Conjuntura

Volta do auxílio emergencial surtirá efeito modesto na economia

Apesar de ajudar milhões de brasileiros, a volta do benefício não deve evitar queda do PIB. Para especialistas, o enxugamento no número de beneficiados e a diminuição no valor, entre R$ 200 e R$ 250, terá impacto bem menor que o sentido em 2020

A volta do auxílio emergencial vai ajudar milhões de brasileiros a pagar as contas e a colocar comida na mesa. Porém, diferentemente do que aconteceu no início da pandemia do novo coronavírus, a liberação do benefício não vai surtir o mesmo efeito na atividade econômica. Analistas explicam que a medida não deve evitar uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) neste início de ano; e falam até em uma recessão técnica neste semestre, mesmo com o retorno da ajuda do governo aos mais vulneráveis.

A nova rodada do auxílio emergencial foi acertada nos últimos dias pelo governo federal com o Congresso Nacional e tem provocado revisões nas projeções econômicas deste ano. Afinal, em 2020, o benefício elevou a renda, estimulou o consumo das famílias brasileiras e, dessa forma, reduziu praticamente pela metade o tombo do PIB do Brasil — no início da pandemia, organismos internacionais projetavam queda de 9% da economia brasileira em 2020, mas esse baque deve ficar perto dos 4,05%, conforme o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). Quem já fez as contas do impacto econômico do novo auxílio emergencial, no entanto, diz que a medida não terá um efeito tão grandioso em 2021. Afinal, desta vez, o programa será mais enxuto.

A ideia do governo é fazer um pente-fino no cadastro dos 68 milhões de brasileiros que receberam o benefício no ano passado para continuar pagando a ajuda só para quem ainda precisa e, assim, gastar menos. Por isso, o novo auxílio deve chegar a um público de 32 milhões a 40 milhões de pessoas por um período de quatro meses, de março até junho, quando espera-se que o avanço da vacinação permita a normalização da economia brasileira. E o valor trabalhado pela equipe econômica para o novo auxílio varia entre R$ 200 e R$ 250, apesar de o Congresso Nacional querer levar a cifra para mais perto dos R$ 300 ou até dos R$ 600 pagos em 2020. O custo total do programa, que chegou a R$ 294 bilhões no ano passado, deve, portanto, ficar próximo dos R$ 30 bilhões em 2021.

Por conta desse enxugamento do auxílio emergencial, a XP Investimentos calcula que o programa vai provocar um aumento de 1% na massa ampliada de rendimentos do país neste ano, mas não vai compensar toda a perda de renda ocasionada pela pandemia de covid-19, como ocorreu em 2020. “Desta vez, não compensa tudo, porque o desemprego ainda é elevado e o auxílio terá um escopo bem mais limitado. Por isso, as famílias devem sentir um impacto negativo na renda, mesmo com a segunda rodada do auxílio emergencial”, afirmou a economista da XP Investimentos, Lisandra Barbero.

Muitos analistas acreditam, ainda, que boa parte desse dinheiro não deve ser direcionado para o consumo. Afinal, o auxílio será menor e deve chegar apenas em março, quando muitos brasileiros já estarão há dois meses sem ajuda do governo, sem trabalho e, consequentemente, com mais dívidas para pagar. “Quem mais precisa vai fazer o consumo de primeira necessidade, mas, às vezes, até para fazer compras no mercadinho é preciso pagar as dívidas primeiro. Então, boa parte desses recursos deve ser usada para pagar contas que estão atrasadas, como o mercado, a conta de água, a conta de luz. Logo, vai sobrar menos recurso para o consumo e o impacto no PIB será menor”, avaliou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

Editoria de arte/CB/D.A Press - Infográfico sobre auxílio emergencial

Além disso, pontuou Lisandra Barbero, é difícil imaginar que os brasileiros que aproveitaram o auxílio emergencial para comprar bens duráveis e semi-duráveis, como eletrodomésticos, ou para fazer reformas em casa, façam essas compras novamente. “Parte do consumo foi antecipado. Por isso, o auxílio terá um impacto nas vendas, mas não tão grande como o de 2020. O comércio de alimentos e bebidas deve sentir mais o efeito, mas o de bens não essenciais nem tanto”, disse a economista.

