Mesmo com a prioridade que deve ser conferida à pandemia, é imperioso atacar os problemas do segmento de infraestrutura, onde há muito prevalece uma situação de terra arrasada. Refiro-me à queda livre dos investimentos, que ocorreu desde os anos 1980, estacionou nos anos 1990, mas voltou a ocorrer mais recentemente. Essa queda, como mostra a literatura, reduz o crescimento do PIB e deteriora a distribuição de renda.
Lá atrás se investia algo ao redor de 5,6% do PIB. Hoje, apenas 1,8%. Com isso, o estoque de infraestrutura em nosso país diminuiu de 58% para 36% do PIB, e contribuiu para que o PIB, que antes crescia, em média, 7% ao ano, passasse a crescer apenas 2%, a partir de 1990.
Igualmente preocupante é a parcela privada do investimento em infraestrutura não ter decolado, oscilando em torno de apenas 1% do PIB há bastante tempo. E não há problema de oferta: existem empresas interessadas em prover a infraestrutura e o mercado de capitais se mostra receptivo para financiar os empreendimentos.
Por trás do que ocorreu do lado público, penso que os governos, especialmente o central, perderam a capacidade de planejamento que havia nos anos 1970. Ademais, desde a crise da dívida, nos anos 1980, o corte de gastos dos sucessivos planos de ajuste fiscal tem, invariavelmente, se concentrado na infraestrutura. Ao que parece, não souberam enxergar adequadamente a importância do setor.
O problema se agravou com a Carta de 1988, que extinguiu os “impostos únicos”, com recursos vinculados à infraestrutura. Assim, a prioridade ao investimento e ao crescimento da economia cedeu lugar a uma mudança profunda nas fatias de distribuição dos gastos públicos em favor de gastos correntes.
De uns tempos para cá, o anacrônico plano de governo é um só: cortar gastos públicos. Não é por outro motivo que a política atualmente mais prestigiada está configurada em uma emenda constitucional conhecida como “teto de gastos”, cujo principal resultado tem sido zerar os investimentos públicos — por ser hoje o único segmento do orçamento que não tem poder suficiente para evitar o papel de primo pobre.
Zerar investimentos públicos em infraestrutura já é inconcebível, pois há investimentos cujo retorno são inviáveis para o setor privado. O mais grave, contudo, é haver projetos nos quais, em tese, haveria interesse de participação do setor privado. Mas o investimento não se materializa.
Na sessão de sexta última do Fórum Nacional (https://www.youtube.com/wa
tchv?=RXrjGdA99kM&t=4s), tratamos desse problema. Foi possível detectar casos de um forte viés antiprivado e, portanto, um conjunto de eventos desestimuladores de novas inversões, que se manifestam de várias formas.
De um lado, há a sensação de que ofertantes privados em determinados segmentos cobram tarifas exageradas, auferindo lucros indevidos nos negócios de concessão. Esse sentimento tende a ser mais forte quando se inicia a cobrança de pedágio em uma rodovia até então integralmente bancada pelo setor público. É necessário esclarecer à população em geral que a tarifa nada mais é do que a justa remuneração pelo risco e pelo capital empreendido no projeto. E que, quando não há pedágios, é a população quem está subsidiando os usuários da rodovia em questão.
De outro, existe o oportunismo do regulador, que se materializa no comportamento populista de querer agradar eleitores, em uma visão imediatista que enxerga somente os benefícios (políticos) de curto prazo, ignorando os prejuízos de longo. Certas autoridades se aproveitam do fato de existirem elevados “custos afundados” nesse tipo de negócio para pressionar — indevidamente — os concessionários a aceitar alterações contrárias a seus interesses. Para eles, o custo de resistir a esse tipo de pressão é muito alto, especialmente quando se forma uma espécie de complô das demais instituições (como agências reguladoras, órgãos de fiscalização e controle e o próprio Poder Judiciário) para forçar a redução das tarifas cobradas pelos serviços após a celebração dos contratos de concessão e, pior, após os investimentos realizados.
Tal pode ser, por exemplo, o atual caso da Linha Amarela, no Rio, versus as autoridades relevantes (de diferentes Poderes), o que retrata uma óbvia instância de alta insegurança jurídica. Situação similar decorre da recusa ou da demora do poder concedente em proceder ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos quando alterações na legislação impõem perdas de receita ou aumento de despesas aos concessionários. É o que ocorreu, por exemplo, com a chamada “lei dos caminhoneiros”, que aumentou o limite do peso transportado, acelerando, assim, a velocidade de depreciação do piso das rodovias.
Conclui-se desses pontos que, em essência, o país não considera que investimentos em infraestrutura sejam prioritários. Além de ser lastimável, é algo que, obviamente, precisa mudar.