Infraestrutura

Buser denuncia fiscalização da ANTT; órgão regulador fará apurações

Aplicativo de intermediação de viagens e fretadores questiona apreensões e formaliza queixa na Agência Nacional de Transportes Terrestres, que sustenta imparcialidade do corpo técnico

A plataforma digital de intermediação de viagens rodoviárias Buser denunciou agentes de fiscalização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) por manipulação de autos de infração com o objetivo de “perseguir empresas de fretamento”. O aplicativo, considerado o Uber dos ônibus, já teve o serviço proibido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que determinou a paralisação de vendas de passagens para viagens interestaduais regulares. Para a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), os fretadores e a Buser querem o bônus de entrar no mercado regular sem arcar com o ônus, de cumprir as exigências da legislação.

Segundo a Buser, um exemplo da manipulação dos autos pelos fiscais aconteceu em Brasília, no último dia 8. Quatro ônibus que saíam da capital federal com destino a São Paulo e a Belo Horizonte foram apreendidos sob a acusação de realizarem viagens de maneira irregular. “A medida causou surpresa aos proprietários das empresas de transporte, uma vez que o termo de apreensão apresentado pelos agentes estava previamente preenchido por computador nos boletos, denotando assim uma ação coordenada contra a atuação das viagens intermediadas por aplicativos”, informou.

Em todos os autos de infração, a cujas cópias o Correio teve acesso, há um mesmo trecho: “Veículo flagrado realizando o transporte clandestino de passageiros, com cobrança individual de valores, de acordo com o relato dos passageiros.” De acordo com a Buser, antes mesmo da blitz, os agentes da ANTT contavam que haveria relatos idênticos dos passageiros, corroborando a tese da irregularidade.

Perseguição

Marcelo Abritta, CEO da Buser, afirma haver uma perseguição por parte dos agentes de fiscalização da ANTT. “Os autos de infração se baseiam em uma norma considerada inconstitucional. Os tribunais reconhecem isso e o próprio governo federal está empenhado em modernizar as regras do setor, que emprega centenas de milhares de pessoas e paga tributos como qualquer empresa, sem receber um único centavo de incentivo fiscal”, defendeu o executivo.

Segundo ele, há uma intenção de passar a imagem de que as viagens fretadas representam perigo para os passageiros. “Os veículos apreendidos eram novos, dois deles fabricados em 2020, com custo superior a R$ 1,2 milhão cada. O valor é muito maior do que os ônibus de viagem que se encontram nas rodoviárias brasileiras”, sustentou Abritta.

Procurada pelo Correio, a ANTT informou que os relatos feitos serão encaminhados à superintendência de Fiscalização. “A agência, ao receber a formalização na ouvidoria com os detalhes do ocorrido, fará as devidas apurações internas. Cabe enfatizar que a fiscalização da agência atua em estrito cumprimento de decisões judiciais e da legislação vigente, que determinam a fiscalização de irregularidades no transporte rodoviário e passageiros”, esclareceu a agência, em nota. “A agência reitera que seu corpo de servidores federais atua de forma imparcial e em observância aos princípios éticos que norteiam a administração pública federal”, completou.

"Esperneio"

Conselheira da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), Letícia Pineschi rebateu as afirmações da Buser. Ela afirmou que as queixas de perseguição e o argumento de que os veículos de fretamento oferecem mais segurança do que o serviço regular não encontram respaldo na realidade. “As decisões de tribunais contra a Buser não são isoladas. No caso da região Sul, a decisão foi confirmada pelo TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). Isso é um esperneio, com algumas inconsistências”, argumentou.

Segundo ela, não existe mais concessão no transporte rodoviário. O atual regime é autorização, e qualquer empresa de fretamento que tenha interesse pode operar no mercado regular, desde que cumpra as normas e a tributação. “No ano passado, foram 12 mil autorizações, entre empresas e novos trechos. Quem atender às exigências pode entrar no mercado. A questão é que o fretamento não tem uma série dessas exigências”, observou Pineschi.