Assim, a XP Investimentos acredita que o auxílio vai elevar o consumo das famílias em 0,13 ponto percentual no segundo trimestre e em 0,21 ponto percentual no terceiro trimestre de 2021. É um incremento bem mais modesto que o do ano passado, quando o auxílio fez o varejo brasileiro alcançar patamares recordes de vendas — o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Universidade de São Paulo (FEA/USP) calcula que o consumo das famílias brasileiras poderia ter despencado até 14,7% em 2020 por conta da crise da covid-19, mas caiu 6% já que foi impulsionado pelo auxílio emergencial.

Por conta disso, a volta do auxílio emergencial não deve causar mudanças significativas no PIB do Brasil em 2021, segundo economistas. Ao contrário, o que se vê nas últimas semanas são revisões negativas da atividade econômica. No último Boletim Focus, por exemplo, a mediana das projeções do mercado para o PIB deste ano caiu de 3,47% para 3,43% na semana passada. “Por enquanto, o impacto no PIB anual é nulo. Mantemos a projeção de um PIB de 3,4% neste ano, apesar da nova rodada do auxílio, até porque também precisamos entender quais vão ser os contrafactuais da nova rodada do auxílio. O efeito fiscal, por exemplo, pode elevar o risco Brasil, depreciar o câmbio e elevar a inflação, desacelerando o consumo, se não for bem calibrado”, explicou a economista da XP Investimentos.

O marco fiscal solicitado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como uma contrapartida para a volta do auxílio emergencial passa pelas propostas de emenda à Constituição (PECs) da Emergência e do Pacto Federativo e deve ser votado na próxima quinta-feira pelo Senado. O texto que será levado a plenário, no entanto, deve ser bem mais enxuto do que o imaginado inicialmente por Guedes. Para garantir que a medida passe de forma célere pelo Congresso e permita que os pagamentos do auxílio emergencial sejam retomados em março, o texto deve evitar temas polêmicos e focar apenas no que é necessário para destravar o auxílio emergencial. Medidas de cortes de gastos, como a redução do salário dos servidores públicos, por exemplo, devem ficar para outro momento.

Recessão técnica

A perspectiva de crescimento da economia está sendo revista para baixo, mesmo diante das negociações sobre a volta do auxílio emergencial, porque o início de ano tem sido marcado por uma redução brusca da atividade econômica. Especialistas trabalham, inclusive, com um PIB negativo no primeiro trimestre e algumas casas também projetam um PIB negativo no segundo semestre, o que levaria o país a uma recessão técnica.

As projeções para o PIB deste primeiro trimestre vão desde uma queda de -0,1% até uma contração de 0,8%. Afinal, milhões de brasileiros ainda estão sem auxílio e o recrudescimento da pandemia de covid-19 tem colocado novas restrições ao funcionamento das atividades econômicas. O setor de comércio e serviços, que responde por cerca de 70% da economia brasileira, por exemplo, já sofre com uma retração das vendas desde o fim do ano passado. Em dezembro, o varejo despencou 6,1% e os serviços, -0,2%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Analistas acreditam que os resultados negativos vão continuar nos primeiros meses do ano. “Há uma piora nos serviços e no comércio, sobretudo nas categorias que são mais sensíveis ao distanciamento social, por conta do recrudescimento da pandemia e da perda de renda. O auxílio ajuda, mas não é suficiente para compensar essas perdas, já que virá em um montante inferior ao do ano passado”, analisou a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Luana Miranda.

O Ibre/FGV calcula, portanto, que o PIB do Brasil vai cair 0,4% no primeiro trimestre e 0,8% no segundo trimestre deste ano. A projeção aponta para uma recessão técnica, que é caracterizada por dois trimestres consecutivos de queda do PIB. É uma perspectiva que também já está no cenário de instituições como a MB Associados e o BNP Paribas: a consultoria projeta um PIB de -0,8% no primeiro trimestre e de -0,3% no segundo.

Recuperação
Embora negativa no curto prazo, “deve haver uma recuperação no segundo semestre, com o avanço da vacinação”, explicou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. Ainda assim, ele projeta um PIB de apenas 2,3% no ano. É uma projeção mais pessimista que a do restante do mercado, que hoje projeta um crescimento de 3,4% em 2021.

“No segundo semestre, devemos ter um crescimento médio de 2,4% por trimestre. É um crescimento importante, porque leva em conta a vacinação, que vai permitir a retomada dos serviços, com o fim das restrições à mobilidade”, explicou Luana Miranda. O Ibre/FGV, por sua vez, está um pouco mais otimista e projeta um PIB de 3,6% em 2021. “Cerca de 3%, no entanto, é carrego estatístico”, explicou a pesquisadora. (MB)