Apesar de estar otimista com a recuperação da economia brasileira em 2021, o economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs, reconhece que a maior parte do avanço entre 3,5% e 4% do Produto Interno Bruto (PIB) será uma questão meramente estatística. “Não se trata de um crescimento genuíno. O país ainda está correndo atrás do prejuízo”, diz.
Para Ramos, a economia chegou a apresentar uma retomada em V no terceiro trimestre de 2020 e, devido a essa recuperação mais forte, haverá um carregamento estatístico perto de 3% no PIB deste ano. Na visão dele, haverá um baque neste primeiro trimestre de 2021, com queda da atividade. E, se as reformas estruturais não andarem, a partir de 2022, o Brasil voltará a apresentar taxas medíocres de crescimento. A janela de oportunidade para virar esse jogo é agora. “Mas não estou tão otimista de que vão vir muitas reformas daqui para frente”, frisa.
Ex-economista-sênior do Fundo Monetário Internacional (FMI) e doutor em Economia pela Universidade de Chicago, Ramos reconhece a importância da volta do auxílio emergencial nesse momento em que o país está lidando com uma segunda onda da pandemia da covid-19, que está “bastante intensa”. Mas recomenda que medidas de corte de gastos também sejam adotadas para abrir espaço fiscal ao benefício que atenderá a população mais vulnerável.
“É uma questão de eficiência e necessidade. Ninguém está questionando o mérito de se estender temporariamente o auxílio emergencial, mas é preciso fazer de uma forma que seja fiscalmente responsável”, afirma. Ele ainda recomenda que o benefício seja focado na questão sanitária, sem vinculação a outros programas sociais, como o Bolsa Família.
Na avaliação de Ramos, é função do Legislativo e do Executivo apontar os cortes de gastos no Orçamento para indicar espaço para o novo auxílio. “Está todo mundo tentando passar a batata quente para o outro. Acho que o ajuste fiscal é uma responsabilidade compartilhada do governo e do Congresso”, destaca. Contudo, falta vontade política para apontar onde cortar e apontar os gastos que não possuem impacto econômico e social dentro do Orçamento.
“Eu me recuso aceitar que um país que gasta R$ 1,5 trilhão por ano não tenha onde cortar, que todo o gasto é muito eficiente e que todo gasto é muito bem alocado. Certamente, não é o caso, mas é, claramente, uma batalha política e é necessário investir o capital político para comprar essa briga”, emenda. A seguir a entrevista concedida por Alberto Ramos ao Correio.
Está praticamente definido que o governo vai retomar o auxílio emergencial em três ou quatro parcelas de R$ 250. Na sua avaliação, a volta do auxílio emergencial é importante? Por quê?
É importante no contexto atual. O Brasil ainda está lidando com uma segunda onda da covid-19 bastante intensa, mas é importante perceber que se pode fazer tudo o que quer. Faz-se o que pode. Do ponto de vista fiscal, o Brasil tem uma situação muito debilitada. Seria importante que esse auxílio emergencial fosse limitado no tempo e que o critério de elegibilidade fosse mais restrito do que o utilizado em 2020. Há estudos recentes que mostram que a alocação não foi muito boa. E, ainda mais importante do que o enfoque mais restrito e limitado temporalmente, seria vital que esse benefício viesse acompanhado de outras medidas de ajuste fiscal. O auxílio é necessário no curto prazo, mas é crítico equacionar a parte fiscal no médio e no longo prazos. É importante que todas as reformas que estão pendentes no Congresso avançassem para que o mercado possa digerir um pouquinho mais de gasto no curto prazo. Também seria bom que se encontrasse uma maneira de reduzir as despesas do governo. Eu me recuso a aceitar que um país que gasta R$ 1,5 trilhão por ano não tenha onde cortar, que todo o gasto é muito eficiente e que todo gasto é muito bem alocado. Certamente, não é o caso, mas é claramente uma batalha política, e é necessário investir o capital político para comprar essa briga. É uma questão de eficiência e necessidade. Ninguém está questionando o mérito de estender, temporariamente, o auxílio emergencial, mas é preciso fazer de uma forma que seja fiscalmente responsável.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, condicionou o retorno do auxílio à PEC do Orçamento de Guerra dentro do Pacto Federativo. Mas isso leva tempo. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já disse que não dá para esperar e o presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou que a situação está crítica demais. Como conciliar isso?
