CRISE DOS COMBUSTÍVEIS

Conselho encaminha a troca na Petrobras

Nomeação do general Joaquim Silva e Luna, indicado por Bolsonaro para a presidência da companhia deve ser sacramentada em assembleia ainda a ser marcada. Além do atual presidente, Roberto Castello Branco, podem ser substituídos sete dos 11 conselheiros da estatal

Marina Barbosa
postado em 24/02/2021 00:12
 (crédito: Mauro Pimentel/AFP)
(crédito: Mauro Pimentel/AFP)

Em uma reunião tensa, que durou praticamente todo o dia, o Conselho de Administração da Petrobras acolheu a indicação do presidente Jair Bolsonaro e convocou uma Assembleia-Geral Extraordinária (AGE), ainda sem data marcada, para definir a troca no comando da estatal. A assembleia deve confirmar a substituição de Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna na presidência da petroleira, mas também vai deliberar sobre a destituição de outros sete conselheiros da empresa — é possível que a maioria deles seja reconduzida.

A assembleia é necessária para confirmar a mudança na Petrobras, porque as regras de governança das estatais determinam que o presidente da empresa pode ser indicado pela União, mas precisa ser aprovado e fazer parte do Conselho de Administração para assumir o posto.

O resultado da reunião, apesar de esperado, foi alvo de muita discussão porque o Conselho de Administração da Petrobras concorda com a atual gestão da empresa, mas entende ser difícil barrar a troca anunciada pelo governo já que sete dos 11 membros do colegiado foram indicados pela União.

Em comunicado publicado à noite, o Conselho informou a convocação de “Assembleia Geral Extraordinária (AGE), com o objetivo de promover a substituição e eleição de membro do Conselho de Administração, e indicando Joaquim Silva e Luna em substituição a Roberto da Cunha Castello Branco”. E lembrou que, com Castello Branco, outros sete conselheiros da empresa devem ser destituídos por conta do sistema de voto múltiplo do colegiado. A assembleia vai eleger, portanto, oito membros, além do novo presidente do Conselho de Administração.

Segundo a Petrobras, a data da AGE será definida pelo atual presidente do Conselho, o almirante da reserva Eduardo Leal Ferreira, e a expectativa é de que ocorra dentro de 30 dias. O mandato de Roberto Castello Branco e dos atuais diretores da empresa vai até 20 de março. A atual diretoria publicará hoje o balanço da empresa no ano passado. E vai conversar com investidores e com a imprensa amanhã. Segundo fontes ligadas à empresa, será uma oportunidade para mostrar o bom trabalho que vinha sendo executado na empresa.

Na reunião, Castello Branco reclamou da forma agressiva como o presidente da República anunciou a decisão de tirá-lo do cargo. Ainda ontem, Bolsonaro voltou a criticar a Petrobras, afirmando que tem muita coisa errada na estatal e que o general Joaquim Silva e Luna, vai “dar um jeito lá”. “Vocês vão ver a Petrobras como vai melhorar. Assim como se tiver que fazer qualquer mudança, nós faremos.”

Preços
Mesmo com a possibilidade de troca em massa do colegiado, o Conselho ressaltou, em comunicado, que “continuará a zelar com rigor pelos padrões de governança da Petrobras, inclusive no que diz respeito às políticas de preços de produtos da companhia”. Possíveis mudanças na política de preços da empresa são, atualmente, o maior receio do mercado em relação à Petrobras, uma vez que Bolsonaro já mostrou insatisfação com os reajustes dos combustíveis e chegou a prometer mais mudanças na estatal após a indicação de Silva e Luna.

 

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TCU pode investigar mudança

A participação do presidente Jair Bolsonaro na mudança da chefia da Petrobras já é alvo de pelo menos duas ações judiciais e a conduta dele ao determinar a substituição de Roberto Castello Branco por Joaquim Silva e Luna pode ser investigada também pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em uma representação enviada ao plenário da Corte, o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, do Ministério Público junto ao TCU, afirma que Bolsonaro pode ter cometido crime de responsabilidade.

Segundo Furtado, o presidente usou o cargo de forma inadequada ao intervir no comando da estatal e agiu “motivado supostamente por interesses político-pessoais com fim eleitoral”. De acordo com o subprocurador, Bolsonaro atentou contra a probidade na administração pública. Ele também disse que há “indícios de sobreposição de interesses particulares ao interesse público e desvio de finalidade do ato administrativo, com ofensa aos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade” nas atitudes do mandatário.

“De certo, o Presidente da República possui suas atribuições e escolhas a serem realizadas. Porém, ao que parece, a medida possui viés eleitoral. A intervenção na estatal — qualquer que seja ela, seja aumento ou diminuição de impostos, seja troca de altos escalões — com fins eleitoreiros é ilegal. Não se pode colocar interesse eleitoral acima do interesse público”, ponderou.

Furtado sugeriu ao TCU que seja suspensa a troca da presidência da Petrobras até que o plenário discuta o tema e que o Tribunal apure a conduta de Bolsonaro ao anunciar o corte de cobrança de impostos federais sobre o gás de cozinha e sobre o diesel. Outro pedido é o de que seja investigada a fala de Bolsonaro sobre “meter o dedo na energia elétrica”.

