GUSTAVO LOYOLA

'Dois anos de governo foram decepcionantes', aponta ex-presidente do Banco Central

Gustavo Loyola afirma que visão ideológica do presidente atrapalhou muito o Brasil, sobretudo durante a pandemia, e retomada econômica poderá se complicar se reformas forem relegadas pelo Congresso. Ele prevê crescimento para este ano entre 3% e 3,5%

O economista Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central, classifica a primeira metade do governo Jair Bolsonaro como “dois anos muito decepcionantes”, pois “entregou muito pouco”. “A verdade é que nós não tivemos avanços, e, pior, com um efeito não apenas do lado humanitário e social, mas, também, do econômico”, afirma. Ele acredita que o governo jogou fora a oportunidade de ter uma agenda mais liberal, “por causa de um certo obscurantismo em questões de costumes”.

Loyola avalia que houve ações equivocadas do governo durante a pandemia, em razão de uma “agenda muito ideológica”. Do ponto de vista de medidas fiscais e monetárias, diz, o Brasil fez o mesmo que o resto do mundo, a resposta foi “razoavelmente adequada”.

Para o economista, o Banco Central “funcionou muito bem na crise”, mas reconhece que, apesar de a taxa básica de juros (Selic) estar no menor patamar da história (2% ao ano), “isso não é condição suficiente para o crescimento econômico”. No entender dele, o Brasil carece, hoje, de uma liderança política que una o país em torno de um projeto desenvolvimento inclusivo. “Mas (um líder) precisa saber usar o sistema político com respeito à democracia, com respeito às instituições, para evoluir”, frisa.

Loyola diz que os dois anos de governo Bolsonaro foram piores do que “o período de mediocridade da gestão de Dilma Rousseff”. “Tivemos uma presidência muito medíocre com Dilma Rousseff. Foi, de fato, um período de mediocridade, para dizer o mínimo. E, infelizmente, nós não revertemos isso”, lamenta. Apesar disso, ele acredita que 2021 será positivo, com crescimento entre 3% e 3,5%.

Na avaliação de Loyola, o Brasil não está quebrado. “O país tem uma situação fiscal delicada, que exige cuidados, mas não está quebrado. Um país como o Brasil não pode estar quebrado. Foi o governo que entrou em agendas erradas, como a ambiental. O Brasil poderia ser um líder no mundo nessa questão”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.

O governo Bolsonaro completou dois anos. Quais foram os avanços e as decepções?

Foram dois anos muito decepcionantes. Quando o Brasil e o mundo se defrontaram com a crise da pandemia da covid-19, a nossa resposta foi muito equivocada, em vários aspectos. Do lado econômico, foi razoavelmente adequada, pois não se diferenciou muito do resto do mundo. O governo criou estímulos para a atividade privada, com vários programas de crédito, diminuição da carga tributária, programas de manutenção do emprego e o auxílio emergencial. Foi tudo dentro daquilo que era esperado e que o mundo também fez. Mas acho que o governo Bolsonaro, primeiro, entregou muito pouco, em termos de reformas nesse período. Não atribuo, totalmente, a culpa ao governo em si, mas a verdade é que nós não tivemos avanços, e, pior, com um efeito não apenas do lado humanitário e social, mas, também, do econômico. A abordagem que o Brasil teve em relação à pandemia foi muito equivocada, como a questão do negacionismo, a falta de coordenação entre os governos federal, estaduais e municipais, que é fundamental em uma federação como o Brasil, em que as responsabilidades são compartilhadas. A atuação do nosso presidente foi muito equivocada, para dizer o mínimo.

Bolsonaro diz que não pôde fazer nada por culpa do STF, que tirou a responsabilidade dele e transferiu para governadores e prefeitos.

Não é verdade. Não estou tirando a responsabilidade das outras esferas de governo, do Legislativo e do Judiciário, e dos governos estaduais e municipais. Mas é bom lembrar que, em repúblicas presidencialistas, como o Brasil e os Estados Unidos, o presidente da República é a referência. Ele é o farol, é a pessoa que tem que coordenar os esforços. Pode até não dar certo. Mas, pelo menos, esse esforço tem que ser feito. E, aqui, o presidente seguiu uma agenda muito ideológica, de divisão, criando atritos, restringindo diálogos. Isso foi muito ruim no combate a pandemia. É claro que tem outras questões. A sociedade brasileira se mostrou com uma coesão social muito menor do que seria ideal. Pessoas com atitudes muito mais egoístas, e alguns setores empresariais, também, não todos, porque houve muitas empresas fazendo esforços para ajudar. Tudo isso é muito negativo, mas o país tem as suas complexidades.