É difícil conciliar. Uma coisa é o próprio trâmite Legislativo, particularmente, de emendas constitucionais, pois o processo é vagaroso. O Congresso tem uma liturgia que anda bastante devagar. Enquanto isso, o auxílio emergencial é necessário neste momento. Mas, seria importante que houvesse um compromisso explícito e firme da classe política sobre a capacidade de entregar as reformas. O que não dá é fazer uma promessa no vazio: vamos gastar agora e, depois, vamos ver o que é possível. Ancorar essa discussão seria muito importante, assim como discutir a redução de despesas agora, dentro do Orçamento, buscar contrapartidas para abrir espaço para financiar esse auxílio emergencial.
O Orçamento de 2021 está em discussão. Mas, no meio do caminho, tem o teto de gastos. Dará para acomodar toda as demandas?
A beleza do teto de gastos é essa. Os recursos são escassos, há uma limitação de espaço e inúmeras prioridades. E o legislador e o Executivo, dado o Orçamento, devem indicar quais são as prioridades e apontar onde pode estar, mais ou menos, o espaço para eliminar algum gasto que tenha um multiplicador social e para economia muito baixo. Isso seria o ideal.
De quem é a responsabilidade de apontar onde cortar gastos, do governo ou do Congresso?
A responsabilidade é de todos. Mas todo mundo está tentando passar a batata quente para o outro. Acho que o ajuste fiscal é uma responsabilidade compartilhada do governo e do Congresso. As autoridades devem isso à sociedade. É uma responsabilidade compartilhada. Um legisla e outro toma a iniciativa, governa e gasta. Quem maneja o Orçamento é o governo. E quem aprova o Orçamento e as prioridades é o Congresso. Agora, não dá para fazer bonito e dizer: vamos gastar e o governo que se acomode e encontre uma maneira de enquadrar isso nas restrições orçamentárias. Um fica com o bônus e outro com o bônus. É importante que esse sinal de responsabilidade venha do Executivo e do Congresso para mostrar que está todo mundo na mesma página. Existe uma restrição orçamentária e é importante observar. Faz sentido estender um pouco mais o auxílio emergencial, mas também é imperativo encontrar uma forma responsável de fazer isso e mostrar que essa responsabilidade é compartilhada.
O senhor acha que é possível que esse auxílio acabe virando uma política populista do governo, de olho em 2022?
É possível, sim. Não digo que é o caso, mas é inegável que esse tipo de gasto terá um dividendo político muito claro. A popularidade do governo e do presidente Bolsonaro se fortaleceu no momento que o governo e o Congresso aprovaram o auxílio emergencial. Pelo próprio impacto que teve na sociedade e pela resposta rápida que deu a essa necessidade. É um risco. Não é um segredo guardado a sete chaves que gastar mais faz parte de uma agenda populista. Agora, há que se olhar para a questão fiscal. O Brasil já tinha uma situação fiscal extremamente débil antes da covid-19 e ficou mais débil com a pandemia. E isso significa que o país vai ter que iniciar ou reiniciar o ajuste fiscal em uma posição ainda mais frágil. Não dá para perder muito mais tempo. E volta um pouco aquela ideia de que não se pode fazer o que quer, mas o que se pode. É preciso entender que existe essa restrição. Se quiserem fazer uma alocação do gasto com viés mais pró-social, acho muito bem. Mas será preciso pensar em contrapartidas que tenham impacto menor na economia e na sociedade menor e ter a vontade política de eliminá-las.
Seria melhor turbinar o Bolsa Família em vez de retomar o auxílio emergencial? O programa tem se mostrado bem eficiente ao longo do tempo...
O Bolsa Família é um programa bem eficiente, certamente, poderá ser melhorado. Ele não é muito caro em termos de recursos orçamentários que estão alocados. Mas, aqui, há duas coisas que precisamos separar. Uma é o auxílio emergencial, que, dada à restrição criada pela pandemia, pois há indivíduos que perderam a renda, que não podem trabalhar porque o lugar onde trabalhavam está fechado ou estavam na informalidade. É o auxílio emergencial. Esse benefício está focado até que a emergência passe. Outra coisa é expandir a rede de proteção social, que é uma discussão completamente diferente. E tem um viés mais de médio e longo prazos. É possível aceitar, no curto prazo, ter algum gasto extra-teto por algum caráter emergencial que o motiva, mas não pode um gasto maior ou extra-teto para reforçar o Bolsa Família. Não tenho nada individualmente contra o Bolsa Família. Acho um programa ótimo, que pode ser melhorado e pode ser mais abrangente, mas tem que ser dentro da restrição financeira do Orçamento.
