A politização da vacina, os tropeços na condução do Plano Nacional de Imunização (PNI) e a falta de compromisso com o ajuste fiscal começam a cobrar a fatura do governo Bolsonaro. A confiança de empresários e investidores está desabando, assim como a popularidade do presidente. Segundo a última pesquisa do DataFolha, divulgada na semana passada, 40% dos entrevistados consideram o governo ruim ou péssimo. No levantamento anterior, eram 32%. A aprovação recuou de 37% para 31%. Não à toa, o desânimo chegou ao mercado. Em 2021, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) teve desvalorização de mais de 2%, quase zerando os ganhos de 2,9% do ano passado. O real não para de perder força ante o dólar, que subiu mais de 33% de janeiro de 2020 até sexta-feira.
Um dos motivos do recuo dos empresários — que apoiavam o governo enquanto Bolsonaro era apenas contra as restrições em nome da economia — é que, agora, o presidente parece adotar a mesma contrariedade em relação às vacinas, avalia Camilo Onoda Caldas, diretor do Instituto Luiz Gama. “Só que a vacina é consenso. Mesmo aqueles empresários que foram contra a quarentena para não perderem dinheiro querem a imunização. Bolsonaro tem uma posição ambígua em relação à CoronaVac, e falta organização no seu governo”, ressalta.
Caldas diz que a confiança desabou por conta dos problemas de ordem técnica do Executivo. “A começar pela nomeação de pessoas despreparadas. A crise de abastecimento de oxigênio em Manaus, por exemplo, foi falta de logística”, pontua. Não por acaso, a Procuradoria-Geral da República pediu a investigação do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, por suspeita de omissão no colapso na capital amazonense.
Segundo o diretor do Luiz Gama, a inabilidade política, sobretudo nas relações exteriores, compromete o plano de imunização. “O desgaste com a China, agora, cobra um preço. O Brasil conseguiu entrar em conflitos com várias nações. Tudo isso tem um custo”, ressalta. Para Caldas, os Estados Unidos compraram uma briga real com a China, por causa da expansão do 5G e da guerra comercial. “Bolsonaro foi imitar Donal Trump (ex-presidente americano) e conseguiu entrar num embate sem motivos. Todos os conflitos com nações estrangeiras — França, Alemanha e com o novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden — foram a título gratuito”, reitera.
Além disso, para o especialista, ao politizar a vacina com o governador de São Paulo, João Doria, Bolsonaro coloca seu objetivo eleitoral, com vistas à reeleição em 2022, acima do interesse nacional de saúde pública e no âmbito econômico.
Prejuízo
Na avaliação de Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), o governo não pode fazer do plano de vacinação uma disputa política. “É um embate que não tem nenhuma racionalidade e só prejudica a população. Não há alternativa para uma economia a não ser uma população saudável”, afirma.
O executivo ressalta que a “bateção de cabeça no encaminhamento das soluções” reduz a confiança do empresariado e do consumidor, com impacto nas atividades econômicas e na manutenção de empregos. “Precisamos acomodar a alta demanda por emprego por conta do fim do auxílio emergencial. Também é preciso equacionar as contas públicas. Não estamos numa situação confortável em termos de ajuste fiscal”, alerta.
Pimentel frisa, ainda, que, diante das eleições para as Mesas Diretoras do Congresso, os novos presidentes das duas Casas precisam garantir o andamento das reformas e dos novos marcos. “Isso é fundamental para o desenvolvimento nacional, assim como resolver a crise de saúde. Combinar isso vai exigir grande espírito de liderança”, assinala.
Gastos
Outra conta que está batendo à porta do governo é a dos gastos para combater os efeitos da pandemia, sustenta Davi Lelis, assessor da Valor Investimentos. “Houve muita injeção de capital e liquidez. Agora, os mercados estão sentindo o efeito colateral da vacina no campo econômico. Houve uma quebra de expectativa em relação ao cumprimento do teto de gastos”, enfatiza.
Ele acrescenta que, para piorar o quadro, a carestia voltou a incomodar. “Para controlar a inflação, é preciso subir juros. Porém, ao elevar as taxas, a dívida fica mais cara. Se não dá para fazer política monetária, sob pena de explodir o endividamento, a política fiscal é ainda mais essencial. Quando nenhuma das duas é respeitada, preocupa investidores e empresários”, explica.
Lelis lembra o movimento da Ford, que fechou três fábricas no Brasil. “É um fenômeno mundial de empresas enxugando cada vez mais. A Ford preferiu manter um nicho de mercado, optando por carros luxuosos, pickups, que dão mais margem de lucro. Porém, considerou os custos muito altos do Brasil, de impostos, encargos trabalhistas, e a energia, que é muito mais cara aqui do que no resto do mundo”, diz. Esse movimento de falta de confiança e saída de empresas do país pode ter continuidade, segundo ele, se o governo não mostrar comprometimento com as reformas e o ajuste fiscal.
Tal desconfiança justifica o movimento do mercado, neste início de 2021, com dólar em alta e Bolsa em queda. “Em um cenário de medo, há o que chamamos de flight to quality (voar para qualidade), movimento no qual o investidor busca ativos seguros, como uma moeda forte. O dólar em alta é um termômetro do medo. Uma hora a conta chega”, destaca. Analista de investimentos da Mirae Asset, Pedro Galdi compartilha dessa opinião. “Entendo que sem um plano organizado de vacinação a situação pode pesar na Bolsa”, ressalta.