O Brasil está pagando pelos erros do governo, principalmente no combate à pandemia de covid-19, e isso se reflete na conjuntura interna, cada vez mais turbulenta. Não à toa, projeções do mercado já apontam para um cenário com juros nas alturas, de 9% em 2022, marcando o fim do ciclo de juros reais negativos, que o país não soube aproveitar para crescer de forma robusta e sustentável.
A pandemia da covid-19 vive o seu pior momento, com o país superando a marca de 300 mil mortes e se aproximando do novo recorde de 4 mil óbitos diários, sem que a vacinação avance a contento, apesar das promessas tardias do Ministério da Saúde, de compra de imunizantes que só devem chegar mesmo no segundo semestre para o grosso da população. Enquanto isso, a economia caminha para uma recessão técnica — quando há dois trimestres consecutivos de queda — num cenário em que a inflação só sobe e corrói o poder de compra do brasileiro, criando um ambiente propício à estagflação, o pior dos mundos na literatura econômica. E, na contramão, o Banco Central (BC) resolveu fazer um aperto monetário mais forte no olho desse furacão.
O mercado, por sua vez, está cobrando seu preço por meio de juros, pois a curva futura está inclinada (em alta), mostrando uma taxa básica da economia (Selic) de 9% em 2022. Para este ano, apesar de o BC sinalizar que uma Selic de 4,5% em dezembro seria suficiente para conter a inflação dentro da meta, poucos acreditam nesse percentual. Crescem as apostas de algo mais próximo da taxa neutra, de 6% e 6,5%, ou seja, no limite para o estímulo da atividade, de acordo com analistas.
Segundo especialistas, apesar do discurso do BC, de buscar baixar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que ameaça romper o teto da meta, de 5,25% anuais, a autoridade está se comunicando muito mal. Depois de falar pelos cotovelos em lives com agentes de mercado no ano passado — algo que não deveria ocorrer, porque a autoridade monetária tem que zelar pela discrição —, os diretores do BC só provaram que são amadores e, alguns deles, muito fracos para o cargo que ocupam, de acordo com fontes do mercado.
Além disso, não demonstram a verdadeira autonomia conquistada recentemente no Congresso Nacional. A desconfiança aumentou após a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando o BC decidiu elevar a Selic em 0,75 ponto percentual, para 2,75% anuais, acima das previsões do mercado, de 0,50 ponto. A medida, mais dura, foi mal explicada e gerou mais desconfiança. No comunicado, o BC alegou que o choque de preços era “temporário”, o que não justificaria a antecipação do ciclo de alta da Selic.
No entender do ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a autoridade monetária errou ao conservar a Selic no menor patamar da história por mais tempo do que deveria, pois, em 2020, já havia mudanças no cenário da inflação. “Os diretores não explicaram logo em seguida a correção desse erro. Apenas duas semanas depois, tentaram rebater críticas, na apresentação do Relatório de Inflação (quinta-feira). A justificativa, de que a alta mais forte na Selic ocorreu porque as coisas mudaram agora, no pior momento da pandemia, não convenceu”, explica. “O BC tem que se antecipar a esses movimentos e não é o que está ocorrendo. Está só reagindo”, lamenta. Para ele, o BC mostrou que sua maior preocupação é com o dólar, que continua valorizado por conta das incertezas internas, e não com a inflação de fato.
Desconfiança
O mercado percebeu o erro do BC e, por conta disso, aposta em uma correção mais forte do que a alta de 75 pontos-base sinalizada pelo órgão para a próxima reunião do Copom de maio, quando a inflação poderá se aproximar de 8%. Analistas do mercado preveem alta de, pelo menos, 100 pontos-base. Essa desconfiança do mercado no governo e no BC, aliás, está sendo refletida na curva de juros futuros, destaca Sergio Goldenstein, consultor independente da Ohmresearch Independent Insight. “A curva de juros futuros já mostra uma Selic de 6,5%, em dezembro deste ano, e de 9%, no fim de 2022”, afirma. “Pesaram, no mercado de juros futuros, a decisão e o comunicado do Copom. Acho que o BC exagerou na dose ao colocar mais foco na inflação de 2021 do que na de 2022. E está superestimando a atividade neste ano”, acrescenta.
A mediana das projeções do mercado para a Selic deste ano passou de 5,5%, na semana passada, para 6%, nesta semana, conforme dados do boletim Focus, do BC. Para 2022, está em 6% há 21 semanas, mas poderá sofrer alterações nos próximos relatórios. O que contribui para essa pressão maior nos juros é o enorme volume de títulos públicos que devem vencer até maio. O Tesouro Nacional precisará fazer a rolagem de nada menos que R$ 518 bilhões nesses três meses, apesar de o órgão afirmar que “têm um colchão de liquidez para seis meses”, de R$ 933 bilhões.
Esses papéis vencem justamente em um momento em que o Orçamento de 2021, apesar de recém-aprovado pelo Congresso Nacional, é de difícil execução, porque ameaça quebrar as regras fiscais devido ao subdimensionamento das despesas. Com isso, a União fica em maus lençóis nos quesitos confiança e capacidade de honrar compromissos. Logo, o mercado vai cobrar o prêmio de risco quando o Tesouro quiser trocar os títulos vincendos por papéis com prazos mais longos, prefixados ou pós-fixados.
Outro termômetro do aumento da desconfiança, o risco-país voltou a crescer. Chegou a 220,1 pontos para o contrato de cinco anos do Credit Default Swap (CDS) na sexta-feira, alta de 15,84% em apenas uma semana.
15,8%
Foi a alta do risco-país em uma semana, para 220,1 pontos
1,8%
É a expectativa da MB Associados para o crescimento do PIB em 2022