A posse do democrata Joe Biden como presidente dos Estados Unidos, nesta quarta-feira, marcará uma nova página não só na história política da maior economia do planeta, mas, também, da diplomacia e do comércio globais, que voltarão ao multilateralismo e serão mais pautados por preocupações ambientais. Na avaliação de analistas, essa guinada afetará o Brasil se o governo Jair Bolsonaro não reverter os retrocessos na agenda ambiental e de relações externas, que atrapalharam a importação de vacinas contra a covid-19 e de insumos da Índia e da China. Segundo eles, os primeiros três meses de governo Biden serão decisivos para a relação bilateral deslanchar ou travar.
“A presença de Biden é mais positiva para o comércio global e para o multilateralismo, porque ele vai buscar um reposicionamento não apenas para os Estados Unidos, mas para o mundo em relação ao meio ambiente. É um cenário melhor, mas o Brasil precisará ter, minimamente, disposição política de se alinhar aos novos ventos”, avaliou o economista Mauro Rochlin, professor de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Rochlin lembrou que o governo tomou medidas equivocadas para o país apenas para tentar se alinhar aos EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC), como no caso da quebra de patentes farmacêuticas, colocando-se contra a Índia e África do Sul, contrariando posições anteriores. “O governo tem uma oportunidade para fazer uma inflexão no discurso radical, repensar alguns conceitos, mas não sei até que ponto estará disposto a isso”, afirmou. “O Brasil não poderá apostar na política isolacionista na área diplomática. Seria até ingênuo”, acrescentou.
O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos EUA, avaliou que as questões políticas não vão interferir na área comercial entre os dois países. “Há espaço para a expansão comercial, há muitos interesses. O comércio tem tudo para crescer, de forma independente”, destacou. Contudo, ele reconheceu que há complicações na área ambiental e “poderá haver consequências econômicas”. “Mas, eu acho que não vão ocorrer”, apostou.
De acordo com Barbosa, se as relações comerciais entre China e os EUA melhorarem, o efeito para o Brasil “será negativo”. “A questão é que o Brasil não pode tomar partido nesta luta pela supremacia comercial e tecnológica. Precisa ficar independente e decidir de acordo com o próprio interesse, tanto em relação à China quanto em relação aos EUA”, explicou.
Durante a campanha, Biden cogitou a possibilidade de aplicar sanções ao Brasil se não houver melhora nos indicadores ambientais. “Eu não descartaria esse risco, mas ele será maior ou menor, dependendo do posicionamento do governo brasileiro nos próximos meses”, destacou Rochlin.
Tropeços
Um consenso entre analistas é que as gestões do ministro Eduardo Araújo, das Relações Exteriores, e do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, foram desastrosas, a exemplo do que vem ocorrendo com Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde. Com a volta do multilateralismo, o Brasil corre o risco de ficar ainda mais isolado. Procurado, o Ministério das Relações Exteriores não comentou a posse de Biden, nem as críticas à política externa.
“O Brasil sempre foi reconhecido por ter um bom corpo diplomático. Se o país se isolar e não rever as estratégias, será muito ruim para a economia interna”, comentou o especialista em Relações Internacionais Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados.
O economista Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, está preocupado com o discurso de posse de Biden e que recado ele dará ao Brasil, caso cite o país. Em seu discurso no Senado, ontem, a nova secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, confirmou que a parte ambiental será uma das prioridades do governo Biden. “Nesse começo de ano, com o caso das vacinas atrasadas, estamos vendo como a postura ideológica do governo, que ficava tuitando e criticando governos estratégicos, está tendo consequências na economia”, destacou. “O desgaste com os chineses está afetando as importações de insumos. O Brasil corre o risco de ficar isolado”, alertou.
Bruce Ackerman, professor de direito na Universidade Yale, lembrou ainda que uma preocupação de Biden será trabalhar com a União Europeia para construir as bases democráticas para a aliança transatlântica, que foi abandonada por Trump. “Mas, outra prioridade será repudiar a colaboração de Trump com o seu companheiro autocrata Bolsonaro, a fim de deixar claro que ele assumirá um compromisso com a democracia na América Latina, recusando-se a fazer qualquer coisa significativa que poderá dar qualquer reforço autoritário a Bolsonaro”, afirmou. (Colaborou Nahima Maciel)