Caso Ford: indústria cobra reforma tributária

O presidente da Associação Nacional de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, rebateu a declaração do presidente Jair Bolsonaro, de que a Ford deixou o país porque queria mais benefícios. “Não quero politizar o assunto, mas a crise expôs o Custo Brasil”, afirmou, fazendo uma analogia com secas em reservatórios. “Quando a água desce, os esqueletos e as carcaças aparecem.”

“Estão politizando um tema muito sério nos últimos dois dias. É natural. Governadores, prefeitos mostraram preocupação legítima. Mas não deveríamos discutir quem é o culpado, mas como resolver o problema. Nesse caso concreto, como atacar as distorções. Não dá mais para esperar a reforma tributária”, alertou. Segundo ele, o timing político altera as verdadeiras prioridades. “A prioridade é da economia e não do calendário eleitoral”, disse, referindo-se ao compasso de espera do Congresso, cujas mesas diretoras têm eleições em 1º de fevereiro.

Segundo Moraes, a Anfavea vem batendo na tecla de reduzir o Custo Brasil há dois anos. “A indústria passa por uma grande transformação, baseada em conectividade, veículo autônomo, serviços e eletrificação. Os investimentos para isso são altíssimos e as matrizes deixaram de mandar dinheiro para as montadoras do Brasil”, ressaltou. Entre 2010 e 2020, o saldo líquido entre o que as sedes mandaram e o que as filiais devolveram em dividendos foi de US$ 24 bilhões para as montadoras do Brasil. “A partir de agora, não vão mais receber dinheiro lá de fora. Então, temos que reduzir custos e aumentar a competitividade”, disse.

O executivo chamou a atenção ainda para a ociosidade da indústria no Brasil, que está acima de 2,2 milhões de unidades, e em todo o mundo. “O mercado global, que era de uma produção de 91 milhões de veículos, deve ficar entre 73 milhões e 75 milhões por conta da pandemia. Há ociosidade na Alemanha, na Coreia, no Japão e nos Estados Unidos”, assinalou. “Só há duas alternativas para acabar com a ociosidade. Uma é fechar as fábricas. A outra é aumentar a competitividade e reduzir a carga tributária para voltar a crescer e conseguir exportar”, explicou.

Moraes frisou que o Custo Brasil tira competitividade dos produtos feitos o Brasil. “O setor perdeu R$ 37 bilhões com burocracia em 2019, porque 1,2% da receita da indústria é gasto para emitir relatório, adaptar sistemas, preencher papel. O acordo com a União Europeia vai reduzir o Imposto de Importação ano a ano. Temos data para atacar o Custo Brasil, porque a abertura está ocorrendo”, alertou. Além do custo com a burocracia, Moraes elencou o resíduo tributário de 12% no Brasil, gasto que outros países não têm. “Temos um custo de US$ 1,5 trilhão acima da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em logística, infraestrutura e impostos”, comparou.

Incentivos
Moraes também explicou que, entre 2012 e 2017, o programa Inovar-Auto dava 30% de apoio a investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D). “Isso gerou R$ 5 bilhões por ano. Este tipo de apoio ocorre em todos os países, com outros formatos”, ressaltou. “No Brasil, a pesquisa resultou em 12% de redução no consumo dos veículos. Uma eficiência energética que garantiu economia de R$ 7 bilhões em despesas com combustíveis”, disse.

O Inovar-Auto foi substituído pelo Rota 2030, que reduziu os 30% destinados a P&D para 12,5%, a serem utilizados em Imposto de Renda, caso as empresas tenham lucro. “Como algumas não vão ter lucro, apesar de terem feito P&D, não vão recuperar”, alegou.

Moraes disse que, se a carga tributária no Brasil não fosse tão alta, tais benefícios não seriam necessários. “Parece um comerciante na Black Friday, que aumenta o preço e depois dá um desconto. O benefício reduz uma carga que é superdimensionada. É preciso deixar claro que não é dinheiro que entra no bolso da montadora, vai para pesquisa com vantagem para a sociedade como um todo”, acrescentou.

O presidente da Anfavea disse ainda que o setor automobilístico tem R$ 25 bilhões em créditos tributários a receber. E cobrou transparência sobre os valores que deveriam ser reembolsados às empresas e estão represados. “Não querem discutir benefícios e incentivos? Ok, então vamos falar de crédito tributário. Temos sugestões para monetizar o crédito”, disse.