Por que o Brasil é complexo?

Uma coisa é lidar com uma pandemia dessa natureza em um país como o Brasil e, outra coisa, é lidar em um país como Israel, só para citar uma nação que está muito adiantada na vacinação. Claro que a complexidade num país como o Brasil é muito grande. Temos que ter uma atenção muito especial para as questões relacionadas à atividade econômica, como emprego. Mas, se não afastarmos o risco da pandemia o mais rapidamente possível, a recuperação econômica fica adiada e precária. Então, não acho que exista trade off, dilema, entre isolamento social e economia. Acho que, a curto prazo, o isolamento social traz, de fato, uma depressão na economia, mas se abre espaço para uma recuperação mais rápida. Faltou essa visão ao governo, e o Brasil padece disso.

Mas o PIB acabou não caindo tanto quanto as estimativas iniciais no meio da pandemia em 2020.

Uma queda do PIB de 4,5%, em 2020, em relação ao que aconteceu no mundo, não é das piores. O Brasil está na mediana do mundo, em termos de desempenho da economia, mas muito atrasado na vacinação. Poderia estar mais adiantado nisso. Houve a divulgação do número (de eficácia) da CoronaVac (de 78%), que é bastante razoável. O governo de São Paulo tem um plano. Mas a verdade é que o país perdeu o que tinha de melhor. O Brasil sempre foi reconhecido no mundo como um grande sucesso em questões de vacinação, em programas de saúde pública, como no combate a Aids. Mas claro que esse sistema vinha se deteriorando e desempenhando mal no combate a doenças relacionadas a dengue e à chikungunya desde os governos do PT. Enfim, essa questão do negacionismo e, mais do que isso, essa ideia de dividir a sociedade, nos prejudicou bastante. Mas, dito isso, não estou pessimista com o Brasil.

O Brasil está quebrado, como o presidente afirmou?

O Brasil não está quebrado. O país tem uma situação fiscal delicada, que exige cuidados, mas não está quebrado. Um país como o Brasil não pode estar quebrado. Foi o governo que entrou em agendas erradas, como a ambiental. O Brasil poderia ser um líder no mundo nessa questão de preservação do meio ambiente. Não tem que levantar a ideia de que os europeus destruíram suas florestas. A verdade é que nós temos as nossas, e a gente tem condição de criar um novo marco econômico, vamos dizer assim, social, baseado na sustentabilidade. Os avanços da tecnologia permitem, hoje, termos agricultura e pecuária muito mais favoráveis ou benéficas ao meio ambiente do que as praticadas na Europa no fim do século XIX e no início do Século XX. Então, por que tentar repetir o que eles fizeram há 100 anos ou 150 anos? É outro mundo.

A agricultura brasileira pode dar sua contribuição ambiental?

Sim. Como venho de uma região do agronegócio (Goiás), vejo que a maioria dos nossos produtores têm consciência, com uma área de preservação, e procuram manter a cobertura vegetal das matas ciliares, onde há nascentes. Tudo isso dá para conciliar, muito bem, uma agricultura moderna, uma pecuária moderna, com uma preservação do meio ambiente. Mas ainda criamos um atrito absolutamente inexplicável com a China, que é nosso parceiro comercial mais importante. Não quero dizer aqui uma visão ingênua da relação com a China. Eles têm os interesses deles e nós temos os nossos. Mas é nosso parceiro comercial, e, da mesma forma, com os Estados Unidos, que é um país importante parceiro comercial e político do Brasil. Não é porque o presidente de lá conhece o filho do presidente daqui que se baseia um relacionamento de médio e longo prazos, duradouro do ponto de vista político e econômico.

O governo Bolsonaro poderia ter entregado mais?

Com certeza. O governo Bolsonaro poderia ter entregado mais. Entregou medidas interessantes do ponto de liberalização dos negócios, de desburocratização e a aprovação de alguns marcos importantes, como o marco regulatório do saneamento básico e a nova lei de falências. Se aprovada a questão do marco regulatório do gás, será importante. O ministro (da Economia) Paulo Guedes tem uma visão interessante, do ponto de vista econômico, e tem bons auxiliares. Eu diria que o Banco Central tem feito um trabalho excepcionalmente bom. Acho que o BC funcionou muito bem na crise e tem trazido reformas importantíssimas no mercado financeiro. Então, eu diria que houve avanços. Mas acho que jogamos fora a oportunidade de ter uma agenda mais liberal, que se contrapõe a uma agenda mais intervencionista, por causa de um certo obscurantismo em questões de costumes, questões sociais.

