Conjuntura

Depois de seis anos e na contramão mundial, BC volta a subir juros

Decisão do Copom de aumentar a Selic em 0,75 ponto percentual supera projeções do mercado e vai na contramão da economia mundial. Analistas veem intenção de conter a pressão inflacionária e segurar o dólar. Há previsão de nova alta em maio

O Banco Central surpreendeu o mercado, nesta quarta-feira (17/3), ao elevar a Selic, taxa básica da economia, de 2% para 2,75% ao ano e dividiu opiniões. Foi a primeira alta em seis anos nos juros, que abandonam o menor patamar da história, alcançado em agosto de 2020, e ainda fizeram o país subir três posições no ranking global, na contramão do mundo.

A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) foi unânime e veio acima da maioria das projeções do mercado, que esperavam alta de 0,5 ponto na Selic. No comunicado, demonstrou forte preocupação com a inflação persistente e cujas projeções para os próximos meses estão em alta e superam o “horizonte da política monetária”, especialmente devido aos preços dos combustíveis. No entanto, informou que “mantém o diagnóstico de que os choques atuais são temporários, mas segue atento à sua evolução”. O colegiado ainda sinalizou uma nova alta de 0,75 ponto percentual na próxima reunião, prevista para os dias 4 e 5 de maio.

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O aumento na Selic era esperado pelo mercado, após o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subir 0,86% em fevereiro, puxado pelo aumento nos preços dos combustíveis, sob influência do dólar, que está valorizado frente ao real e pressiona os alimentos. Foi a maior alta do indicador para o mês desde 2016, e o índice teve elevação de 5,20% no acumulado em 12 meses. As projeções do mercado para o IPCA não param de subir e a mediana está, atualmente, em 4,6% ao ano, patamar acima da meta de inflação determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) de 3,75% ao ano, com teto de 5,25%.

Agentes financeiros consideraram a decisão do BC brasileiro hawkish (agressiva no jargão econômico) e na contramão do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que manteve os juros entre zero e 0,25%, sinalizando manutenção das taxas até 2023.

“Foi uma decisão diferente e mostra que o BC quer manter a credibilidade do governo. Ao antecipar o ciclo, contribui com a sinalização de que a gestão da política econômica é responsável”, avaliou Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, que esperava alta de 0,5 ponto nos juros. “O BC sugere que, elevando a Selic nas próximas reuniões até agosto, consegue cumprir a meta de inflação do ano que vem e não faz todo o ciclo de alta da Selic até 6% ou 6,5%, que é o patamar em que os juros ainda apresentam estímulo monetário”, explicou. “O BC vai fazer o mínimo necessário para controlar a inflação neste ano, porque existe uma ociosidade produtiva que ainda vai necessitar de estímulos econômicos. É uma normalização parcial”, acrescentou.

Divergências

Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital, por sua vez, considerou positiva a decisão do Copom, especialmente, após o Fed sinalizar que os juros norte-americanos não devem subir até 2023, foi mais dovish (expansionista). “Nesse contexto, foi uma boa decisão, porque o BC colocou no bolso esse dividendo de ter surpreendido o mercado com essa antecipação rápida, destacando preocupação com a ancoragem das expectativas de inflação, indicando Selic de 4,5% para dezembro deste ano, e de 5,5%, para o fim de 2022”, disse.

Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, o BC aponta uma avaliação de recuperação da atividade “absolutamente questionável”, para não falar do cenário sobre a pandemia, que desconsidera três meses de piora e indefinição. “A comunicação do Copom com os os analistas e participantes do mercado encontra-se falha, pois não tem muita acolhida a afirmação de que “indicadores recentes, em particular, a divulgação do PIB (Produto Interno Bruto) do quarto trimestre, continuaram indicando recuperação consistente da economia, a despeito da redução dos programas de recomposição de renda”. André Perfeito, economista-chefe da Necton, achou que o tom do comunicado “foi acertado e deve acalmar parte dos investidores”. Ele espera quedas nas taxas de juros de longo prazo e no dólar hoje.

A antecipação do ciclo de alta da Selic desagradou o setor produtivo, que opera com ociosidade e com muitas incertezas em meio ao agravamento da pandemia da covid-19 no país. Para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a decisão foi precipitada diante dos “inúmeros desafios para a atividade econômica em razão da persistência da pandemia”. “Apesar dos choques de oferta que a economia vem sofrendo, ainda paira muita incerteza sobre o horizonte econômico de médio prazo. Por isso, entendemos que a elevação da Selic não é a melhor solução neste momento”, informou a nota da entidade.

Na avaliação de Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o BC não deveria começar a elevar a Selic neste momento em que a crise provocada pela covid-19 no país está recrudescendo e, com os juros mais altos, o setor de serviços deverá levar ainda mais tempo para se recuperar. “O Copom precificou o fim da pandemia com a certeza de que tudo vai voltar ao normal”, afirmou.

País sobe no ranking

Com a elevação da taxa básica de juros (Selic) de 2% para 2,75% ao ano, o Brasil subiu três posições no ranking das maiores taxas de juros reais (descontada a inflação) do mundo, conforme levantamento feito pela Infinity Asset Managment. Segundo a gestora de investimentos, o país passou da 9ª para a 6ª colocação em uma lista de 40 nações e deixou de ter juro real negativo, que, teoricamente, é uma espécie de estímulo para a atividade econômica.

Pelos cálculos do economista-chefe da Infinity, Jason Vieira, o juro real do Brasil passou para 0,76% ao ano, acima da média entre os países pesquisados. O estudo considera a inflação projetada para os próximos 12 meses, de 4,31% no caso brasileiro. O ranking é liderado pela Turquia, com juros reais anuais de 8,26%, seguido pela Indonésia (1,66%) e pela Rússia (1,31%) e tem a Argentina na lanterna, com juros reais negativos de 12,24% ao ano.

“Os efeitos deflacionários da covid-19 dissiparam-se, e a inflação de 12 meses já desenha um cenário de preços mais pressionados do que aquele observado no auge da pandemia, assim como a inflação de 2021 ganha força nas medidas, dando ativos à alta de juros. Isso termina por precificar uma taxa de juros reais positiva”, destacou Vieira.

Na avaliação de Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, o fato de o Brasil ter juro real negativo ajudou no enfrentamento da recessão provocada pela pandemia de covid-19 em 2020. “Esse estímulo monetário, apesar de ter um impacto defasado na economia, também ajudou a amenizar a queda do PIB no ano passado”, afirmou. O especialista prevê alta de 3,5% do PIB neste ano, mas está longe de ser otimista. “Estamos prevendo o mínimo necessário, porque o carry over (carregamento estatístico, que implica em crescimento inercial herdado de 2020) será de 3,6%”, acrescentou. (RH)

Impacto na Educação

O fechamento das escolas durante a pandemia de covid-19 poderá ter impacto profundo e de longa duração — cerca de 15 anos — sobre a economia brasileira. A avaliação é da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, que divulgou ontem o Boletim MacroFiscal com uma seção especial sobre os custos socioeconômicos dessa medida. Segundo a secretaria, o impacto atingirá o PIB, o aprendizado, a produtividade do trabalho e a desigualdade social. Isso porque o acesso ao ensino remoto, ofertado em substituição às aulas presenciais, é distinto, de acordo com as faixas de renda da população. A SPE considerou que os efeitos da atual crise podem se estender até o final de 2022, resultando em um hiato de três anos na educação de uma grande parcela da população que hoje tem entre 5 e 20 anos (idade escolar). “Um prejuízo de dimensões incalculáveis”, diz o boletim.