O Brasil pode ter um programa de renda mínima mais ampliado dado o aumento da pobreza e da miséria?
Pode, certamente. Possivelmente, até deva ter um programa de renda mínima. O Brasil gasta uma enormidade. Quando olhamos para a parte fiscal do Brasil é chocante comparado com outros países emergentes, a quantidade de grana que o país gasta e a quantidade de grana que o país tributa. Dito isso, de maneira muito simplista, o Brasil é um país que tributa muito, gasta ainda mais por ter um deficit muito elevado e investe muito pouco. Essa combinação é um mix muito ruim. Investe pouco e investe mal. Gasta muito e gasta mal. Há, aqui, uma agenda muito importante que seria gastar menos para reduzir a carga tributária e aumentar a eficiência da economia, mas também seria tão importante quanto gastar menos e gastar melhor. E, dentro dessa análise, realocar alguma despesa para uma vertente social para ampliar e reforçar a rede de proteção social não me parece ruim do ponto de vista social e do ponto de vista econômico.
Além do impacto social, o auxílio emergencial ajudou a salvar o PIB de um desastre mais em 2020…
Salvou o PIB a que preço? Os brasileiros compraram esse PIB. Foram gastos 8,5% do PIB (com medidas emergenciais). Todos pagaram e vão pagar por esse PIB. O endividamento público é a dívida de todos, e os brasileiros vão pagar por isso. Esse custo foi justificado plenamente naquela agonia da pandemia para se estruturar um programa rapidamente. Não foi o programa mais eficiente. Acabou por transferir demais recursos para estados e municípios e, talvez, o enfoque do programa, também, não foi muito eficiente. Muitas pessoas com acesso a esses recursos tiveram uma suplementação de renda e não algo para complementar a renda. Mas, então, entende-se que, na emergência da situação, esse tipo de ineficiência seja aceitável. É verdade que se conseguiu mitigar o impacto social. É inegável. E também é verdade que se teve impacto na economia. Mas é preciso, mais uma vez, separar. Eu não acho que não se deva gastar para estimular a economia. Acho, sim, que se deve gastar para minorar o impacto social. São duas questões completamente diferentes. Com a situação fiscal do Brasil, que gasta mal, não acho uma boa ideia usar o fiscal para estimular a economia com esse montão de dívida que o país tem. Seria bom aprovar as reformas para sanar a parte fiscal. Isso melhoraria os indicadores de confiança e o cenário para investimento. Seria um ajuste fiscal virtuoso, porque ajudaria na queda das taxas (de juros) longas e na melhora dos indicadores de confiança. É o investimento privado que, no final, vai alavancar o crescimento. O que estamos vendo hoje foi apenas uma retomada turbinada por um montante enorme de gasto público.
O senhor está confiante de que há um compromisso real com essas reformas? Até que ponto essa mudança no Congresso favorece isso?
É difícil avaliar. Primeiro, sou economista. não cientista político. Também não sou psicólogo. Mas, olhando para trás, é um pouco desalentador. O trabalho legislativo tem sido extremamente vagaroso. As reformas andaram pouco. Nas poucas reformas que avançaram, o conteúdo poderia ser mais forte, inclusive, a da Previdência. Na reforma previdenciária ainda foram mantidos muitos regimes especiais e privilégios. Deixou muitas pontas soltas e não incluiu os militares. Foi meio passo em frente. Poderia ter sido uma reforma muito mais contundente. E o que está me preocupando, hoje, é que, não só as reformas não avançaram desde 2019, como todo o trabalho legislativo foi lento dadas às necessidades e as urgências desde a crise de 2014 a 2016. Não estou tão otimista de que vão vir muitas reformas daqui para frente. Parece que o equilíbrio político com as mudanças nas presidências da Câmara e do Senado possa, momentaneamente, gerar algum ímpeto para algumas dessas reformas. Temo, no entanto, que o conteúdo deixe muito a desejar e, de fato, não faça muita diferença para a situação fiscal no curto prazo. É importante que as reformas avancem o mais rapidamente possível. Já estão extraordinariamente atrasadas, mas também é importante que o conteúdo seja forte para fazer a diferença.