O senhor fala em avanços por parte do BC, mas a taxa Selic, no menor nível da história, não está surtindo efeito na atividade. Por quê?

O Banco Central pode muito, mas não pode tudo. Ele pode influenciar a demanda no curto prazo, estimulando ou diminuindo a demanda. Porém, com relação às questões de mais de longo prazo, o papel do Banco Central é assegurar a estabilidade financeira, um ambiente com inflação baixa e tal. Mas isso não é condição suficiente para o crescimento. É condição necessária. O grande problema do Brasil, quando a gente olha em uma perspectiva mais de médio e longo prazos, é o baixo crescimento da produtividade. Acho que aí, uma grande falha do governo atual, é que ele poderia ter atuado de maneira muito mais efetiva na remoção dos obstáculos ao crescimento. Isto é, criar um ambiente de negócios mais favorável ao desenvolvimento econômico.

Em que momento ocorreram esses erros?

Nós tivemos, durante os governos petistas, principalmente, a partir do final do segundo mandato do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e durante todo o período da presidente Dilma Rousseff, uma deterioração desse ambiente de negócios. E a visão liberal que vinha, principalmente, do ministro Paulo Guedes poderia ter contribuído muito mais a esse respeito, melhorando esse ambiente. Houve uma reversão importante durante o interregno do presidente Michel Temer, com correção de rumos em várias áreas, com reformas importantes, como a trabalhista, o teto dos gastos. Já o governo do presidente Bolsonaro teve, na reforma da Previdência, uma vitória importante. Apesar de todos os defeitos do Congresso, o Legislativo tem uma visão mais liberal, mais favorável a alguns tipos de reformas que são fundamentais.

Os próximos dois anos serão melhores?

Eu acho que, em 2021, temos uma janela de oportunidade. Vejo essa oportunidade para o Congresso e o Executivo aprovarem mudanças que podem ser muito importantes, principalmente, na questão tributária. Temos um sistema tributário muito ruim, disfuncional, que conspira, que atenta contra a produtividade, porque é regressivo. Temos uma tributação do Imposto de Renda que tributa pouco os mais ricos e temos um gasto público que é concentrador de renda. Portanto, é preciso uma reforma. Nós temos uma discussão hoje, por exemplo, a questão da prorrogação ou não do auxílio emergencial ou a ampliação de um programa de renda. Eu sou muito favorável que haja um programa de distribuição de renda no Brasil. É claro que eu vejo o Bolsa Família como uma base importante para isso, mas é preciso ter financiamento adequado. E o financiamento tem de vir não apenas da redução de algumas despesas do Estado, mas, também, uma mudança do nosso sistema tributário. Precisa, de fato, de uma mudança. Há liderança para isso? É a pergunta que se faz.

Essa liderança deveria vir do governo, mas as propostas do Executivo não são claras. Falta foco?

Sim. O governo não conseguiu construir uma proposta de reforma tributária coerente, que mantivesse uma unidade. Não adianta o ministro da Economia, o secretário-executivo e as pessoas que trabalham no ministério desejarem ou manifestarem opiniões sobre determinada política. Não é só mandar para o Congresso, que é um reflexo da sociedade brasileira. É preciso negociar com o Legislativo. Ele é o povo. Você pode achar que o povo está errado, mas, enfim, é o povo. O Poder Executivo precisa saber negociar com o Congresso. Vi que os presidentes que foram mais bem-sucedidos no Brasil foram os que conseguiram mobilizar o Congresso para uma agenda positiva. Não é esse negócio de velha política, de nova política. É a política, com seus prós e contras. É preciso saber usar a base política para evoluir. O país pode evoluir muito na reforma tributária, na mudança de algumas legislações regulatórias e na reforma administrativa também.

Mas o senhor não se refere a essa proposta que está no Congresso Nacional, certo?

Isso. Acho que a proposta de reforma administrativa que está lá é tímida, insuficiente. O governo vai queimar cartucho com algo que vai dar pouco resultado. Mas eu vejo 2021 como um ano que vai ter grandes oportunidades para o Brasil.

O senhor fala dessa janela de oportunidade no Congresso em 2021. A eleição para as presidências da Câmara e do Senado pode atrapalhar ou contribuir para o andamento dessa agenda?

Eu gostaria que tivéssemos nas presidências da Câmara e do Senado pessoas que fossem capazes de dialogar com o Executivo. Se tivessem opositores, seria ruim, mas não significa que, nesses postos, possam ter capachos e que não conseguem liderar as Casas. O grande ponto é a liderança. O presidente da Câmara e o presidente do Senado, em primeiro lugar, precisam ter o respeito de seus pares. Eles têm que ser capazes de dialogar dentro das respectivas Casas do Congresso e saber dialogar também com o Executivo. E esse diálogo é um diálogo entre iguais, e não de submissão. É um diálogo em que o Executivo tem que estar preparado, saber que não vai vencer todas as batalhas.

