Combustíveis

Ameaça de Bolsonaro sobre mudança na Petrobras abre crise na estatal

Presidente deu a entender que pode tirar o presidente da companhia, Roberto Castello Branco, e o mercado reage, com investidores se desfazendo dos ativos da petroleira. Ações desabam 6,7%

Simone Kafruni
postado em 19/02/2021 16:36 / atualizado em 19/02/2021 17:03
Presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, está ameaçado de perder o cargo -  (crédito: Mauro Pimentel/AFP)
Presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, está ameaçado de perder o cargo - (crédito: Mauro Pimentel/AFP)

As declarações do presidente Jair Bolsonaro, durante a live semanal em rede social, reiteradas nesta sexta-feira (19/2), em visita a Pernambuco, abriram uma crise na Petrobras. Além de anunciar a isenção de impostos federais no óleo diesel, por dois meses, e no gás de cozinha, indefinidamente, Bolsonaro prometeu mudanças na estatal. O mercado entendeu a ameaça como uma intenção de demitir o presidente da petroleira, Roberto Castello Branco, e, às 16h10, as ações da companhia desabavam 6,7%.

Na próxima terça-feira (23/2), véspera da divulgação dos resultados de 2020 da empresa, o Conselho de Administração se reúne para deliberar, entre outras coisas, a recondução de Castello Branco para mais um mandato de dois anos. O executivo assumiu a presidência da Petrobras no começo de 2019. A reunião, contudo, já estava agendada antes da crise deflagrada pelas declarações do presidente. Para os especialistas, a ameaça de Bolsonaro pode gerar um impacto negativo na política econômica.

Nos governos petistas, houve interferência na Petrobras, para segurar o preço dos combustíveis no mercado interno. Apesar de garantir alívio no bolso dos consumidores brasileiros, a medida gerou prejuízo para a companhia. Castello Branco é visto com bons olhos pelo mercado, porque adotou uma política que visa lucro para os acionistas e redução do endividamento da petroleira.

Segundo o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, nem todas as declarações de Bolsonaro foram negativas. “Ele repetiu que não vai interferir no preço da Petrobras. Isso é positivo, assim como a ideia de mudança na sistemática de cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Isso precisa ser feito, porque a sonegação anual é na casa de R$ 21 bilhões”, afirmou.

No entanto, Pires ressaltou que a medida anunciada, de isenção por dois meses de PIS/Cofins no diesel a partir de 1º de março, vai representar uma perda de arrecadação de R$ 3,2 bilhões. “O prazo de dois meses deve ser o tempo que o governo precisa para estabelecer um fundo de estabilização para praticar o Preço de Paridade de Importação (PPI) sem que o consumidor sofra tanto com a volatilidade”, considerou.

O governo também anunciou que vai isentar de tributos federais o gás de cozinha. “Nesse caso acho que o governo poderia fazer de forma diferente. Adotar um expediente que existe na energia elétrica, que é a tarifa social (cobrança menor de 8 milhões de famílias vulneráveis), com cobrança de valor menor do botijão para as famílias cadastradas”, sugeriu Pires. O diretor do Cbie alertou que a reação do mercado não foi positiva porque Bolsonaro deu a entender que vai tirar o presidente da Petrobras do cargo. “Isso é muito ruim. As coisas positivas acabaram ficando em segundo plano.”

Renúncia fiscal


As medidas anunciadas implicam numa renúncia fiscal, sem que o governo tenha explicado de onde vai tirar o dinheiro que deixará de arrecadar, como exige a regra orçamentária. O atual arcabouço fiscal brasileiro não permite tal medida sem compensação. Como salientou o consultor da XP Macro Jorge Rachid, o Poder Executivo, mediante decreto, pode reduzir as alíquotas das contribuições para PIS e Cofins sobre combustíveis, desde que atenda a Lei de Responsabilidade Fiscal. “A redução só poderá entrar em vigor quando implementadas as medidas compensatórias”, explicou.


Na opinião do economista e advogado Rodrigo Guedes Nunes, do escritório Harris Bricken, tais declarações e ações que impactam diretamente no controle fiscal do país geram insegurança. “Sinaliza um descompromisso com o equilíbrio e esforço fiscal, que afeta não só a Petrobras, como a economia como um todo”, afirmou.

“O presidente tem a liberdade de agir, por meio de decreto, para zerar impostos e também de demitir o presidente da Petrobras. Entretanto, essas medidas tomadas de forma atabalhoada, sem um estudo e planejamento, podem ser um tiro no pé. A interferência na companhia mina a credibilidade para os investidores e pode criar um efeito cascata negativo em outros setores da economia”, analisou Nunes.

Na avaliação do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a isenção tributária sobre os preços do óleo diesel e do gás de cozinha é uma medida paliativa. “Enquanto o PPI estiver no centro da política de reajustes da Petrobras para os derivados do petróleo, caso as cotações internacionais se mantenham em alta e o câmbio desvalorizado, os preços dos combustíveis vão subir com frequência para o consumidor final”, avaliaram os coordenadores técnicos do Ineep, Rodrigo Leão e William Nozaki. “Um exemplo de que é uma política de curto prazo é o fato de que a isenção tributária sobre o diesel só compensa o último reajuste anunciado pela Petrobras.”

O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), em nota, reafirmou a defesa de um mercado aberto, competitivo, dinâmico, ético, com segurança jurídica e previsibilidade regulatória. “Neste mercado com múltiplos agentes, a dinâmica de preços livres deve ser preservada, com alinhamento à paridade internacional, equilibrando a oferta e a demanda. Os derivados são commodities comercializadas internacionalmente e a paridade traz previsibilidade e transparência ao mercado”, sustentou.

O entendimento da Federação Única dos Petroleiros (FUP) é exatamente o contrário do IBP. “O governo federal demonstra sua incompetência ao ficar refém das vontades de acionistas da Petrobras e não definir uma política de preços justos para a população e para o país”, afirmou em nota. “Os últimos reajustes dos combustíveis mostram a necessidade urgente de uma política de Estado para o mercado de combustíveis, que inclua a garantia de abastecimento à população, baseada em custos nacionais de produção de derivados.” A FUP é contrária à adoção do PPI.

 

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