro de problemas que atentam contra a responsabilidade fiscal.
Há um claro embate entre o Ministério da Economia e as pastas alocadas no Palácio do Planalto sobre como solucionar o problema. Segundo fontes palacianas, nova reunião do primeiro escalão do governo para destravar o Orçamento deve ocorrer amanhã, quando o ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, retornará a Brasília.
Isso porque, embora integrantes da equipe econômica evitem comentar, a confusão em torno da peça orçamentária tem a digital de Jair Bolsonaro.
Eleições
Foi o presidente da República, segundo fontes da Esplanada, que deu o sinal verde para o relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), para elaborar um texto com o cancelamento de R$ 26,5 bilhões de despesas obrigatórias para criar espaço para emendas parlamentares em obras de infraestrutura para fins eleitorais. Isso contrariou o ministro da Economia, Paulo Guedes, e seus técnicos, que ameaçam não assinar liberações dos recursos se a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 for sancionada sem vetos de Bolsonaro.
Mas o presidente quer a ampliação dos investimentos em obras, principalmente, as do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) nos municípios a fim de pavimentar o caminho da reeleição. Contudo, essa medida é irregular e pode estourar o teto de gastos. A pasta chefiada por Rogério Marinho foi a que registrou o maior aumento de recursos durante as mudanças feitas pelo Congresso no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021. A previsão orçamentária passou de R$ 9,1 bilhões para R$ 23,5 bilhões — um salto de R$ 14,4 bilhões, ou 158%, conforme levantamento feito pelo economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, a pedido do Correio.
“O presidente está visivelmente empenhado na reeleição e propenso a abrir uma janela para gastar mais, que vai fazer a despesa crescer e o endividamento explodir. As consequências todos sabem: juros mais altos, dólar mais caro, mais inflação, mais desemprego e uma crise financeira que certamente vai explodir em 2022, durante a campanha eleitoral”, alertou.