O Banco Central revisou para baixo a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2021 e elevou as expectativas de inflação. Ainda assim, é criticado por analistas pelo excesso de otimismo em um cenário cada vez grave da pandemia de covid-19 no Brasil e de séria ameaça à atividade econômica devido à vacinação lenta.
Conforme os dados do Relatório Trimestral de Inflação (RTI), divulgado, ontem, pela autoridade monetária, o BC reduziu a previsão de expansão do PIB deste ano de 3,8% para 3,6% e elevou de 3,4% para 5% anuais a previsão para a inflação no fim do ano. O órgão está mais otimista do que o mercado, pois a mediana das estimativas para o PIB de 2021 está em 3,2%, mesma previsão do Ministério da Economia, que foi recentemente mantida.
O BC prevê inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegando a 5% no fim deste ano. Esse cenário deve exigir a elevação da taxa básica de juros (Selic) para 4,5% ainda em 2021. Contudo economistas já apostam em juros básicos maiores, podendo ultrapassar de 6% anuais em dezembro, em meio ao cenário interno cada vez mais turbulento e à desconfiança crescente em relação ao governo.
No documento, o BC reconheceu que ainda há “incerteza acima da usual sobre o ritmo de crescimento da economia” para justificar a revisão mais pessimista e sinalizou que outros cortes na projeção do PIB podem ocorrer mais à frente, uma vez que o cenário apontado no relatório não levou em consideração o agravamento atual da pandemia.
Durante a apresentação do Relatório de Inflação, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, reforçou a tese do Comitê de Política Monetária (Copom) de que as pressões inflacionárias são “temporárias”, o que garantiria um ajuste na taxa básica de juros (Selic) mais gradual, mas também sinalizou que um ajuste mais forte nos juros pode ocorrer se houver “uma situação muito atípica”. Logo, o cenário otimista do RTI não convenceu, pois as apostas de que o BC deverá elevar a Selic em mais 1 ponto percentual na próxima reunião de maio, quando a inflação deverá ficar perto de 8%, em vez de repetir a alta de 0,75 ponto deste mês, como havia sinalizado, já vinham ocorrendo e aumentaram ontem.
Não à toa, o cenário apresentado no RTI foi considerado "superestimado". “O relatório ficou muito parecendo um cópia e cola da ata do Copom e mostra números mais positivos do que a realidade pode sugerir”, comentou Carla Argenta, economista chefe da CM Capital. “Os especialistas olham para a economia e a evolução atual do mercado interno e externo, e ela não é positiva tanto para os países desenvolvidos quanto para os emergentes”, acrescentou.
Inflação no radar
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, lembrou que a percepção da gravidade do cenário inflacionário “finalmente entrou no radar do BC”, apesar da consideração de que o choque é temporário, mas destacou que “o BC está subestimando o risco conjunto com a pandemia”. “Como os números se impõem, o BC vai ter que correr atrás do tempo perdido agora”, afirmou. Ele manteve as previsão de alta de 2,6% para o PIB de 2021, mas acaba de reduzir as projeções de expansão em 2022 em meio à lentidão da vacinação, de 2,4% para 1,8%. Segundo ele, no ritmo atual, o país só conseguirá vacinar 40% da população daqui a três meses.
Na avaliação do economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, é preciso ficar atento ao risco fiscal, também apontado no RTI. Apesar de o mercado entender que a nova onda da pandemia de covid-19 pode exigir a ampliação dos gastos públicos, a materialização desse risco fiscal pode elevar o câmbio, a inflação e os juros para além do cenário básico do BC. "O risco de piora da pandemia já está posto e vai começar a aparecer nos indicadores em breve. Mas o risco fiscal é algo que precisa ser considerado", alertou. Um cenário com Selic mais alta e o agravamento da pandemia, com a pressão por novas medidas fiscais, podem ser um problema para a dívida pública. Para Sanchez, o mercado “vai precificar a dívida e o risco de não se pagar essa conta”.
Durante a apresentação do Relatório de Inflação, Campos Neto também rebateu críticas do mercado e frisou que a alta da Selic acima dos 0,50 ponto porcentual esperada pela maioria do mercado não foi um reflexo do recém-sancionado projeto de autonomia do Banco Central. "Sempre tivemos autonomia ampla, nunca foi questionado. A subida de juros não tem relação com a autonomia", disse. Ele defendeu a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, e garantiu que, embora desidratada, ainda garante “ganhos institucionais”, ao contribuir para o controle de gastos a médio e longo prazos dos governos federal e estaduais.