CVM e Justiça Federal
Um processo sobre a mudança na Petrobras também está em curso na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por conta da brusca queda das ações da companhia na Bolsa de Valores de São Paulo na sexta-feira passada — naquele dia, a empresa perdeu R$ 28,2 bilhões de valor de mercado —, influenciada pelas declarações de Bolsonaro.

O site da CVM diz que se trata de uma investigação sobre notícias, fatos relevantes e comunicados. Segundo o órgão regulador, qualquer ato ou fato relevante relacionado a empresa com ações na bolsa capaz de influir “de modo ponderável” no desempenho da companhia tem de ser comunicado ao mercado por um diretor de relações com investidores.

Além disso, há um inquérito na Justiça Federal. Por determinação do juiz André Prado de Vasconcelos, da 7ª Vara da 1ª Região, em Belo Horizonte, Bolsonaro, a União e a Petrobras têm até quinta-feira para se manifestar sobre o caso.

Papéis voltam a subir na Bolsa de São Paulo

Depois do baque dos últimos dois pregões, as ações da Petrobras subiram mais de 10%, ontem, o que permitiu à empresa recuperar R$ 28,9 bilhões dos R$ 100 bilhões em valor de mercado que perdeu após o anúncio da mudança na presidência da estatal.

Os papeis da Petrobras tiveram o melhor desempenho da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), o que levou o presidente Jair Bolsonaro a minimizar os temores sobre novas interferências na empresa. “As acusações, como sempre infundadas, duraram poucas horas”, disse Bolsonaro, que classificou como “natural” a troca de comando na Petrobras, já que o mandato do atual presidente, Roberto Castello Branco acaba em 20 de março. “Saiu um bom gestor, está entrando um outro excelente gestor. No caso, o Silva e Luna”, apontou.

Analistas explicam, contudo, que a alta das ações é fruto de um ajuste do mercado que, depois do susto, parou para precificar o assunto com calma e percebeu que a reação poderia ter sido exagerada. Porém, lembram que a recuperação não reverteu nem um terço das perdas sofridas nos últimos dias. De acordo com a Economatica, a estatal terminou o pregão valendo cerca de R$ 309,5 bilhões, ante R$ 382,9 bilhões na última quinta-feira.

Analistas alertam que o mercado continua de olho nos próximos passos da Petrobras. “O futuro ainda é incerto, pois uma interferência na política de preços pode afetar a saúde financeira da empresa. Não repassar a variação do barril de petróleo e a variação cambial para o preço dos combustíveis terá um custo e alguém precisaria pagar essa conta”, ressaltou o head de produtos da Speed Invest, Caio Rodrigues.

“Os próximos meses ainda serão de muita turbulência, com o mercado tentando entender o que vai mudar na empresa”, acrescentou a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto.

A Eletrobras também apresentou forte alta, de 13,01%, ontem, após a decisão do governo federal de apresentar medida provisória para destravar a privatização da empresa e abafar os ruídos sobre a ingerência política de Bolsonaro nas estatais. O Banco do Brasil subiu 5,55%. O Ibovespa avançou 2,27%, aos 115.227 pontos. Já o dólar caiu 0,24%, para R$ 5,44. (MB)

Intervenção de olho em 2022

 (crédito:                  Ed Alves/CB/D.A Press                   )
crédito: Ed Alves/CB/D.A Press

Os reflexos da decisão do presidente Jair Bolsonaro de intervir na Petrobras foi o tema de ontem do programa CB.Poder, programa feito em parceria do Correio com a TV Brasília. Na visão de César Bergo, diretor da corretora Openinvest, a decisão de Bolsonaro foi totalmente equivocada, porque existem mecanismos no mercado que permitiriam que a troca fosse feita sem provocar desgastes.

“O problema é a forma que passa para o mercado. Foi uma intervenção política com outros desejos, e isso não é bom, principalmente pelo histórico recente da Petrobras”, disse Bergo. “Se for considerar o valor que a Petrobras perdeu, de sexta feira para cá, dava para fazer vários auxílios emergenciais”, assinalou.

O cientista político Rafael Favetti, destacou que o presidente da República decidiu trocar o comando da estatal para, de olho na reeleição, atender aos caminhoneiros, categoria que vinha fazendo pressão nas últimas três semanas em relação ao preço do diesel. Favetti acrescentou que a decisão, considerada catastrófica pelo mercado e pelos setores econômicos, não é vista da mesma forma por outros setores da população.

Favetti destacou ainda que todo investidor que compra ações de uma empresa de economia mista, como a Petrobras, deve estar ciente de que ela tem um componente estatal, e um certo reflexo sobre a distribuição dos bens para toda a União. “Se não, não teria sentido ter uma empresa como nível estatal”, afirmou.

“Em determinados momentos de microcrises, como aconteceu na sexta feira, e especialmente na segunda-feira, há choque de vetor entre mercado e política, de acusações de ambos os lados. A forma pela qual o presidente agiu, olhando para os caminhoneiros, acertou todo um mercado, que, agora, pode se voltar contra ele”, disse Favetti.

*Estagiária sob a supervisão de Odail Figueiredo

“A forma pela qual o presidente agiu, olhando para os caminhoneiros, acertou todo um mercado, que, agora, pode se voltar contra ele”

Rafael Favetti, cientista político

 

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