O ideal sempre é o equilíbrio entre os Poderes. Esta balança está desequilibrada por falta de liderança?

Exatamente. O país carece de liderança política. Eu acho que nós tivemos uma presidência muito medíocre com Dilma Rousseff. Foi, de fato, um período de mediocridade, para dizer o mínimo. E, infelizmente, nós não revertemos isso.

Vê possibilidade de se repetirem no Brasil as cenas ocorridas nos EUA? Bolsonaro cogitou esse risco em 2022.

A declaração de Bolsonaro me deixou preocupado. A ideia de que se houver o voto eletrônico, pode acontecer isso. É meio ridículo. Até hoje, não consegui entender porque o voto impresso traz alguma segurança adicional ao sistema. Não consigo entender o porquê. Mas, assim, é uma ideia prévia para você questionar um resultado futuro. Isso me preocupa.

O presidente questiona o sistema pelo qual ele foi eleito. Então, será possível questionar o mandato dele também?

Isso. Ele mesmo fala que a própria eleição teria tido problemas. A questão da fraude eleitoral precisa distinguir entre uma fraude sistêmica, que altere substancialmente o resultado de uma eleição, de uma fraude pontual. Isso é uma coisa importante. Nosso sistema eleitoral é seguro. E entrega aquilo que a sociedade está pedindo dele. Pode até ter uma fraude pontual. Mas é, fundamentalmente, um sistema seguro.

Mantido o atual tensionamento político, como fica a confiança dos agentes econômicos e o crescimento econômico?

Acho que 2022 pode ser um ano mais complicado do que 2021, no sentido de que é um ano eleitoral. E, dependendo de como andará a disputa, até porque vamos começar a olhar a programática dos candidatos e a reação do presidente, que é, obviamente, candidato à reeleição, podemos ter um ambiente em 2021 muito tensionado do ponto de vista dos investidores. O investimento que o Brasil precisa é o de longo prazo. Então, quando se investe em setores, principalmente, os regulados, como energia, é preciso ter uma mínima garantia de manutenção das regras do jogo. A esquerda brasileira é ultrapassada, ainda vive no mundo de 1917 em muitas coisas. Não conseguimos produzir uma esquerda moderna, com raríssimas exceções. E a direita escorregou para o extremo. Ficamos sem um centro, que, enfim, para mim, é o que define tudo. É uma posição mais equilibrada entre as várias demandas da sociedade. A sociedade brasileira é muito desigual, e a gente não pode ter uma visão só de mercado, extremamente liberal, de que o mercado resolve tudo.

Nessa pandemia, ficou ainda mais claro o quanto o Brasil é desigual.

Exatamente. E esse aumento da pobreza só não foi maior por causa do o auxílio emergencial, que começou com R$ 600. No caso de famílias chefiadas por mulheres, o benefício foi o dobro, e acabou sendo muito mais do que elas ganhavam. Por isso, é preciso um programa de assistência social inclusivo, que privilegie a educação, dando instrumentos para as pessoas crescerem. E, também, é preciso um sistema tributário mais justo, mas, ao mesmo tempo, vamos dizer assim, que não seja ofensivo ao desenvolvimento. O brasileiro é empreendedor. A gente viu, nessa pandemia, casos fantásticos de pessoas se virando e tentando resolver os problemas. É preciso ter políticas públicas que incentivem esse empreendedorismo, a criatividade, a inovação. Fico triste quando vejo que, em uma pandemia dessas, o Brasil, apesar de termos uma produção científica importante, não conseguiu desenvolver, com a nossa tecnologia, uma vacina.

Mas isso não é devido à falta de investimento na ciência?

Isso. Por que a gente não consegue investir? Na Alemanha, um casal de imigrantes turcos conseguiu fazer uma empresa grande como a Biontech. Por que aqui, no Brasil, é tão difícil criar um negócio desses? Por isso, a política pública tem que ir nessa direção. E sem ideologia. Acho que as ideologias extremadas estão trazendo um grande atraso para o mundo. Foram elas que levaram a grandes catástrofes, como a Primeira Guerra Mundial, a própria Segunda Grande Guerra e outros grandes cataclismas políticos. Mas eu tenho confiança no Brasil. Este ano não vai ser ruim do ponto de vista da economia global.