Na emergência que vivemos hoje, qual deve ser o foco do governo, sobretudo, quando vemos o Executivo apresentar uma lista de 35 prioridades…
É ridículo.
Quem tem 35 não tem nada, não é mesmo?
É verdade. O importante é fazer o máximo possível nessa lista de 35. Há reformas macro e há reformas micro. Mas tem que tocar todas. Eu sempre achei um pouco esdrúxulo o argumento de que só se pode discutir um assunto de cada vez no Congresso. Tem várias comissões, por que só pode tocar um assunto de cada vez? Seria importante que os legisladores percebessem que a situação é crítica e a urgência do momento necessitam do avançar das reformas. Acho que a reforma administrativa é muito importante. A PEC Emergencial, também, porque dá um instrumental mais vasto para o gestor público manejar o gasto, que tem uma rigidez muito grande, pois dá os instrumentos e os gatilhos para manejar as despesas à medida que se aproximam do teto. Essas são as mais importantes, mas tem outras. Tem a PEC do Pacto Federativo e a PEC dos Fundos e a reforma tributária, certamente, que é um tema denso e complexo, que dificulta a aprovação. Mas essa reforma é muito importante. A carga tributária no Brasil é gigante, é enorme. O código tributário é bizantino. A carga tributária gera ineficiências enormes e tem instrumentos tributários altamente regressivos. Seria importante trabalhar um pouco isso, mas é um tema complexo.
É possível avançar com as reformas econômicas se existe uma pauta de costumes no centro das atenções do governo?
Eu não sei responder essa pergunta. Depende de como as lideranças do Congresso encararem esses temas. São prioridades de algumas partes do governo e do presidente Bolsonaro. Foi promessa de campanha e são assuntos que ele, certamente, está bastante empenhado em puxar, mas não sei se tem respaldo legislativo. Se é possível andar, é. Mas se avança ou não, eu não sei.
Mas, neste momento de emergência, o mais importante é que as questões econômicas tenham prioridade?
Eu diria que sim. É importante que, pelo menos essa parte fiscal, que já era extremamente frágil antes da pandemia e se tornou mais frágil, acelerasse o passo.
Muitos dos defensores do retorno do auxílio emergencial afirmam que outros países fizeram programas mais agressivos, sobretudo, na área social. Os Estados Unidos, agora, estão discutindo um novo pacote fiscal. O Brasil foi tímido? Por que alguns países podem ser mais agressivos do que o Brasil?
Não acho que o Brasil foi tímido. Pelo contrário. O país foi bastante voluntarista. O montante do socorro foi expressivo. Ninguém enriqueceu com o auxílio emergencial, mas, dadas as circunstâncias, acho que foi generoso. E alguns países fazem mais porque podem. Volto a essa questão: é importante que o auxílio esteja conectado à emergência sanitária e seja relacionado à restrição física da atividade criada pela pandemia. Ele precisa ser para o indivíduo que quer trabalhar e não pode, porque o restaurante onde ele trabalha está fechado. É uma outra discussão o instrumento de redução de pobreza e o reforço da rede de proteção social, como modernizando e ampliando o Bolsa Família. É uma discussão completamente diferente, que, mais uma vez, requer que o financiamento desses programas seja pensado de forma separada. Mas é uma discussão que vale a pena ter, a da renda mínima, com enfoque maior e, talvez, mais abrangente do gasto social e de como o país gasta os seus recursos, que são limitados.
Desde o início do governo, a equipe econômica critica a má alocação dos recursos, mas pouco fez para combater isso. Por que é difícil sair do discurso para a prática?
É mais fácil falar do que fazer. Cortar gastos tem uma briga política. E vemos, inclusive, essa briga política entre diferentes membros do governo. Alguém quer cortar, mas alguém acha que tem um custo político e não quer cortar, e o próprio Congresso resiste. Isso não é novidade. A teoria política do gasto é que é sempre mais fácil encontrar um amigo para votar com você para gastar mais, mas é sempre muito mais difícil um amigo votar com você para cortar o gasto. A ciência política do gasto exige pensar bem. Quando pensamos em criar um programa novo, há que se pensar em eliminar outro. Mas o Orçamento tem muita rigidez. O governo encontra-se bastante limitado na capacidade de fazer cortes. Mas poderia ter proposto um pouco mais e amarrado um pouco melhor o Orçamento. Precisa passar um pente fino e mostrar para a sociedade onde está o gasto pouco eficiente, o gasto mal alocado, o gasto com multiplicador econômico ou social muito baixo e propor a eliminação desse tipo de despesa. O Orçamento, no final, é aprovado pelo Congresso, mas o governo poderia ter feito mais nessa área sim.
