Com mais de 30 anos de experiência no mercado financeiro, Raul Moreira deixou a vice-presidência de negócios de varejo do Banco do Brasil em 2017 para comandar a empresa de benefícios Alelo. Hoje, é coordenador do Comitê de Inovação do Banco Original, um dos maiores bancos digitais do Brasil. E diz que esse processo transformação digital é inevitável no mercado financeiro. Por isso, embora prefira não avaliar a situação específica do Banco do Brasil, acredita que os grandes bancos devem acelerar esse processo para se manterem competitivos.
O senhor foi vice-presidente do BB e hoje trabalha em um banco digital, o Original. Por que a mudança?
A digitalização dos bancos é uma agenda inevitável. Nos próximos cinco anos, o sistema financeiro vai mudar significativamente, diante da chegada das fintechs e dos bancos digitais, que vêm com muita força; da nova regulação dos meios de pagamento, cujo principal acelerador é o Pix; e das mudanças que ainda vão vir, como o open banking, que deve gerar um movimento muito grande na indústria financeira. Então, inevitavelmente, vamos ter um mercado completamente diferente daqui a cinco anos. Não quer dizer que os grandes bancos não terão um papel importante, mas a transformação digital é uma agenda inevitável para que continuem tendo uma posição relevante e para a sobrevivência de qualquer banco.
Medidas como o Pix e a pandemia de covid-19 aceleraram esse processo?
Existem três forças atuando nesse sentido simultaneamente. Temos o novo marco regulatório, que é pró-competição, pró- mercado. Temos a mudança de comportamento do consumidor, que está muito mais propenso e confiante a usar soluções digitais, buscar uma experiência melhor, que pode não envolver o trânsito físico em agências bancárias, e buscar preços melhores, mais competitivos. Por fim, temos a força da tecnologia, cuja evolução viabiliza a transição regulatória, o novo comportamento do consumidor e a nova dinâmica do mercado. E a pandemia atuou de forma intensa no comportamento dos consumidores, aflorando a necessidade de o mercado brasileiro avançar na inclusão financeira digital. Então, se os bancos tradicionais quiserem se beneficiar da inclusão bancária, vão ter que se digitalizar. É indiscutível que a digitalização é o caminho principal a ser cursado pelos bancos brasileiros para terem competição com os novos entrantes do mercado financeiro, sejam os bancos digitais ou as fintechs. O que vimos até agora é só a ponta do iceberg de um processo que vai acelerar nos próximos anos.
Se é só a ponta do iceberg, para onde o mercado caminha?
Para um mercado mais aberto e mesclado, em que teremos fintechs relevantes, bancos digitais relevantes e bancos tradicionais, sobretudo os que conseguirem fazer a digitalização. A competição vai ser inevitável. Serão vários players competindo e tudo isso sedimentado em uma nova regulação e na evolução tecnológica, na qual os dispositivos móveis vão ganhar cada vez mais importância.
Como se adaptar a esse novo mercado?
Os bancos já vêm anunciando diversas iniciativas de transformação digital. Ainda há sistemas e processos que precisam ser revistos, além da cultura das instituições. Mas é algo que já vem acontecendo nos últimos cinco anos. Agora, esse processo se tornou mais intenso porque os movimentos regulatórios e o comportamento do consumidor provocam os bancos tradicionais a acelerarem esse processo e também provoca os bancos digitais a se tornarem bancos mais completos.
A adaptação passa, necessariamente, pelo enxugamento da rede de agências e do quadro de pessoal?
Depende da estratégia de cada banco. Não me cabe julgar casos específicos, porque cada um vai ter seu jeito de fazer a transformação digital, de acordo com as características com que cada um quer competir e ser relevante no mercado. Existem instituições que enxugam, outras revisam a proposta de valor. E não é só enxugar, mas também reestruturar a estratégia, a tecnologia e a forma de atuação. Não existe uma fórmula única. É importante respeitar a fórmula de cada um. Porém, os grandes bancos têm desafios nesse sentido, em função de forças que atuam de forma simultânea.
Há muita resistência a esses projetos. Como equilibrar essas forças?
O equilíbrio passa pela mudança cultural. É preciso buscar engajamento da sociedade e das pessoas envolvidas. A inclusão digital e financeira da população são inegáveis. Quer queira, quer não, vai acontecer. Mas também é preciso transformar a cultura da organização e da sociedade, não basta ter tecnologia e enxugar. E isso passa pela educação digital do consumidor.
O senhor acredita que isso vem acontecendo no Brasil?
Sim. É lógico que um processo de reestruturação gera turbulência no sistema financeiro como um todo, mas vejo os bancos públicos e privados engajados nesse sentido da transformação tecnológica e cultural, cada um com suas particularidades.
Qual o risco de não trilhar esse caminho?
Quem não fizer a transformação cultural e digital vai ter bastante dificuldade para operar no mercado dos próximos anos. Não é uma questão de escolha, mas de como fazer da forma mais eficiente e com foco, cada vez mais, no consumidor. A experiência do consumidor, com o menor custo, é a chave da sobrevivência das instituições financeiras, das fintechs e dos bancos digitais.