2021 não será um ano perdido?

Não, porque o mundo vai ser positivo. É muito bom para o mundo a eleição de Joe Biden (para a presidência dos Estados Unidos). Pode trazer os Estados Unidos para uma visão muito mais multilateralista. Não é que os EUA vão deixar de ter atritos com a China. Não é isso. Há uma questão geopolítica ali. Mas tem uma visão mais centrista. Não foi com nenhum extremista, nem de direita, nem de esquerda, que houve avanços nos EUA.

Quais são os desafios mais imediatos para 2021?

Existem dois desafios. Acho que tem um desafio global, que é justamente essa questão dos estímulos. A economia mundial está funcionando, está andando, muito à base de estímulos monetários e fiscais. A questão é saber, em primeiro lugar, quais são os efeitos de longo prazo disso, do ponto de vista de endividamento público e de inflação. No Brasil, tem um desafio fiscal, porque existe um gasto público que não cabe no Orçamento. Não tem como aumentar muito a carga tributária no Brasil. Estou falando em uma redistribuição da carga tributária, uma simplificação, não de aumento da tributação, em geral, sobre a sociedade, que já é bastante tributada. E, por trás disso, vejo para o Brasil, essa questão: reformas para melhorar a produtividade e, basicamente, uma sinalização de uma trajetória de gasto público e de dívida pública sustentável.

A inflação preocupa?

A curto prazo, não temos risco inflacionário. Isso não me preocupa para 2021. O que me preocupa é como fazer a transição sobre 2022, que é um ano em que a agenda do Congresso é mais complicada pelas razões eleitorais, e como fazer uma travessia para 2023. Esse é o nó.

Isso significa que 2021 é o último ano que o governo tem para fazer reformas, porque, dificilmente, conseguirá fazer algo em 2022?

Exatamente. Acho que, em 2022, não vai haver muito espaço de tempo. Logo, logo, vai estar no meio da briga eleitoral. E tudo indica que essa briga será bastante complicada. O presidente Bolsonaro tem uma base de largada muito forte para a reeleição. Construir uma candidatura leva tempo, e é preciso ver como os outros atores vão se posicionar. E muitas reformas que o Brasil precisa exigem maioria qualificada no Congresso. Não é maioria simples. Então, será preciso ter políticas sociais, mas não populistas, que é um equilíbrio bastante tênue.

A manutenção de privilégios estará presente nesse jogo...

Exatamente. O Brasil é isso aí. O grande problema é que tem setores com privilégios, que não abrem mão dos privilégios. Eu não estou aqui jogando culpa no governo Bolsonaro, não. É uma questão mais enraizada. São grupos que defendem seus privilégios, com pouca visão de longo prazo.

Para o senhor, 2021 será um ano bom do ponto de vista externo. Mas o Brasil não corre o risco de perder esse bonde, por que a vacinação aqui contra a covid-19 vai ocorrer mais tarde?

A gente pode perder o bonde, sim. Na minha atividade profissional, vejo, hoje, uma grande demanda por investimentos em ESG (sigla, em inglês, de Environmental, Social and Governance, que se refere a empresas que se preocupam com critérios de sustentabilidade e não apenas o lucro), focados em sustentabilidade. O Brasil tem uma grande chance de atrair esses investimentos, muito mais do que os países mais desenvolvidos. Temos um ativo ambiental fantástico. Mas, como o governo está em uma agenda contrária a isso, de fato, é ruim. Então, acho que, dependendo das políticas públicas que a gente tenha, o país perde. A nossa política externa, por exemplo, vai ficar isolada, agora, com a vitória de Joe Biden, e o governo precisa reposicionar o Itamaraty, e, eventualmente, até mudar a gestão do Ministério das Relações Exteriores. Mas será que o governo Bolsonaro é capaz de fazer isso? Fica a dúvida.

Quanto o senhor está prevendo de crescimento para este ano?

Algo na faixa de uns 3%. É possível crescer 3%, 3,5% ou até mais. Mas o que acho interessante é olhar o que o boletim Focus (do Banco Central), que pega uma série de previsões do mercado, prevê para o crescimento do Brasil de 2022. Em 2021, vamos recuperar sobre uma base baixa, mas, no ano que vem, o Focus prevê 2,5%. E isso é, a longo prazo, o crescimento do Brasil. É medíocre. Por isso, temos que correr atrás para aumentar. Antes da pandemia, até o fim de 2019, o país não havia conseguido voltar ao PIB do período pré-crise da Dilma. Tivemos, em três anos, crescimento médio em torno de 1%. O Brasil ainda levará muitos anos para recuperar esse nível.