O senhor está confiante com a economia brasileira? Quais as suas perspectivas em meio a todas essas incertezas?
Estou confiante com a economia, por razões circunstanciais. Mas isso não significa que estou confiante no médio e longo prazos. Estamos falando dessa retomada da crise provocada pela pandemia. Mas, em 2021, o crescimento não será genuíno, de investimento e de produtividade. O país ainda está tentando recuperar tudo aquilo que perdeu durante a pandemia. Houve uma queda abrupta e recorde durante o primeiro semestre de 2020 e, depois, uma retomada muito forte, em V, que foi uma combinação de muito estímulo monetário, fiscal, quase fiscal — por meio do crédito — e quase monetário, por intermédio de todos as medidas de provisão de liquidez que o Banco Central muito bem fez. E houve também o aumento da mobilidade, e isso gerou atividade. Até países que não tiveram esse tipo de estímulo que o Brasil teve também tiveram uma retomada em V. O México contraiu bem mais do que o Brasil, mas o V aconteceu, porque a economia foi reabrindo e gerou atividade. E esse processo de retomada ainda não está completamente terminado. Ainda há uma energia latente, que só vai terminar com uma campanha de vacinação e a conscientização para se atingir a imunidade de rebanho. A partir desse ponto, pode-se remover as restrições à atividade, e alguns setores, como o de serviços, que estão bastante impactados por conta da pandemia, comecem a operar em condições normais. Também estou otimista para 2021, porque o entorno externo está se tornando extraordinariamente favorável, com aumento significativo dos preços de commodities. Isso significa que os termos de troca do Brasil melhoraram bastante. Temos uma visão bastante construtiva de crescimento global e de expansão do comércio mundial. Isso é bom para o Brasil, embora o país ainda seja uma economia muito fechada para o comércio. As condições de liquidez global vão se manter bastante amplas e baratas, o que é importante para um país que tem uma taxa de poupança muito baixa. E temos também um ambiente de dólar fraco, que favorece um pouco o cenário. Então, as estrelas se alinharam do ponto de vista externo para criar um cenário bastante favorável para que essa retomada continue.
Quanto o país pode crescer neste ano?
Acho que há condições para que a economia brasileira cresça de 3,5% a 4%. Não é um crescimento genuíno. O país ainda estará correndo atrás do prejuízo. Eu digo hoje que o Brasil tem dois problemas: o endêmico e o pandêmico. O problema endêmico é o problema estrutural de longo prazo, e o pandêmico, o problema circunstancial, de curto prazo. Esse é o problema da pandemia, que só vai ser resolvido com a vacina e com o tempo. É um problema endêmico grave, é um problema sério, mas, por ironia do destino, se resolve com a vacina e com o tempo. O problema endêmico vem lá de trás e é mais estrutural e muito mais difícil de resolver em um país que tem uma taxa de crescimento de PIB potencial muito baixa, uma taxa de investimento muito baixa, uma taxa de poupança muito baixa. Investe pouco, poupa pouco e cresce pouco. Esse é o problema que se resolve com reformas. E não só com reforma fiscal. É preciso outros tipos de reformas, que deem alento ao investimento, que abram o país ao comércio mundial, que aumentem o capital humano.
E como está o cenário econômico para 2022?
Para 2022, quando, basicamente, for queimado esse combustível da retomada, o país volta àquela toada de crescimento morno, ou baixo, a não ser que venham reformas que mudem os indicadores de confiança. Aquelas reformas que equacionem de forma significativa a parte fiscal e outras que tornem a economia mais eficiente. Mas esse é um processo que eu não estou tão otimista.
O que estamos vendo é um processo muito lento e atrapalhado de vacinação. E vários bancos e consultorias estão revisando para baixo a previsão de crescimento deste ano e, inclusive, piorando as estimativas para o PIB do primeiro trimestre, que deve ser negativo, com chances de recessão técnica no primeiro semestre. Qual é o cenário que estão prevendo?
