CONTAS PÚBLICAS

Sem pandemia, governo teria deficit, mas rombo R$ 560 bilhões menor, aponta FGV

Os dados fazem parte do estudo sobre o resultado primário recorrente do governo, publicado anualmente no Observatório de Política Fiscal do Ibre-FGV

BBC
Camilla Veras Mota - Da BBC News Brasil em São Paulo
postado em 18/02/2021 17:20 / atualizado em 18/02/2021 17:23

A pandemia de covid-19 e seus efeitos sobre a economia fizeram com que governos de diversos países gastassem muito mais que o planejado em 2020.

Com os primeiros números do ano passado fechados, foram muitos os que registraram deficit recorde. Inclusive o Brasil.

O país gastou mais do que arrecadou R$ 743,1 bilhões, o equivalente a 10,03% do PIB (Produto Interno Bruto) e um "prejuízo" quase 8 vezes maior do que o registrado em 2019, de R$ 95 bilhões, levando em conta o resultado primário, que não contabiliza as despesas com juros da dívida.

O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) Manoel Pires calculou a participação do "efeito pandemia" no total: do déficit, R$ 561,3 bilhões são referentes a medidas tomadas para tentar amortecer o impacto da crise sanitária.

Os dados fazem parte do estudo sobre o resultado primário recorrente do governo, publicado anualmente no Observatório de Política Fiscal do Ibre-FGV e que foi antecipado à BBC News Brasil. A série conta com dados desde 1997.

O resultado primário recorrente (calculado a partir do resultado primário efetivo, que é apresentado pelo governo) é uma medida que expurga as receitas e despesas atípicas ou voláteis dos números oficiais, em uma tentativa de verificar a tendência de fato da trajetória das contas públicas.

Ao "limpar" o resultado de eventos que não acontecem com frequência - como a entrada de bilhões em um leilão de cessão onerosa do pré-sal -, a medida ajuda a mostrar se há uma deterioração que comprometa a sustentabilidade da dívida pública. Essa é uma percepção que tem impacto direto sobre as taxas de juros de longo prazo do país e a atração de investimentos.

A discussão ganhou ainda mais importância neste início de ano, diante da necessidade de prorrogação do auxílio emergencial. Há semanas a equipe econômica discute com o Congresso como financiar os pagamentos.

Ministro da Economia, Paulo Guedes, e presidente Jair Bolsonaro
Agencia Brasil
Discussão sobre prorrogação do benefício se arrasta desde o segundo semestre do ano passado

Para onde foi o dinheiro

No levantamento, são sete as rubricas relacionadas à pandemia que, juntas, somam R$ 561,3 bilhões.

A maior delas se refere aos R$ 429 bilhões em créditos extraordinários abertos no período - na contabilidade pública, são recursos destinados a despesas urgentes e imprevisíveis, que não estavam previstas na lei orçamentária e que não entram no cômputo do teto de gastos.

A maior parte foi destinada ao pagamento de auxílio emergencial, aproximadamente R$ 288 bilhões, e ao Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm), concedido aos trabalhadores que tiveram redução de jornada e salário (cerca de R$ 50 bilhões).

No cálculo do pesquisador foram considerados ainda R$ 78 bilhões em transferências para Estados e municípios, R$ 20 bilhões em diferimentos de tributos (um prazo maior para as empresas cumprirem suas obrigações com o fisco); R$ 19 bilhões em isenção de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para operações de crédito; R$ 11 bilhões em subsídios e subvenções; R$ 900 milhões transferidos pelo Tesouro para cobrir os descontos na conta de energia elétrica das famílias que fazem parte da tarifa social e outros R$ 943 milhões de outras medidas.

Resultado primário do governo - em R$ milhões. .  .

Ainda no vermelho

Descontadas as despesas atípicas, o saldo negativo nas contas do governo cai para R$ 168,3 bilhões, ou 2,27% do PIB.

O economista chama atenção para o fato de que, apesar da forte redução - de longe a maior diferença observada na série histórica -, o déficit recorrente aumentou, revertendo uma trajetória de recuperação iniciada em 2017.

Essa piora, entretanto, também tem relação com a pandemia, diz Pires, e é em boa parte reflexo do impacto da crise sobre a arrecadação de impostos e tributos. Em um cálculo simplificado, levando em consideração o indicador de atividade do Banco Central, o IBC-Br, cuja metodologia difere do cálculo do PIB em si, a arrecadação poderia ter sido R$ 53,5 bilhões maior caso a economia não tivesse contraído em média 4,1%.

"Quando retirados os efeitos não recorrentes [ajuste de R$ 574,7 bilhões, em que está incluído o 'efeito pandemia'], o indicador se mostra muito mais próximo ao que a gente estava acostumado a observar nos últimos dois ou três anos. O que fica de piora mais permanente do indicador tem a ver com as questões cíclicas: o que explica a piora de 2020 está mais associado ao fato de o PIB ter caído", afirma o economista, que é ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Ministro Paulo Guedes fala em evento
Agencia Brasil
Proposta de Orçamento para 2021, que deveria ter sido sancionada em dezembro, ainda não foi aprovada pelo Congresso

O que isso quer dizer?

Independentemente da origem, se fruto de uma piora estrutural ou reflexo da conjuntura, o déficit provoca aumento na dívida pública, que, mais cedo ou mais tarde, tem de ser "digerida".

Ou seja, seja qual for a causa da piora nas contas públicas, o prejuízo precisa ser coberto de alguma forma.

O Brasil tem registrado déficits primários desde 2014, com um aumento progressivo da dívida pública, que chegou a 89,3% do PIB (dívida bruta) no ano passado.

As discussões sobre as contrapartidas para a prorrogação do auxílio emergencial têm esse contexto no horizonte. A tônica das negociações da equipe do ministro Paulo Guedes com o Congresso é a de que seria preciso mostrar compromisso com o controle das despesas públicas para se aprovar uma extensão do benefício, como uma forma de sinalizar que o país também se preocupa em estabilizar seu nível de endividamento.

Para Pires, contudo, é preciso levar em consideração também que a piora da situação fiscal é em boa parte passageira e que a discussão sobre a dívida pública vai muito além do auxílio. "Não seria o fim do mundo", ele diz, caso o governo não conseguisse aprovar uma contrapartida que cobrisse na mesma proporção o volume de recursos necessários para pagá-lo.

Em sua opinião, o foco agora deveria ser nas medidas que precisam ser implementadas dada a pandemia e no redimensionamento do benefício. Ao contrário do início da crise sanitária, quando houve uma "ruptura" da atividade econômica, neste ano tudo indica que o efeito contracionista da covid-19 sobre a atividade será menor - o que significa, segundo ele, que o escopo do programa pode ser menor, que o benefício pode ser pago a um número menor de pessoas.

"A discussão sobre a estabilização da dívida continua. Ela virou um desafio não só desse governo, avança esse mandato."

Em um segundo momento, diz, entraria o debate sobre as estratégias para atenuação do crescimento da dívida, que passam, ele exemplifica, pelas reformas administrativa e tributária.


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