Caso de insider é complexo

postado em 05/03/2021 06:00
 (crédito: Arquivo/Petrobras)
(crédito: Arquivo/Petrobras)

A suspeita de uso de informação privilegiada em operações com papéis da Petrobras, em meio à crise entre o presidente Jair Bolsonaro e a estatal, coloca sob os holofotes um dos mais graves ilícitos do mercado de capitais. A comprovação dos casos é complexa, principalmente quando quem lucra com a informação vazada não é diretamente ligado à companhia –– a suspeita é de que seja um “insider secundário”, alguém ou um grupo que tem relações com uma pessoa de dentro da empresa.

Na recente crise da Petrobras, as indicações são de que a investigação da CVM terá como principal alvo uma operação atípica com opções de venda de ações da estatal no fim da tarde de 18 de fevereiro, logo após a reunião entre Bolsonaro e um time de seis ministros, no Palácio do Planalto, para tratar de preços dos combustíveis e antes da live em que o presidente disse que “alguma coisa” aconteceria na petrolífera nos dias seguintes.

Duas ordens de compra foram realizadas naquela quinta-feira: uma de 2,6 milhões de opções, às 17h35, e outra, às 17h44, de 1,4 milhão de papéis, ambas com preço de R$ 0,04. A movimentação indica que um investidor pode ter lucrado R$ 18 milhões com as opções, negociadas em volume que só faria sentido se ele realmente acreditasse que as ações cairiam ao menos 8% no pregão seguinte.

A hipótese mais provável, caso a infração se comprove, é de que a informação tenha vazado para um agente de mercado. A situação configura o chamado insider secundário, praticado por alguém sem ligação direta com a companhia e, por isso, de difícil comprovação. A Lei 13.706/17 criminaliza esse agente financeiro, que pode envolver parentes de executivos, investidores, fundos e ex-administradores da empresa.

Antes, apenas os insiders primários –– que têm acesso à informação relevante na fonte e dever de sigilo, como diretores, conselheiros e controladores –– podiam ser condenados pela Justiça. Como a obtenção de prova direta do ilícito de insider trading é praticamente impossível, sua comprovação pode ser feita com base em indícios, desde que eles sejam fortes, consistentes e convergentes.

Punições

De 2008 a 2018, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu 54 processos sancionadores contra 158 acusados de “insider trading” (o termo usado no mercado para informação privilegiada), resultando em 66 condenações administrativas, segundo levantamento da FGV Direito-SP. Na esfera criminal, houve apenas uma sentença condenatória definitiva no País. Criminalizada em 2001, a conduta de uso de informação privilegiada prevê pena de reclusão de um a cinco anos e multa de até três vezes o montante da vantagem obtida com o ilícito. Vinte anos depois, o Brasil teve apenas uma condenação definitiva –– no caso da oferta da Sadia pela Perdigão –– e nenhuma prisão. Em 2019, Eike Batista foi condenado a oito anos e sete meses de prisão, e a pagar multa de R$ 82,8 milhões, por insider com papéis da OSX, mas em primeira instância. Em 2017, os irmãos Joesley e Wesley Batista chegaram a ter prisão preventiva decretada pelo crime.

Na esfera administrativa, a multa recorde aplicada pela CVM em um caso de insider foi de R$ 536,5 milhões, imposta a Eike por negociar ações da OGX com base em informação privilegiada. A cifra corresponde a duas vezes e meia o valor das perdas evitadas pelo empresário com a operação. A segunda maior foi a pena de R$ 26,4 milhões ao banco suíço Credit Suisse, em 2010.

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