A conselheira da Abriti listou, como exemplos, a obrigação de uma frequência mínima; certidões em dia; registro de todos os motoristas em carteira; capacitação e treinamento dos condutores; exames toxicológicos regulares; e atendimento às gratuidades previstas em lei. Além disso, continua Pineschi, o mercado regulado é taxado pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cuja alíquota é de até 18%. O fretamento está sujeito ao Imposto sobre Serviços (ISS), com alíquotas entre 2% e 6%. “Quem paga é o passageiro, mas a tributação torna o serviço mais ou menos competitivo”, alegou.

Serviço customizado

Outra obrigação do mercado regulado, segundo a conselheira da Abriti, é o atendimento físico para aquelas pessoas que ainda não estão inseridas no mundo digital. “Essa estrutura encarece, assim como aquela necessária no trecho. As empresas regulares têm de dar socorro para o passageiro onde ele estiver, portanto, a cada 400 km é necessário um ponto de apoio”, acrescentou.

Letícia Pineschi explicou que o fretamento é um serviço privado, legítimo e regular. “A questão é que fazer serviço público sob o olhar do privado é injusto. Seria o mesmo que não oferecer mais ônibus urbano porque há Uber. O privado é flexível, é um serviço customizado. O regulado tem que cumprir obrigações”, reiterou.

A conselheira da Abrati questionou ainda qual seria o interesse da ANTT em perseguir o setor. “A fiscalização não quer tirar A, B ou C do mercado. As apreensões têm base na segurança. Os dois últimos acidentes com morte foram de ônibus fretados. Aliás, 80% dos acidentes que ocorrem são de transporte clandestino”, disse. “O sistema liberal é interessante para o empreendedor, mas estamos lidando com pessoas, não com mercadorias”, completou.

Reserva de mercado

A discussão, de fato, lembra a disputa de mercado entre Uber e taxistas. Enquanto a Abrati representa as empresas consolidadas há décadas no transporte rodoviário interestadual, a Buser é uma startup da nova economia que une oferta à demanda no setor de fretamento. Sobre ônus e bônus, a Buser informou que o modelo de fretamento colaborativo está submetido à mesma carga de impostos e obrigações. “Além disso, as empresas de fretamento que atendem por aplicativo possuem mais itens de segurança."

Além das regras exigidas pela ANTT, a startup explicou que exige de suas parceiras a inclusão de itens de segurança, como um software de sensor de cansaço para avaliar se o motorista está com sono e telemetria para verificar a velocidade dos veículos em tempo real. "As empresas que atuam pela plataforma também contam com dois motoristas em trechos longos e um segundo seguro de vida para os passageiros pago pela Buser", destacou.

Em relação aos impostos, segundo a Buser, o ICMS também incide sobre as empresas de fretamento de ônibus, que ainda recolhem ISS em função da intermediação da viagem praticada pela empresa de tecnologia. "Por outro lado, empresas do transporte público, a depender do estado, podem contar com isenções sobre o transporte, aquisição de combustível e IPVA. Ou seja, a carga tributária do fretamento colaborativo é, na verdade, maior”, explicou a plataforma.

Sobre a frequência mínima de viagens, de acordo com a Buser, a ANTT vem discutindo, desde 2019, essa questão, que era uma característica da época das permissões e não vigora no atual sistema de autorização. “As plataformas de fretamento colaborativo estão à disposição para tratar sobre gratuidade nos seus serviços. A Buser defende o direito à livre iniciativa e acredita na oferta de condições para que todos que querem empreender tenham as oportunidades que hoje estão concentradas nas mãos de poucos. Por isso, sai em defesa de seus parceiros fretadores de todo o Brasil que lutam para oferecer um transporte de alta qualidade a preços muito mais baixos, beneficiando toda a população”, informou a plataforma.