É parecido. Talvez uma pequena contração no primeiro trimestre e um segundo trimestre relativamente débil e, depois, com o processo de vacinação avançando, um crescimento mais robusto na segunda metade do ano. Veja que o carregamento estatístico de 2020 vai se aproximar de 3%, porque a economia cresceu bastante no segundo semestre do ano passado. Então, não dá para a gente se iludir e fazer uma “victory lap” (corrida da vitória) com o crescimento deste ano, porque, de fato, o crescimento sequencial vai ser relativamente pouco. Há uma herança estatística de 2020, pelo próprio perfil do crescimento, com queda no primeiro semestre e recuperação em V no segundo, que gera esse carrego estatístico bastante elevado. E, depois, em, 2021, temos um primeiro semestre ainda debilitado pela dificuldade logística da vacinação. Esperamos que esse crescimento se acelere de uma maneira mais visível na segunda metade do ano quando o setor de serviços prestados às famílias e outros ainda estão bastante impactados comecem a operar de uma forma mais normal.
Qualé sua expectativa em relação a juros à questão da inflação?
A inflação é sempre preocupante, seja alta, seja baixa. Quando está alta, é preciso se preocupar em baixá-la. Em quanto ela está baixa, é preciso se preocupar em mantê-la. E esse é o papel do Banco Central. A inflação hoje está relativamente elevada. Em janeiro, estava rodando em 4,56%, mas tem um choque enorme de alimentos. Houve também alguma pressão de bens industrializados. Um componente de demanda que foi facilitado pela generosidade do auxílio emergencial e, também, alguns problemas de oferta que, talvez, a indústria tivesse uma visão muito pessimista da retomada da economia e não trabalhou os estoques como devia trabalhar e depois foi surpreendida pelo vigor da demanda. Esses problemas, em princípio, se resolvem durante 2021.
Mas o Banco Central tem de aumentar os juros?
O juro básico está a 2% ao ano. A inflação está em 4,6% anuais e vai acelerar para acima de 6% daqui a uns meses, e o juro real hoje está muito negativo. Isso não é bom. Não só gera volatilidade no câmbio, como corrói as decisões de investimentos. Por outro lado, a economia está voltando. Hoje, ninguém está dizendo que não está obtendo recursos pelo custo proibitivo do crédito ou da taxa Selic, que caiu muito. Portanto, chegou a hora de começar, gradualmente, a normalizar a política monetária. Inicialmente, retirando esses elementos extraordinários da acomodação, mas deixando algum impulso ao crescimento. Esperamos que o BC comece e elevar a Selic entre março e maio. Vai depender um pouco dos dados. Talvez, já em março. No total a alta deve ser de dois pontos percentuais, para 4% ao ano.
A partir do segundo semestre, o Congresso vai se voltar muito para a questão eleitoral de 2022. Até que ponto isso atrapalha a aprovação de reformas e qual o impacto que isso teria na economia?
Pode atrapalhar sim, porque reduz a janela de oportunidade de aprovar essas reformas. É uma observação que é apenas factual, observando os ciclos políticos passados e, geralmente, nota-se que, chegando ao fim do ano, a cabeça política começa a mirar um pouco a eleição que se aproxima. E, com isso, o apetite para aprovar as reformas diminui, e algumas delas, por natureza, não são reformas populares. Estamos falando de ajuste fiscal. E ajuste fiscal não é carnaval, não é festa. É ajuste. Parte da ansiedade do mercado, hoje, é essa percepção de que não dá para perder muito tempo, porque essa janela de oportunidade para avançar nas reformas é pequena. Se não avançarem, seria muito ruim. É muito importante, daqui a três ou quatro meses, termos as reformas avançando com algum conteúdo bem delineado e já com alguns votos em nível de comissão, talvez alguns votos já no plenário, para ter uma ideia de que cara as reformas estão tomando. Também me preocupa um pouco continuarmos falando de reformas administrativa e tributária em termos abstratos. Quando se fala em termos abstratos, ninguém é contra. Mas, quando se entra um pouco no detalhe, a coisa complica um pouco mais, porque tem perdedores, tem ganhadores, e tem privilégios que não se manterão, o que torna o diálogo político menos fluído. E, aí, começam a surgir mais oposição e menos entusiasmo com as reformas.
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