Em meio ao agravamento da pandemia da covid-19 no país e da guinada no cenário político, com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo político, resta saber como o presidente Jair Bolsonaro vai enfrentar a maior prova de fogo na economia ao longo deste ano. As projeções de analistas apontam para um cenário de nova recessão no primeiro semestre e um quadro de estagflação — o pior dos mundos de um cenário macroeconômico, pois a economia não cresce ou recua e a carestia corrói o poder de compra da população.
“O conceito de estagflação está relacionado à ocorrência simultânea de baixo crescimento ou até negativo e à alta de preços. É algo muito complicado. A economia não cresce e os juros devem subir”, explica o economista Ricardo Rocha, professor de Finanças do Insper. Ele lembra que o cenário de estagflação ocorre por razões diversas, mas, no Brasil está relacionado com a alta do dólar, diante do aumento da desconfiança no governo. E, como a economia não consegue crescer em meio à pandemia da covid-19, fornecedores quebram. A oferta diminui, contribuindo para a alta de preços, especialmente em um cenário com a demanda aquecida, impulsionada pelos auxílios do governo que estimularam o consumo de alimentos, um dos vilões da inflação no ano passado.
Com o cenário econômico deteriorando-se, crescem as apostas de estagflação e de recessão técnica — quando há queda em dois trimestres consecutivos — na primeira metade do ano. As projeções otimistas no fim do ano passado, com perspectivas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB), de 4% a 5% em 2021, estão sendo revisadas para baixo constantemente, e o cenário de recessão técnica no primeiro semestre é o mais provável. O Itaú Unibanco, que estava entre os mais otimistas, por exemplo, revisou de 4% para 3,8% a estimativa de alta do PIB este ano e passou a prever apenas 1,8% de crescimento em 2022.
Cenário desolador
Enquanto isso, as apostas para a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) não param de subir. O indicador, no entanto, não mede a alta do custo de vida efetivo para a população de baixa renda, que, na maioria dos casos, está em patamares muito mais elevados, de acordo com o economista e consultor Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “O IPCA não reflete a inflação do supermercado, que está pressionando o bolso do brasileiro. As projeções de 5% a 6% para esse indicador não consideram a inflação do supermercado. Se levarmos em conta a alta dos preços no atacado e do dólar, por exemplo, é possível estimar uma média em torno de 40%. Por isso, o desespero da população vai ser grande em uma conjuntura em que o desemprego continuará elevado devido à pandemia e, portanto, a renda vai continuar encolhendo. Isso é gravíssimo”, alerta Rabello de Castro.
Não à toa, as apostas do mercado são de que o Banco Central, que tem como principal missão preservar o valor da moeda, deve começar a elevar a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 2% ao ano, a partir desta quarta-feira. As apostas são de alta de 0,50 ponto percentual na Selic com os juros básicos podendo encerrar o ano em até 6%. Essa medida também vai ser um peso para o impulso da atividade econômica por meio do crédito e, consequentemente, um desafio adicional para o governo que acaba de comemorar a aprovação da independência do BC no Congresso.
Pelas projeções de José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, o cenário econômico não é nada animador em meio ao agravamento da pandemia. Ele prevê que o PIB brasileiro deverá crescer 2,2% neste ano, menos do que o carregamento estatístico do início da retomada de 2020 — que teve impulso do pacote fiscal de 8,5% do PIB aplicado pelo governo federal e que não deve se repetir neste ano —, de 3,7%. Ou seja, o PIB deve ter uma expansão menor do que o impulso inercial herdado do ano passado, o que significa, na verdade, retração. Logo, isso pode acender o ímpeto populista do presidente Jair Bolsonaro e complicar ainda mais a economia em vez de ajudar em uma recuperação se não houver preocupação, de fato, com o aumento de gasto público sem medidas compensatórias, ou seja, corte de despesas desnecessárias, que não são poucas para conter o elevado endividamento do país, em torno de 90% do PIB.
“Bolsonaro não tem espaço para adotar medidas populistas. Mas essa mudança no cenário político incomoda muito. O desgaste é crescente e ele perde apoio com a ascensão de Lula enquanto a pandemia se agrava. E agora vamos ter que pensar bem. Há muita gente que prefere conversar com Lula para limpar o estrago de Bolsonaro e, para isso, não é preciso ser petista nem de esquerda. Basta ter uma noção de sobrevivência do país em condições minimamente aceitáveis”, afirma Gonçalves.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.
PIB encolhe 45% em dólar em 10 anos
De acordo com o economista Paulo Rabello de Castro, consultor e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o quadro econômico é preocupante. Um estudo feito por ele e por Marcel Caparoz, ambos da RC Consultores, mostra que, em dólares, o PIB brasileiro encolheu 45% nos últimos 10 anos e, neste ano, ficará estagnado. Pelas projeções dos dois analistas, passará de US$ 1,445 trilhão, em 2020, para US$ 1,449 trilhão, em 2021, patamares bem abaixo do registrado em 2009, quando o PIB somou US$ 1,673 trilhão, ano da crise financeira global.
“A partir de 2011 registrou-se um recuo expressivo do PIB medido em dólar. O país não só estagnou como, inclusive, recuou em moeda forte, desperdiçando uma década inteira de esforços da sociedade”, informa o documento da RC. A análise indica, ainda, que o ciclo de juro real (descontada a inflação) é negativo, apesar de ser uma tendência global. “O Brasil, certamente, não está entre os países que podem brincar com juros negativos, porque poucos possuem capacidade fiscal e de setor externo para sustentar essa política”, acrescenta o estudo.
Rabello de Castro também não tem dúvidas de que esse cenário ainda pode piorar devido à falta de avanços na vacinação em massa contra a covid-19. “A culpa central disso é exatamente do ministro Paulo Guedes (Economia), que o mercado ressalta como sendo o indivíduo que quis fazer o melhor e não conseguiu”, alfineta. Ele ainda ressalta que a agenda reformista não tem condições de avançar mais, porque o presidente Jair Bolsonaro não dispõe mais de capital político para adotar medidas de ajuste fiscal e reformas estruturais, que são impopulares. “Ele não fez quando podia e só conseguiu aprovar a reforma da Previdência em 2019. E não é agora, com a economia patinando e completamente sem força, que vai adotar essa agenda de redução de gasto público”, resume.
E com a reviravolta no cenário político com a possível volta da elegibilidade do ex-presidente Lula, o ano de 2021 está profundamente comprometido do ponto de vista de desempenho e recuperação, de acordo com Rabello de Castro. “Sob a ótica política, com a reverberação da figura de Lula, saltamos para 2022 da noite para o dia. E isso é péssimo para a já cambaleante autoridade dos gestores atuais na área econômica, que ainda não tem Orçamento para o ano corrente”, frisa. “Um ainda maior desequilíbrio cambial e inflacionário, neste momento de extrema fragilidade para o governo, sepultaria de vez as chances de Bolsonaro nas eleições de 2022”, emenda. (RH)
Bolsonaro: a culpa é do "fique em casa"
Em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro responsabilizou a pandemia da covid-19 e as medidas de isolamento social pelo aumento no preço dos alimentos. “A política do 'fique em casa', 'feche tudo', que destruiu milhões de empregos, a consequência está aí. Imagine se o homem do campo tivesse ficado em casa, não teria alimento para ninguém. Agora, todo mundo é responsável, quem é que está com essa política do 'fica em casa'? Não sou eu”, disse o presidente.